A essência da vida comunitária
Eu preciso dos outros
Não posso aprender a amar no vazio; não posso tornar-me
pessoa sem a comunidade de outras pessoas. “Não é bom que o homem
esteja só” (Gn. 2,18).
Alguém, geralmente os pais, ensinou-me a usar o Dom divino da liberdade
para amar. Sem essa ajuda, eu nunca me tornaria a pessoa cristã que
agora sou.
Se alguém não me amasse, eu nunca poderia ter crescido como pessoa.
Assim acontece porque Deus “nos amou primeiro” (1 Jo 4,19) e só depois
nos pediu que retribuíssemos seu amor. De fato, cada um de nós é,
agora, a pessoa que é, devido àqueles que nos amaram ou deixaram de nos
amar desde que nascemos. Quando somos amados, crescemos; quando nos
sentimos desamados, nos fechamos e deixamos de amar até a nós próprios.
Comunidade com outros é o nosso “sangue vital”
Também não posso dar amor no vazio; não posso tornar-me pessoa a não
ser que alguém aceite o meu amor; preciso de comunidade com outras
pessoas, justamente por esta razão. Se os outros não permitissem
aproximar-me deles, ser-me-ia negada a liberdade de amá-los e eu não
cresceria como pessoa.
Eu preciso amar e ser amado tanto quanto preciso respirar.
Retirem-me o ar e me sufoco fisicamente; excluam-me os outros para eu
amá-los, e morro interiormente.
São Paulo salienta a necessidade de comunidade com os outros nestas
palavras simples “Formamos um só corpo em Cristo, sendo membros uns dos
outros” (Rm. 12,5).
Outros precisam de mim
Também os outros precisam de mim; sem mim e sem meu amor, cada um deles sentir-se-à um pouco menos amado e,
assim, um pouco menos livre para amar. Quando amo os outros, eles se
tornam capazes de se expressar e crescer na própria liberdade de amar
dada por Deus.
Quando me recuso a amá-los, o seu crescimento como pessoas —
liberdade para amar — é frustrado. Quando os pais negam este amor, a
vida torna-se problema para qualquer criança, até ela encontrar uma
outra comunidade de pessoas que comecem a inverter essa experiência
triste, amando-a.
Os outros precisam de mim ainda de outra forma, isto é, que eu
aceite seu amor. Quando aceito o amor do outro, ajudando-o a crescer
como pessoa e como pessoa cristã. Quando rejeito seu amor,
coloco-o num vazio, onde ele não pode desenvolver-se integralmente como
pessoa, conforme foi chamado por Deus.
Para viver, preciso de outros; preciso de comunidade. Esta
realidade chamada comunidade não é algo de que possamos prescindir, nem
é o privilégio de pessoas especiais; é o fôlego da vida e o alimento
do crescimento para todos nos.
Para se ter a experiência de Deus ( I Cor 12,19-21.25-28 )
é importante lembrar e entender que preciso da experiência da
comunidade de outras pessoas para ter a experiência de Deus, Karl
Rahner coloca isso desta maneira “Nenhuma experiência de Deus é
possível se não for mediada por uma experiência do mundo… o que medeia a
experiência de Deus é, primariamente, o relacionamento do homem com
outras pessoas. Quer isto dizer que o relacionamento de um homem com
outras pessoas deve ser de confiança incondicional, isento de
preconceito, de prontidão para se comprometer com o próximo, para
tornar-se responsável por ele, em outras palavras, deve tornar-se um
relacionamento de amor. Somente deste ângulo é possível, efetivamente,
entender o que Deus quer dizer, e com quem é que a gente se envolve,
quando começamos a amar a Deus”.
Este ensino encontramos na primeira carta de S. João: “Pois quem não
ama seu irmão a quem vê, a Deus, que não vê, não poderá amar” (1 Jo
4,20).
Assim, é claro que comunidade, para a pessoa, não é
simplesmente uma questão de sobrevivência afetiva e emocional — o que é
certo — mas uma exigência de realização espiritual e cristã para todos
nós. Enquanto não aceito nem me comprometo com a comunidade de meus
irmãos, homens e mulheres, não posso ter experiência de Deus.
Sou único
A contribuição de cada um em amor à comunidade é única;
somente eu posso dar a minha contribuição. Nenhum outro pode fazê-lo
por mim. Deus deu-me dons que não dispensou a outros. Ele fez
cada um de nós diferente e único, para todos os seus dons. São Paulo
nos ensina: “Se o conjunto fosse um só membro, onde estaria o corpo?
Há, portanto, muitos membros, mas um só corpo. Não pode o olho dizer à
mão: Não preciso de ti; nem tampouco pode a cabeça dizer aos pés: Não
preciso de vós,afim de que não haja divisão no corpo, mas os membros
tenham igual solicitude uns com os outros. Se um membro sofre, todos os
membros sofrem com ele; se um membro se alegra, todos os membros se
alegram com ele”. (I Cor 12,19.21.25.28).
Ser para os outros
Para ser pessoa tenho que estar presente para os outros.
Comunidade quer dizer convicção de uma responsabilidade pessoal
para entrar num relacionamento de amor com outros, que estão
procurando crescer como pessoas com a minha ajuda, e que estão me
ajudando a crescer como pessoa.
Isto quer dizer, buscando fechar sobre mim mesmo, vigiando contra todo
desejo de ser impermeável ao amor e contra o desejo de conquistar os
outros para explorá-los. Somente em comunidade posso usar minha
liberdade para amar os outros; em comunidade, dou e recebo o Dom de
crescer como pessoa. Nas Escrituras encontramos: “Seguindo a
verdade em amor, cresceremos em tudo em direção Aquele que é cabeça,
Cristo, cujo Corpo (a comunidade), em sua inteireza, bem ajustado e
unido por meio de toda junta e ligadura, com a operação harmoniosa de
cada uma de suas partes, realiza o seu crescimento para a sua própria
edificação no amor” (Ef 4,15-16).
Pe. Emílio Carlos Mancini
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