†
“Quem ama a Deus ame também a seu irmão”
(1Jo 4,21)
Evangelho: Mateus (Mt 22, 34-40)
A série de leis que aparecem nesse texto bíblico baseia-se em dois fundamentos:
– não se deve fazer a outrem o que não é desejado para si mesmo (Ex 22,20);
– Deus é o libertador e tem particular cuidado com os atribulados, escuta seus clamores e é misericordioso para com eles (Ex 22,26).
São estas as categorias sociais mencionadas nas proibições:
– o estrangeiro. Na Antiguidade, cada indivíduo tinha a identidade vinculada a uma tribo ou clã de origem que o protegia. Em viagem ou quando havia migração de uma pequena família para outra região, então facilmente essas pessoas ficavam sem proteção e à mercê da violência, por causa da distância da tribo à qual pertenciam.
– a viúva e o órfão. A mulher era protegida pelo pai e, na falta deste, pelos irmãos adultos; se casada, pelo marido e, na ausência deste, pelos filhos adultos. A viúva propriamente dita era uma mulher cujo pai ou irmãos estavam ausentes e que, com a morte do esposo, tinha ficado sozinha com filhos ainda crianças. Nessa condição, a mulher estava totalmente desprotegida, podendo sofrer violência e escravidão. Ela está na mesma situação da criança órfã.
O exemplo prático de amor a Deus e ao próximo, concretizado no perdão e na perseverança.
Paulo elogia os tessalonicenses por perseverarem na fé, apesar das tribulações pelas quais passaram. Os tessalonicenses imitavam o modo de viver de Paulo e, em última instância, o modo de viver de Cristo. Quando abraçaram a fé cristã, os tessalonicenses sofreram calúnias e outras perseguições dos moradores da cidade. Mesmo assim, nada os impediu de perseverar no amor a Deus e na divulgação do evangelho entre os que os perseguiam. Isso mostra que o amor ao próximo não é sinônimo de ajudar os aflitos. O próximo é aquele de quem me aproximo, seja para ajudar, seja para perdoar. Não podemos confundir “próximo” apenas com “necessitado”.
Os cristãos de Tessalônica eram alegres, apesar das perseguições. Não sentiam uma alegria superficial, como a que brota de um coração vazio de sentido e sedento por diversões. Tratava-se, antes, da alegria profunda de quem não guarda rancor, de quem sabe perdoar e amar. Os tessalonicenses perseveravam no amor a Deus e ao próximo.
O evangelho nos situa diante de uma pergunta muito importante não apenas para os judeus, como também para nós, cristãos: o maior mandamento. É importante para nós, seguidores de Jesus, porque o mandamento nos reporta à prática evangélica.
A resposta de Jesus, fundamentada na Escritura, une dois mandamentos já conhecidos e praticados pelos judeus. O primeiro é amar a Deus (Dt 6,5), que resume a vocação própria de Israel, a razão de sua existência. Em Cristo, essa vocação estendeu-se a todos nós, chamados a amar a Deus no Filho amado. Ele nos ensinou o caminho de acesso a Deus Pai, no amor e na doação de sua vida integralmente.
O segundo é amar o próximo como a si mesmo (Lv 19,18), cujo fundamento é Deus, que ama o ser humano. A realização desse mandamento faz parte da vocação de Israel e, em Jesus, chegou à plenitude, porque Cristo amou o próximo não como a si mesmo, mas como o Pai o ama. Deu-se totalmente ao outro como se dava totalmente ao Pai e como o Pai se dava a ele. Sem reservas. Por isso, ao unir os dois mandamentos e defini-los como vontade de Deus expressa na totalidade da Escritura (Lei e Profetas), Jesus apresenta uma novidade à sua época e a nós.
Jesus quer ressaltar que o mais importante para cumprir a vontade de Deus não é o muito fazer, seja por Deus, seja pelos irmãos. O importante é ser para o outro, como ele próprio foi para Deus e para o próximo. Toda a sua vida e missão traduziram quem ele é: o Filho amado. Toda a sua ação em prol do outro foi baseada no amor filial, fonte de sua existência. Toda a Escritura (Lei e Profetas) testemunha que a realização da vontade de Deus está no cumprimento do duplo mandamento de amar a Deus e o próximo. Tudo o mais, nossos afazeres, nossas devoções etc. só têm sentido se nascem desse mandamento.
Encontro de dois amores
Será necessário afastar-se dos homens para encontrar ao Deus? E quem encontrou a Deus ainda poderá voltar aos homens e viver com eles? Interessar-se por eles, trabalhar com eles e para eles? Em outras palavras são compatíveis o amor de Deus e o amor dos homens, ou ao contrário, um exclui o outro, de modo que seja absolutamente necessário fazer uma opção?
