Todos nós temos
consciência que a superficialidade, o consumismo e o individualismo são as
marcas de nossa sociedade atual. Marcas que nos desfiguram e nos desumanizam.
Já o grande teólogo Paul Tillich (1886-1965) afirmava que “a grande tragédia do
homem moderno é ter perdido a dimensão de profundidade”.
Nas suas obras há um
insistente apelo a reencontrar aquilo que ele chamava “a dimensão perdida”.
Este é o contrassenso
humano: por uma parte, salta à vista a tendência a instalar-se na
superficialidade (chamemos isso de “zona de conforto” ou simplesmente
“comodidade”) e, por outra, a certeza de que somos todos habitados por um
anseio que nos chama constantemente para a profundidade (chamemos isso de “nossas
raízes”, “nosso ser”..., em definitiva, “nossa casa”).
Entre esses dois
extremos – superficialidade e profundidade – transcorrem nossa vida.
No fundo, a
superficialidade, o consumismo e o individualismo são tão somente tímidas
compensações que tentam aliviar o vazio de sentido que nos habita; ao mesmo
tempo se apresentam como cantos de sereia, ilusão que nos distraem daquilo que
é verdadeiramente importante: viver o que somos.
O canto as sereia nos ilude e
atrai para caminhos obscuros, perversos. A sereia é o próprio demônio com
ilusão e beleza e ação de encantamentos
Talvez, a chamada
“dimensão perdida” não seja outra coisa que a “transfiguração” de nossa
verdadeira identidade. Este é o apelo do Evangelho de hoje: viver
“transfigurados” a partir de nossa interioridade.
Estamos vivendo fora
de nós mesmos, daí que nosso mundo interno permaneça na obscuridade. Se nos
voltarmos para dentro, se nossa atenção começa a dirigir seu foco para o
interior, então tudo se ilumina.
O chamado “mistério”
da “Transfiguração” poderia ter sido, em sua origem, um relato de aparição do
Ressuscitado. Posteriormente teria sido reelaborado para transformar-se numa
declaração messiânica: Jesus, confirmado pelas Escrituras judaicas,
representadas nas figuras de Moisés (“a Lei”) e Elias (“os profetas”), é
apresentado como “Filho amado” de Deus. Todo Ele é transparência e
luminosidade.
2 – O que o texto diz
para mim?
Jesus viveu
constantemente transfigurado, mas isso não se expressava externamente com
espetaculares manifestações. Sua humanidade e sua divindade se revelavam cada
vez que se aproximava de uma pessoa para ajudá-la a ser ela mesma. A
transfiguração deixa de ser um evento para tornar-se um modo permanente de
Jesus viver, pois a única luz que nele se revela é a do amor; e só quando
manifesta esse amor, ilumina. Na sua humanidade deixa transparecer a luz de
Deus.
A Transfiguração não
está só me dizendo quem era Jesus, mas também quem sou realmente. Ela desvela
também minha identidade e me faz caminhar em direção à minha própria
humanidade. Por isso, uma pessoa transfigurada é uma pessoa profundamente
humana. Tudo o que é autenticamente humano, é transparência de Deus.
Humano não é ruim,
senão Deus não teria se humanizado, o que é ruim na humanidade é a
desumanização do ser. O tigre não se destrigra, o homem se desumaniza.
3 – O que a Palavra
me leva a experimentar?
A transfiguração
desencadeia um movimento interno de busca continuada e revela que o ser humano
é inquieto por natureza, e será sempre assim, em seu afã de abrir-se a um
horizonte cada vez mais amplo. Todo o ser humano traz em seu interior uma
faísca de luz que busca expandir-se; não falta ao seu coração a sede de
eternidade.
Transfiguração,
portanto, é transformação do espaço interior. Em meio às sombras profundas,
marcadas pelos traumas, feridas, experiências negativas..., encontram-se
“pontos de luz”. Tenho todos os recursos necessários para ativá-los. Então, o
círculo de minha luz vai se ampliando, começando pelo meu eu mais profundo; ela
vai se fazendo cada vez mais extensa, iluminando toda a realidade cotidiana.
Passarei, a viver como “seres transfigurados”.
4 – O que a Palavra
me leva a falar com Deus?
Senhor, a cena da
Transfiguração vem me recordar que, na essência, sou luminosidade; por detrás
de comportamentos com frequência sombrios, continuo sendo transparência. Isso é
o que eu cristão reconheço em Jesus: Ele é o “espelho” nítido no qual vejo minha
identidade profunda. E essa identidade é luz e transparência.
Não é casual que,
mesmo perdida nas trevas de minha inconsciência, sinto saudades da luz. Também
não é casual que, mesmo nas ações mais complicadas e questionadas, procuro
justificar minha transparência. Uma e outra desvelam quem é; por isso mesmo, se
tornam imprescindíveis para viver com mais intensidade.
Minha essência é
luminosa, transparente, simples, doce, verdadeira... Mas, para percebê-la,
preciso me despertar. E isso implica e significa, ao mesmo tempo, viver
ancorada em minha verdadeira identidade.
Para além do “ego
superficial”, a transfiguração me faz acessar a um “lugar” sempre estável,
sólido e permanente, onde reconheço a presença d’Aquele que é a Luz indizível.
Esse “lugar” é sempre
luminosidade e transparência. E a partir dele tudo fica transfigurado. Na
realidade, não é que as coisas se transfigurem, senão que, mais exatamente,
vejo em tudo a Verdade, a Bondade e a Beleza daquilo que é.
5 – O que a Palavra
me leva a viver?
Cuidar do coração,
pois dele brota a luz e a vida.
Iluminar meu caminhar
com a luz que há em mim mesma.
Olhar com os olhos
transfigurados e ver que por detrás das pobres aparências se escondem muitos
sentimentos de bondade, de generosidade, de fidelidade e amor.
A transfiguração me
fala da verdade que levo dentro de mim, mas também dos novos olhos que preciso
para ver. Se eu soubesse olhar com os olhos do coração, veria a luz maravilhosa
escondida no interior de cada pessoa.
Conheço as pessoas
por fora. Debaixo das aparências de vulgaridade, pode se esconder um grande
coração.
Transparente é um
modo de ser e de agir; é a condição para eu poder ver Deus presente e atuante
em tudo e em todos.
O grande desafio para
viver a transparência é facilitar, no meio de minha cultura acelerada e
carregada de imagens, espaços sossegados para perceber o que o Espírito vai
fazendo em mim. Se não sei o que me acontece por dentro, dificilmente poderei
ser presença iluminadora junto aos outros.
Como seguidor de
Jesus, sou chamado a ser cúmplice do Espírito, abrindo-me totalmente à sua ação
e deixando-me transfigurar por Ele.
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