E por que estes detalhes? Terá ele agido sem motivos específicos? Não vamos acreditar nisto. Pois, se é verdade que nenhuma folha cai de uma árvore, nenhum pássaro cai do céu sem o consentimento de vosso Pai que está nos Céus (Mt 10, 29), não posso acreditar que uma única palavra inútil tenha saído dos lábios de um evangelista, principalmente no relato da santa história do Verbo. Não, não posso acreditar nisto. Todos estes detalhes são repletos de mistérios divinos e deixam extravasar celeste ternura, quando encontram um ouvinte diligente que saiba absorver o mel que escorre do rochedo, que saiba saborear o excelente óleo que se recolhe dos locais pedregosos.
Diz ele, então: "O Anjo Gabriel foi enviado por Deus." O seu nome se relaciona com a mensagem a qual ele foi encarregado de trazer. Com efeito, qual seria o Anjo que mais se adequava a anunciar a vinda do Cristo que é a virtude de Deus, senão aquele que tem a honra de se chamar A Força de Deus? O que é a força, senão a virtude? (...)
Se o Anjo se chama A Força de Deus, quer dizer que ele tem como função proclamar a vinda da verdadeira Força, ou então, tranqüilizar a Virgem, naturalmente tímida, simples e pudica, pois o anúncio do milagre que deveria ser realizado por meio dela, poderia trazer-lhe inquietações. O Anjo Gabriel lhe disse: "Não temas, Maria! Encontraste graça junto de Deus" (Lc 1, 30). Deve-se crer, igualmente, que ele tenha dado força e coragem ao noivo desta Virgem, homem de uma consciência humilde, tímido e escrupuloso, se bem que nosso Evangelista não o tenha especificado nesta mensagem. Porém, é o Anjo Gabriel a dizer: "José, filho de Davi, não temas receber Maria, tua mulher, pois o que nela foi gerado vem do Espírito Santo." (Mt 1, 20).
A escolha do Anjo Gabriel para o cumprimento desta obra é bem oportuna, ou então, foi pelo fato de ter sido designado para esta missão que ele recebeu o nome de Gabriel.
O Anjo Gabriel foi enviado por Deus à cidade de Nazaré; mas para quem foi ele enviado? "A uma Virgem desposada com um varão chamado José, da casa de Davi." (L 1, 27)
Quem seria esta Virgem, tão venerável merecendo ser saudada por um Anjo? E tão humilde que tenha um simples artesão como esposo? Que bela aliança, a da humildade unida à virgindade. A Alma na qual a humildade exalta a virgindade e a virgindade lança novo brilho sobre a humildade, agrada singularmente a Deus. Mas, não seria esta Virgem Santa digna de grandes homenagens e respeito, pois que nela a fecundidade exalta a humildade e a maternidade consagra a virgindade?
Vocês conseguem conceber o que significa ser uma virgem e, obviamente, uma virgem humilde; então, se vocês não puderem imitar a virgindade desta humilde virgem, imitem pelo menos a sua humildade. A sua virgindade é digna de todos os louvores, mas a humildade é bem mais necessária do que a virgindade; se a primeira é aconselhada, a outra é prescrita, e se vocês são convidadas a conservar uma, devem, em relação à outra, se empenhar como fazemos quando temos um dever, uma obrigação. Falando-se de virgindade, eis o que dizem as Escrituras: "Que aqueles que têm a capacidade para compreender, compreendam (Mt 19, 12)." Mas, quanto à humildade, vejamos em que termos ela nos foi inspirada: "Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças, de modo algum entrareis no Reino dos Céus (Mt 18, 3)." Assim, uma é objeto de recompensa e a outra de um preceito. Podemos nos salvar sem a virgindade, mas não sem a humildade.
Afinal, seria melhor para vós que não tivésseis conservado a virgindade do que se manter virgem e orgulhando-se disto. Certamente, não seria comum que todas as pessoas se mantivessem virgens, mas um número bem menor de pessoas possui as duas qualidades, a virgindade e a humildade. Se então, vós não vos sentis capazes de imitar a Santíssima Virgem em sua castidade, imitai-a, sobretudo, em sua humildade e isto basta. Mas se vós sois, ao mesmo tempo, virgem e humilde, quem quer que sejais, sois verdadeiramente grandes.
