Em graça concebida
Já
no primeiro instante de sua concepção, Maria Santíssima foi enriquecida
com uma plenitude de graças superior à de todos os Anjos e Santos
reunidos.
Luz tênue, igreja praticamente vazia, pouco ruído. É fim de tarde na cidade de Granada. Num confessionário, um sacerdote reza seu Breviário, enquanto permanece à disposição de qualquer fiel desejoso de purificar sua alma. Umjovenzinho se aproxima e ajoelha-se frente a frente com o ministro de Deus, como acontece normalmente com esse povo categórico. Sem dúvida alguma, ele queria confessar-se.
Luz tênue, igreja praticamente vazia, pouco ruído. É fim de tarde na cidade de Granada. Num confessionário, um sacerdote reza seu Breviário, enquanto permanece à disposição de qualquer fiel desejoso de purificar sua alma. Umjovenzinho se aproxima e ajoelha-se frente a frente com o ministro de Deus, como acontece normalmente com esse povo categórico. Sem dúvida alguma, ele queria confessar-se.
- Ave Maria puríssima! - disse o padre, segundo o costume ali vigente.
- Sem pecado concebida! - respondeu sem
hesitar o penitente, tal como fazia desde sua infância. Entretanto, o
confessor o corrigiu, com a característica ênfase ibérica:
- Não! Deves responder-me: "Em graça concebida!".
Esse pequeno episódio revela uma importante verdade teológica, e a frase do sacerdote encerra um belo louvor à Mãe de Deus.
A maior plenitude concebível abaixo de Deus
Voltemos nossa atenção para um século e
meio atrás, aos 8 de dezembro de 1854. Foi nesse dia que o Beato Pio IX,
falando ex cathedra, declarava ter sido a Bem-Aventurada Virgem Maria
"preservada imune de toda mancha do pecado original" 1 por singular
graça e privilégio de Deus. Proclamava assim, perante o regozijo do orbe
cristão, que a doutrina da Imaculada Conceição "foi revelada por Deus, e
por isto deve ser crida firme e inviolavelmente por todos os fiéis".
Sublime prerrogativa esta, a de ser
preservada de toda mancha! Contudo, se analisarmos mais detidamente,
veremos que nessas palavras se encerra não só o aspecto negativo do
dogma - ter sido Ela concebida sem pecado - mas também, necessariamente,
o aspecto positivo dessa mesma realidade: Maria foi concebida em graça
e, como afirma o Concílio Vaticano II, foi "enriquecida, desde o
primeiro instante da sua Conceição, com os esplendores duma santidade
singular".3
O Espírito Santo habitou n'Ela desde o
início de sua existência, enchendo-A de seus dons, virtudes e carismas
com tanta abundância, conforme ensina o Beato Pio IX: "Ela possui tal
plenitude de inocência e de santidade que, depois da de Deus, não se
pode conceber outra maior".4
Desde o primeiro instante de sua Imaculada Conceição
É a essa plenitude de graças que faz
referência o Arcanjo Gabriel na sua saudação: "Ave, cheia de graça, o
Senhor é contigo" (Lc 1, 28).
Enganar-se-ia quem objetasse que o fato
de Maria Santíssima estar repleta de graças não significa que já o
estivesse antes do anúncio do Anjo. Portanto A imaginasse como uma moça
boazinha, com suas falhas e defeitos, que foi repentinamente tomada pelo
Espírito Santo no momento da aparição de São Gabriel.
Essa hipótese, entretanto, repugna o
nosso senso católico e contradiz os princípios da Mariologia, pois,
conforme explica um renomado teólogo do século XX, a doutrina de que a
graça inicial de Maria Santíssima fosse superior à de todos os Anjos e
Santos reunidos é "completamente certa em Teologia".
Para explicar essa afirmação, outro
teólogo contemporâneo aduz diversos argumentos, entre os quais o
seguinte: "Como o ser preservada de pecado não é outra coisa senão
possuir a graça santificante desde o princípio da existência, e
como Maria foi preservada de modo singularíssimo do pecado original,
segue-se claramente que desde o princípio esteve cheia de graça".
Especialmente esclarecedora é a
explicação de São Tomás. Argumenta ele que "quanto mais próximo está
alguém do princípio, seja qual for o gênero, mais participa de seu
efeito".7 Ou seja, assim como quem se coloca mais perto do fogo mais se
aquece, quanto mais uma alma se aproxima de Deus tanto mais participa de
seus dons. E conclui: "Ora, a Bem-Aventurada Virgem Maria foi a que
esteve mais próxima de Cristo segundo a humanidade, pois foi d'Ela que
Cristo recebeu a natureza humana. Eis por que Ela tinha de obter de
Cristo uma plenitude de graça maior do que as outras pessoas".
É justamente essa proximidade de Cristo,
pela sua predestinação como Mãe de Deus, que explica a plenitude de
graças de Maria Santíssima desde o primeiro instante de sua Conceição.
Tríplice plenitude de graça
Evidentemente, a plenitude de graça em
Maria não é idêntica à de seu Filho. Em Cristo, Autor da graça, ela é
absoluta; portanto, sem possibilidade de aumento. Em Nossa Senhora,
porém, é relativa e suscetível de crescimento, na medida em que
aumentava a capacidade da sua alma, de algum modo unida à ordem
hipostática. Segundo alguns teólogos, Maria crescia em graça até durante
o sono, pois Ela possuía a ciência infusa, e esta continua funcionando
quando a pessoa adormece.
Na realidade, com base no Doutor
Angélico,10 não deveríamos falar da plenitude de graça de Maria, mais
sim de uma tríplice plenitude vinculada ao privilégio da maternidade
divina: a dispositiva, concedida no instante de sua concepção, com
vistas a torná-La idônea a ser a Mãe de Cristo; a perfectiva, no momento
da Encarnação do Verbo, quando Ela recebeu um imenso acréscimo de graça
santificante; e a final ou consumativa, ou seja, a que a alma possui na
glória celestial.
A morada que Deus preparou para Si
Dizia o Doutor Melífluo que De Maria
nunquam satis - d'Ela não há o que baste. Pois Deus depositou na Virgem
Maria todas as perfeições que era possível uma mera criatura ter. Ela
transcende todos os Santos, como o Céu transcende a Terra. Ela é a
montanha preferida por Deus, para habitar no tempo e na eternidade. Em
louvor a Ela, canta o Salmista: "Montes escarpados, por que invejais a
montanha que Deus escolheu para morar, para nela estabelecer uma
habitação eterna?" (Sl 67, 17).
Quão bela, santa e perfeita morada
preparou Cristo Senhor para Si! Quão sublime e magnífica a Mãe que Ele
deu para nós!
Diác. Felipe García López Ria, EP
(Revista Arautos do Evangelho, Julho/2014,. 151, p. 36-37)
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