Amar o homem para amar a Deus
Nenhuma destas perguntas recebeu de Jesus uma resposta essencial: o primeiro mandamento é amar a Deus e o segundo, que lhe é semelhante, amar os homens. Não se pode, pois, pensar que a entrada de Deus numa consciência provoque a exclusão do homem (evangelho).
Ao contrário, os textos mais seguros da mensagem do Antigo Testamento e de Jesus nos levam a crer com certeza que o encontro com Deus renova e aperfeiçoa a atenção e a solicitude para com os homens .
“Quando Deus se revela pessoalmente, ele o faz servindo-se das categorias do homem. Assim revela-se Pai, Filho, Espírito de amor: e se revela supremamente na humanidade de Jesus Cristo. Por isto, não é demasiada ousadia afirmar que é preciso conhecer o homem para conhecer a Deus; é preciso amar o homem para amar a Deus” (rdC 122,b).
Mas convém aprofundar alguns problemas impostos pelos próprios textos evangélicos. Importa amar os homens, mas importa também acautelar-se com relação ao mundo, saber deixar o pai e a mãe... Como fazer um acordo entre proposições que, a primeira vista, parecem opor-se? Devendo absolutamente escolher entre o homem e Deus, que fazer? O amor dos homens não é uma ameaça ao amor de Deus?
Nunca a Escritura e a tradição cristã permitiram ao cristão desinteressar-se do homem, sob pretexto de interessar-se unicamente por Deus. Nunca deixaram de indicar no serviço do homem um modo de servir a Deus.
Teoria e práxis
A atenção a Deus e a atenção ao homem não são facilmente separáveis. O cultivo da “via interior” é um valor cristão, um valor permanente, como a necessidade de recolhimento. Mas a “vida interior”, quando é cristão, não é monólogo nem é falar com Deus só. Encontrando Deus na oração, o cristão, mais cedo ou mais tarde, encontra inevitavelmente os homens que Deus cria e quer salvar. Ele não pode deixar de subscrever estas linha de Paulo Ricoerur: “Minha vida interior é a fonte de minhas relações exteriores. Contrariamente à sabedoria meditativa e contemplativa do fim do paganismo grego ou do Oriente, a pregação cristã jamais opôs o ser ao fazer, o interior ao exterior, a teoria à práxis, a oração à vida, a fé às obras. Deus ao próximo. É sempre no momento em que a comunidade cristã se desfaz ou a fé decai, que ela abandona o mundo e suas responsabilidades, reconstruindo o mito da interioridade. Então, o Cristo não é mais reconhecido na pessoa do pobre, do exilado, do prisioneiro”. todo o teu espírito: eis o grande e primeiro mandamento". Era o texto do Deuteronômio que constituía a essência da oração que os Israelitas rezavam diariamente - o "Shemá" - e que na atual liturgia das horas nós rezamos na oração da noite de domingo. Mas Jesus acrescentou: "o segundo mandamento é semelhante a ele: amarás a teu próximo como a ti mesmo" (Mt 22, 37-37). E disse ainda: "Desses dois mandamentos decorre toda a lei e os profetas (v 40)".
Contemplação e ação
O cristão pode afastar-se momentaneamente dos homens, para orar, para pensar só em Deus. Pode fazer uma hora de meditação sem encontrar expressamente, na contemplação de um mistério, divino, o pensamento das necessidades dos homens... Isto se torna mesmo, em certos momentos , uma profunda necessidade. Na vida cristã, como na vida humana em geral, existem normalmente ritmos; passa-se da contemplação à ação de desta à contemplação. Mas como acontece na nossa existência em que se sucedem tempos de retiro e tempos de intensa atividade, também na Igreja vemos contemplativos e ativos. O mistério de Cristo, no seu todo, é vivido na Igreja, no conjunto de seus membros e em todos os séculos. O contemplativo serve aos homens servindo a Deus o ativo serve a Deus servindo aos homens. Os dois exprimem, especializando-se na limitação do Cristo, um mesmo e único mistério: o da vida religiosa do Verbo encarnado. Assim aconteceu e acontece ainda na história da Igreja. O santo Cura D´Ars suspirava por um convento e pela solidão, enquanto se dedicava inteiramente aos homens; e os conventos deram à Igreja grandes papas, bispos, reformadores e missionários, que passaram da contemplação e da solidão à ação mais perseverante e ininterrupta.
A†Ω
Nenhum comentário:
Postar um comentário