Porém, existe algo em Maria mais admirável ainda. Trata-se da fecundidade associada à virgindade.
Realmente, jamais se ouviu falar, desde que o mundo é mundo, de uma virgem mãe. Mas, se observásseis Aquele que é o seu Filho... como não ficaríeis admirados... Não vos parece que ela não saberia jamais ser tão grande? Será que, segundo o vosso parecer, ou de preferência, segundo o julgamento de Deus, a mulher que teve Deus como Filho, não estaria numa posição mais alta do que os coros dos Anjos?
Será então que não é Maria a chamar o Senhor sem hesitar, e o Deus dos Anjos, seu Filho, quando lhe diz: "Meu filho, por que agiste assim conosco?" (Lc 2, 48). Terá sido Ele um anjo para manter esta linguagem, este diálogo? Já é muito para os Anjos e eles se sentem bastante felizes, sendo espíritos por natureza, de terem sido moldados e chamados de "Anjos", por graça de Deus, conforme refere Davi: "Faz dos seus anjos, espíritos" (Sl 103, 4). Maria, ao contrário, sentindo-se mãe, chama confiante de Filho, Aquele cuja majestade é servida, respeitosamente, pelos Anjos.
Deus não fica nenhum pouco aborrecido ao ser chamado pelo nome d´Aquele que Ele se dignou ser, Jesus, pois, um pouco mais longe, o Evangelista refere: "Desceu com eles para Nazaré e era-lhes submisso (Lc 2, 51)". Ele; Ele quem? E submisso a eles; a eles, quem?
Um Deus submisso aos homens, um Deus, digo, a quem os próprios anjos são submissos - Principados e Potestades lhe obedecem - Ele mesmo, Deus, submisso a Maria, e não somente a Maria, mas, igualmente, a José, por causa de Maria. Dirigindo o olhar para esta realidade, vós também tereis motivos para se admirarem; a única dificuldade será a de discernir, com sabedoria, o que é mais admirável: a amável condescendência do Filho ou a suprema honra de sua Mãe.
De ambos os lados o mesmo motivo de enlevo, a mesma maravilha a ser admirada; por um lado, o fato de que um Deus seja submisso a uma mulher, exemplo de humildade sem precedente, e pelo outro, que uma mulher dê ordens a um Deus, honra que nenhuma outra mulher tenha partilhado com ela. Na exaltação da virgindade, canta-se: "Estes são os que não se contaminaram com mulheres: são virgens. Estes seguem o Cordeiro, onde quer que ele vá.(Ap 14, 4)" Qual não será então a glória da mulher que o precede?
Ó homem, aprende a obedecer; ó homem, feito de terra e pó, aprende a te inclinar, a te dobrar e a te deixar subjugar. Ao falar do teu Criador, o Evangelista diz: "E ele era-lhes submisso", quer dizer, Jesus era submisso a Maria e a José.
Envergonha-te, ó cinza orgulhosa! Um Deus se abaixa e tu te ergues! Um Deus se submete aos homens e tu, não satisfeito em dominar teus semelhantes, chegas a ponto de preferir a ti, terra e pó, que a teu Criador? Ah! Se algum dia agisse de tal forma, ah!, se eu pudesse ter a graça de ouvir de Deus as palavras ditas, um dia, a seu Apóstolo, embora num tom de censura: "Afasta-te de mim, Satanás! Tu me serves de pedra de tropeço, porque não pensas nas coisas de Deus, mas nas dos homens! (Mt 16, 23)". Efetivamente, todas as vezes que ambiciono comandar os homens, estou me elevando acima de Deus, pois d`Ele foi dito: "E ele era-lhes submisso."
Ó homem, se não podes te comprometer com os elevados caminhos da virgindade, pelo menos segue a Deus nas vias perfeitamente seguras, as da humildade. Na verdade, nem mesmo as virgens podem se afastar destas vias, e tu deves continuar a seguir todos os passos do Cordeiro, aonde quer que ele vá. O pecador, por ter seguido os seus passos pelas estradas da humildade, tomou a direção mais segura que o homem que, na sua virgindade, segue as vias do orgulho, uma vez que a humildade de um o purificará de suas máculas, enquanto o orgulho do outro irá macular a sua pureza.
São Bernardo
Homilia sobre o Missus Est
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