O
amor de Jesus é luz mais maravilhosa que os santos refletem como se
fossem espelhos. Este “reflexo teológico” comum dos santos, como reflexo
teológico da luz do Amor de Jesus, mostra cores diversas e
complementares que permitem intuir a indizível beleza do mistério.
Em toda a
obra de João da Cruz, a cor principal, a principal tonalidade do amor de
Jesus é a do Amor Esponsal. De fato, o amor de Cristo Esposo é a
realidade central, a mais profunda, que unifica todos os escritos do
doutor místico, e sobretudo, que nos permite uma interpretação
constantemente cristocêntrica.
No
Evangelho, Jesus se define como Esposo (cf. Mt 9,15) e este título
cristológico se explica em todas as obras de São João da Cruz, com toda a
sua potência de amor, do amor infinito. Por outro lado, é digno de nota
que em todos os escritos do nosso santo, o termo “Esposo” é utilizado
muito mais que o termo “Cristo”.
Símbolo e conceito: matrimônio espiritual e união com Deus
Em relação
com o Esposo encontramos, evidentemente, a Esposa, assim como o grande
símbolo da sua união de amor, ou seja, o matrimônio espiritual. A mesma
realidade que São João da Cruz indica conceitualmente em temos de “união
com Deus”, ele a traduz de maneira ainda mais rica e mais profunda
quando usa a expressão simbólica de matrimônio espiritual. De fato, o
símbolo do matrimônio espiritual é mais explicitamente cristológico que o
conceito “união com Deus”. Neste grande poeta que é São João da Cruz, o
símbolo vem sempre antes do conceito: mais amplo que o conceito, este
sempre o ilumina e ultrapassa. Por isso, o matrimônio espiritual, que
indica essencialmente a relação com o Cristo Esposo, mostra que a união
com Deus aqui tratada é sempre união com Deus em Jesus, “por ele, com
ele e nele”.
A teologia simbólica
Através do
uso da teologia simbólica, colocada em relação com a teologia
especulativa, que usa os conceitos, e juan de la cruzsobretudo com a
teologia mística, que vai além de qualquer símbolo e conceito no
silêncio da santa escuridão, São João da Cruz se insere na posteridade
de Dionísio, o Areopagita, uma das suas principais fontes patrísticas. É
nesta prospectiva patrística que convém interpretar a teologia
especulativa de São João da Cruz.
A
linguagem simbólica é aquela privilegiada da Revelação de Deus na
Sagrada Escritura, porque é a linguagem mais encarnada, aquela que
anuncia a Encarnação no Antigo Testamento. É a linguagem própria da
Encarnação; o Verbo Encarnado se exprime de modo simbólico nas parábolas
e na instituição dos Sacramentos. Assim, a simbólica cristã exprime
aquilo que Charles Péguy define com exatidão “a misteriosa ligação do
carnal e do espiritual”: no homem criado carne e espírito, e sobretudo
em Jesus, o Verbo Encarnado “no qual habita corporalmente toda a
plenitude da Divindade” (Col 2,9), Jesus, o Esposo que une na sua pessoa
a Divindade e a humanidade.
Assim a
ação simbólica de Deus, unindo a divindade e a humanidade na pessoa do
Deus-Homem vem reparar a dramática separação causada pelo pecado,
sugerido ao homem por uma vontade diabólica. A lógica do amor divino é
simbólica: sempre une, recolhe, enquanto a lógica do pecado é diabólica:
divide e contrapõe.
A
simbólica cristã expressa este grande mistério de união, grande mistério
de amor, do amor de Jesus. Em Jesus, Deus mesmo se revela doando-se
humanamente, Deus mesmo se comunica corporalmente dando-se
corporalmente, porque “nele habita corporalmente toda a plenitude da
Divindade”. A simbólica cristã é a expressão da comunhão total do homem
com Deus em Jesus; por isto a Virgem Maria foi a primeira a comunicar
totalmente o mistério de Jesus, com todo o seu ser, corpo e alma, ela da
qual o Evangelho diz que “recolhia” literalmente que “simbolizava” tudo
no seu coração (sumballousa) (Lc 2,19).
