Certo dia em
que Jesus tinha curado um possesso, os fariseus O acusaram de fazer
milagres em nome de Belzebu. O Divino Salvador estava rebatendo
vitoriosamente essa odiosa calúnia quando de repente, no meio da
multidão, uma mulher disse em alta voz: “Bem-aventurado o ventre que Te trouxe, e os peitos que Te amamentaram”. Jesus, porém, retrucou: “Antes bem-aventurados aqueles que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática”
(Lc 11, 27-28). Nessa resposta, de fato, Nosso Senhor proclamou para
todas as gerações que a Virgem Maria seria glorificada não tanto por
seus privilégios e sua dignidade de Mãe de Deus, quanto por haver ouvido
e praticado integralmente a palavra e as ordens de Deus.
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A desobediência da primeira Eva introduziu no mundo o pecado e a morte, efoi a obediência de Maria, a segunda Eva, que restituiu aos filhos dos homens a vida eterna e a salvação |
Fotos: Sérgio Hollmann |
Ter
tomado como lei a vontade divina e cumprido com fidelidade e à custa de
todos os sacrifícios os desígnios do Pai Celeste, eis – como disse
Santo Agostinho – o mais belo título de glória de Maria.
A desobediência de Eva, a obediência de Maria
A
desobediência da primeira Eva introduziu no mundo o pecado e a morte, e
foi a obediência de Maria, a segunda Eva, que restituiu aos filhos dos
homens a vida eterna e a salvação.
Analisemos
esta afirmação. No solene momento do cumprimento das promessas
messiânicas, Deus deitou um olhar de complacência sobre a humilde Virgem
de Nazaré e, nos segredos de sua infinita misericórdia, escolheu- A
para ser Mãe do Verbo Eterno, confiando ao Anjo Gabriel a delicada
missão de Lhe comunicar sua vontade.
No Paraíso Terrestre, o próprio Deus fez à primeira Eva uma proibição expressa, com a ameaça de uma terrível sanção: “Não comas do fruto da árvore da ciência do bem e do mal; porque, em qualquer dia que comeres dele, morrerás indubitavelmente” (Gn 2, 17). Contudo, a infortunada mãe dos homens desobedeceu a seu Criador.
A
Maria, pelo contrário, por seu mensageiro celeste, Deus Se limita a
exprimir um desejo do qual Ela poderia eximir-Se sem incorrer em sua
maldição: “Achaste graça diante de Deus; eis que conceberás no teu seio e darás à luz um filho, a Quem colocarás o nome de Jesus”
(Lc 1, 30-31). Ora, se vemos a doce Virgem ficar atônita por um
instante, não é pela hesitação diante da vontade de Deus, pois somente
sua incomparável humildade e delicada pureza A fazem temer a insigne
honra da maternidade divina.
Ó Virgem
bendita, apressai-Vos em responder à voz de Deus! A terra, o próprio
Céu, estão ansiosos, esperando a palavra de salvação que deve brotar de
vossos lábios. Deixai de temer, ó prisioneiros da morte e do pecado!
Maria obedeceu e, inclinando- Se num ato de adoração e de amor, disse: “Fiat mihi secundum verbum tuum“. “Faça-se em Mim segundo a vossa palavra” (Lc 1, 38). E então, o Verbo Se encarnou e a salvação habitou entre nós.
A obediência de Maria em Belém
A
obediência de Maria inspirou a concepção do Verbo de Deus; a obediência
de Maria presidirá também ao nascimento do Salvador dos homens.
Façamos
em espírito uma visita a Belém: Maria e José, vindos para o
recenseamento imposto por Augusto, procuram uma casa para abrigar sua
pobreza. Por toda parte, as portas se fecham diante deles. Estão no
isolamento e no infortúnio. Maria não reclama, pois vê nessa provação a
manifestação da vontade divina. Obedece com humildade e Se
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Detalhes da Anunciação, por Beato Fra Angélico, |
Museu do Prado, Madri |
refugia
num estábulo. Ali se completa o grande mistério de amor. Logo Maria
envolve em seus trêmulos braços o Verbo de Luz. Como berço, a
Providência oferece apenas uma manjedoura; e como vestimentas, a mais
absoluta privação. Maria obedece sempre e, sussurrando o “Fiat” da
Encarnação, embala seu recém-nascido.
No
quadragésimo dia após o nascimento de Jesus, a voz de Deus de novo fala
a Maria e A convida a Se purificar no Templo. Mas, como essa lei
poderia atingir a Virgem Imaculada, cuja maternidade milagrosa não tinha
qualquer resquício da mancha original? Pouco importa! Deus falou, Maria
obedece e Se junta às outras mães, para compartilhar a humilhação. “Fiat mihi secundum verbum tuum”.
Ei-La, enfim, na paz de Nazaré. Maria poderá livremente prodigalizar a
seu Divino Filho todas as efusões de sua ternura. Infelizmente, não!
Aparece novamente o Anjo do Senhor e comunica a ordem de partir para o
Egito. Um cruel tirano, Herodes, tramou a morte de Jesus. É o exílio,
com suas incertezas e seus perigos. Maria, entretanto, não cessa de
obedecer: repetindo seu “Fiat”, Ela aperta a seu coração angustiado o
doce Salvador do mundo e foge a toda pressa para a terra do Egito.
