Amo porque amo -
O
amor basta-se a si mesmo, em si e por sua causa encontra satisfação.
É seu mérito, seu
próprio prêmio. Além de si mesmo, o amor não exige motivo nem fruto. Seu fruto
é o próprio ato de amar. Amo porque
amo, amo para amar! Grande
coisa é o amor, contanto que vá a seu Princípio, volte à sua Origem, mergulhe
em sua Fonte, sempre beba donde corre sem caçar.
De todos
os movimentos da alma, sentidos e afeições, o amor é o único com que pode a
criatura, embora não condignamente, responder ao Criador e, por sua vez,
dar-lhe outro tanto. Pois quando Deus
ama não quer outra coisa senão ser amado, já que ama para ser amado; porque
sabe que serão felizes pelo amor aqueles que o amarem.
O amor do Esposo,
ou melhor, o Esposo-amor somente procura a resposta do amor e a fidelidade.
Seja permitido à amada responder ao Amor! Por que a esposa - e esposa do Amor –
não deveria amar? Por que não seria amado o Amor?
É justo
que, renunciando a todos os outros sentimentos, única e totalmente se entregue
ao amor, aquela que há de corresponder a ele, pagando amor com amor. Pois mesmo que se esgote toda no amor, que é isto
diante da perene corrente do amor do outro?
Certamente não corre com igual abundância o caudal do amante e do Amor, da alma e
do Verbo, da esposa e do Esposo, do Criador e da criatura; há entre eles mesma
diferença que entre o sedento e a fonte.
E então? Desaparecerá por isto e se esvaziará de todo a
promessa da desposada, o desejo que suspira, o ardor da que a ama, a confiança
da que ousa, já que não pode de igual para igual correr com o gigante,
rivalizar a doçura com o mel, a brandura com o cordeiro, a alvura com o lírio,
a claridade com o sol, a caridade com aquele que é a caridade?
Não. Mesmo
amando menos, por ser menor, se a criatura amar com tudo o que é, haverá de dar
tudo. Por esta razão, amar assim é unir-se em matrimônio, porque não pode amar
deste modo e ser menos amada, de sorte que no consenso dos dois haja íntegro e
perfeito casamento. A não ser que alguém duvide ser amado primeiro e muito mais
pelo Verbo.
Fonte:
Dos Sermões sobre o Cântico dos Cânticos, de São Bernardo, abade
(Sermo
83,4-6: Opera omnia, Edit. Cisterc. 2[1958], 300-302) Séc. XII
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