São João
da Cruz, na sua teologia simbólica, recolhe a intimidade do seu coração
todo o conteúdo da Sagrada Escritura em relação à palavra de Jesus que
revela a si mesmo como Esposo. Podemos afirmar que ele acolheu esta
palavra com todo o coração e nos convida a recebê-la do mesmo modo, sem
medo, sem “desconfiança”, mas com confiança na sua potência de amor. Nos
escritos do doutor e místico, a simbólica esponsal é uma linguagem de
amor extremamente forte e extremamente pura: a sua força é a mistura da
sua pureza, uma pureza virginal. Quanto mais o acolhemos, mais
purificará o nosso coração. Dado que todos somos chamados à santidade,
não existe dúvida de que cada coração é chamado à mesma realidade deste
grandíssimo amor.
Esplendor do coração humano no amor de Jesus
Na escola
dos santos, aprendemos a descobrir sempre mais o esplendor do coração
humano, a obra maravilhosa de Deus, imagem e semelhança do seu mistério
de amor. O coração humano foi feito por amor e para o amor, para ser
amado e para amar infinitamente, na mais profunda comunhão com o coração
de Jesus. O nosso coração humano poderia ser comparado a um maravilhoso
instrumento musical, um instrumento cujas cordas se diferenciam de
acordo com o coração ser de homem ou de mulher. Estas cordas são
principalmente aquela do amor materno e do amor paterno, do amor filial e
do amor fraterno e, enfim, do amor esponsal. No coração humano estas
cordas são essenciais. O pecado não as destruiu mas as desafinou, de tal
forma que frequentemente desafinam. O Espírito Santo as afina sem
quebrá-las, e quando as faz vibrar, emitem um maravilhoso som. A
santidade, longe de ser uma mutilação do coração humano, é a sua
maturação mais plena no amor de Jesus.
Em São
João da Cruz, a corda do amor esponsal vibra harmoniosamente com todas
as outras cordas: aquela do amor filial que responde ao amor paterno, a
do amor materno e a do amor fraterno. Trata-se de todas as vibrações do
coração humano no amor de Jesus.
A alma-esposa: um “conceito simbólico”
É
conveniente precisar o sentido deste termo tão utilizado por João da
Cruz: este é mais simbólico que conceitual. Podemos ainda dizer que nele
a alma é um conceito simbólico. Com efeito, do ponto de vista
conceitual (teologia especulativa), a alma é considerada na sua relação
com o corpo, distinta do corpo e unida intimamente ao corpo, enquanto do
ponto de vista da teologia simbólica, a alma indica a Esposa na sua
relação com o Esposo, na união de amor mais íntima com Jesus Esposo.
Principalmente neste último significado, João da Cruz fala da alma;
trata-se na realidade do homem todo inteiro, corpo e alma, mas que é
simbolizado por um nome feminino, a alma, como Esposa de Cristo.
Hoje falaríamos mais de bom grado de pessoa, um conceito que também tem a vantagem de ser um nome feminino.
Vimos que o símbolo do matrimônio
espiritual dá ao conceito de união com Deus todo um significado
cristológico. É o mesmo para o símbolo da Esposa que projeta esta
idêntica luz cristológica sobre o conceito de alma: portanto, quando
João da Cruz fala de alma, se está referindo sempre à alma Esposa em
relação com o Cristo Esposo.
O outro paradoxo do matrimônio espiritual: o “já” e o “ainda não”
Deste
ponto de vista, o matrimônio espiritual é também um grande paradoxo,
paradoxo do “já” e do “ainda não”: “já”, da parte do Esposo, “ainda não”
da nossa parte. É muito importante insistir sobre o já para não
considerar o matrimônio espiritual como distante graça extraordinária,
enquanto se trata da santidade naquilo que tem de mais normal. Quando se
lê João da Cruz se compreende melhor o grande ensinamento do Concilio
Vaticano II em relação ao chamado universal à santidade (Lumem Gentium,
V). Para o cristão é normal tornar-se santo, é anormal o contrário. A
santidade é simplesmente a graça do Batismo plenamente vivida,
plenamente desenvolvida.
O Batismo
nos imergiu no Cristo morto e ressuscitado; toda a verdade, a
profundidade e a beleza desta imersão se manifesta quando a alma alcança
a santidade. Nas últimas estrofes do Cântico Espiritual, João da Cruz
mostra tudo isso de forma esplendida. A alma correspondeu ao amor do seu
Esposo na “profundeza do mistério da Cruz” e de conseqüência pode agora
penetrar na profundidade do mistério de Jesus, o Deus-Homem.
Fr. François-Marie Léthel, o.c.d.
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