A obediência de Maria na Paixão
Passaram-se
os anos, Jesus entrou em sua vida pública. Ele disse adeus à sua Mãe e
partiu à conquista das almas. Maria fica sozinha, desolada e temerosa,
mas sempre obediente e fiel.
Isso, porém, não basta. Um dia Deus Lhe diz: “Toma teu Filho único, que tanto amas, e oferece-O a Mim em holocausto”
(cfr. Gn 22, 2). No alto sangrento do Calvário ergue-se a Cruz, o altar
do sacrifício. Deus falou, é preciso que Jesus, o inocente Filho de
Maria, derrame seu sangue pela redenção do mundo. Ah! Desta vez
ouviremos subir do Coração de Maria, de seu Coração de Mãe, um grito de
revolta? Não. Maria permanece de pé junto à Cruz e, enquanto Jesus geme
em amargo pranto, Ela cala-Se, com o coração transpassado de dor, e
derrama em silêncio lágrimas de sangue. Inclinando a cabeça, Jesus
expira, obedecendo até a morte de cruz, e ao mesmo tempo Maria,
obediente e resignada, inclina também sua cabeça sobre seu coração
quebrantado.
Ó heróica obediência de nossa Mãe, que exemplo e que lição destes aos cristãos de todos os séculos!
Maria
desce lentamente os patamares do Calvário, de seu Calvário, e, toda
mergulhada em dor, apóia-Se no braço de São João que será doravante seu
arrimo, porque Jesus não mais ali estava. E, longe desse Filho tão
amado, o coração da Virgem Santa consome- Se em mortais desgostos, mas
Ela permanece sempre resignada, sempre submissa à vontade divina.
Logo
depois Deus fala novamente a Maria e Lhe dá a conhecer sua última
vontade: também Ela deve morrer. Entretanto, Ela é inocente, e sua
Imaculada Conceição isentou-A dessa dívida do pecado original que se
paga com a morte. Maria não reclama: ouvindo a voz de Deus, obedece sem
demora, e a morte vem fazer-Lhe sua visita. A Virgem Santa fecha
docemente os olhos e expira, como seu Divino Filho, obediente até a
morte: “Obediens usque ad mortem” (Fl 2, 8).
Imitemos o “Fiat” de Maria
Meus
irmãos, diante desse corpo mártir da obediência, recolhamo-nos e
escutemos a voz que sobe do sepulcro de Maria. Entendeis como Ela
proclama o grande preceito da obediência?
Também
a nós, cristãos, Deus fala com freqüência, às vezes pelos preceitos, às
vezes pelos conselhos, seja diretamente, seja por intermédio de seu
anjo, a Santa Igreja. A exemplo de Maria, obedeçamos generosamente,
respeitemos a Lei de Deus e a da Igreja, dizendo de todo coração nosso “Fiat“.
Por vezes a Providência nos impõe, a nós também, as privações da Gruta de Belém. Não nos revoltemos, mas sejamos
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Inocente e concebida sem pecado original, Maria obedece sem demora à voz de Deus, e a morte vem fazer-Lhe sua visita (detalhe da Anunciação, por Bea-to Fra Angélico, Museu do Prado, Madri) |
obedientes
na pobreza e no sacrifício. Felizes sois vós, ó deserdados deste mundo,
que partilhais com vosso Salvador e a Virgem Bendita a penúria de
Belém! Resignai-vos e bendizei Jesus, bendizei Maria, que vos associam à
sua pobreza!
Mesmo, porém, que não
participemos todos do despojamento de Belém, a todos nós Deus ordena ir
ao Templo purificar-nos de nossos pecados. Em certos dias, a voz de Deus
se mostra mais premente, sobretudo na Páscoa e nas outras grandes
festas do ano litúrgico. Ah! se ouvirmos agora a voz de Deus, não
endureçamos nosso coração, mas, com humildade e obediência,
aproximemo-nos dos sacramentos da salvação.
Reiteradas
vezes Deus nos envia seu anjo para nos mandar deixar o pecado, inimigo
declarado de nossa alma, e fugir de suas funestas ocasiões. Aí, é
necessário “entrarmos no Egito“, isto é, na oração e na penitência, terra de salvação.
Às
vezes a vontade de Deus vai ainda mais longe: convida-nos a subir o
Calvário e ficar junto da Mãe Dolorosa, aos pés da Cruz. Ali, sobretudo,
saibamos obedecer! Choremos com Maria. As lágrimas são muito naturais
para não serem abençoadas por Deus. Resignemo-nos e inclinemos nosso
coração na adoração e na esperança.
Por
fim, um dia Deus nos falará pela última vez e nos enviará o anjo da
morte. Não nos revoltemos, mas, com Maria, sejamos corajosos e
obedientes, e entreguemos docemente nossa alma nas mãos de nosso Deus: In manus tuas, Domine, commendo spiritum meum – Em vossas mãos, Senhor, entrego meu espírito. (Publicado originariamente em “L’Ami du Clergé Paroissial”, 1905, pp. 529-530)
– (Revista Arautos do Evangelho, Maio/2006, n. 53, p. 34 à 36)
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