OITAVA DA PÁSCOA. SEXTA-FEIRA
CONSTÂNCIA NO APOSTOLADO
– A pesca milagrosa. Quando estamos unidos ao
Senhor, os frutos são sempre abundantes. Saber reconhecer o Senhor no
meio dos acontecimentos da vida.
– O apostolado exige um trabalho paciente.
– Contar com o tempo. Quanto maior a resistência de uma alma, mais necessários os meios humanos e sobrenaturais.
I. JESUS CRISTO [...] é
a pedra angular. Em nenhum outro há salvação, porque debaixo do céu não
nos foi dado nenhum outro nome pelo qual possamos ser salvos1.
Os Apóstolos partiram de Jerusalém e foram à Galiléia, como o Senhor lhes havia indicado2.
Estão junto do lago, no mesmo lugar ou perto daquele em que um dia
Jesus os encontrara e os convidara a segui-lo. Agora voltaram à sua
antiga profissão, àquela que tinham quando o Senhor os chamara. Jesus
acha-os novamente entregues às suas lides. Estavam juntos Simão
Pedro, Tomé, chamado Dídimo, Natanael, que era de Caná da Galiléia, os
filhos de Zebedeu e outros dois discípulos3. É a hora do crepúsculo. As outras barcas já saíram para a pesca. Disse-lhes
Simão Pedro: Vou pescar. Responderam-lhe eles: Nós também vamos
contigo. Partiram e entraram na barca. Naquela noite, porém, nada
apanharam.
Ao romper da aurora, Jesus apareceu na praia.
Jesus ressuscitado vai em busca dos seus discípulos para fortalecê-los
na fé e na amizade que lhe dedicam, e para continuar a explicar-lhes a
grande missão que os espera. Mas os discípulos não o reconheceram.
Estão a uns duzentos côvados, a uns cem metros. Dessa distância, no
lusco-fusco, não se distinguem bem os traços de um homem, mas pode-se
ouvi-lo se levantar a voz.
Tendes alguma coisa que comer?, pergunta-lhes o Senhor. Não, responderam-lhe. Disse-lhes ele: Lançai a rede à direita da barca e achareis. E Pedro obedece. Lançaram-na, pois, e já não podiam arrastá-la por causa da grande quantidade de peixes. João confirma a certeza interior de Pedro. Inclinando-se para ele, diz-lhe: É o Senhor! Pedro, que se contivera até aquele momento, salta como que impelido por uma mola. Não espera que as barcas cheguem à praia.
Na ausência de Cristo, tinham trabalhado inutilmente
em plena noite, por conta própria; tinham perdido o tempo. Pela manhã,
já com luz, quando Jesus está presente, quando é Ele que ilumina com a
sua palavra, quando é Ele que orienta a faina, as redes chegam à margem
cheias de peixes.
Acontece o mesmo em cada um dos nossos dias. Na
ausência de Cristo, o dia se faz noite; e o trabalho, estéril: não passa
de mais uma noite, de uma noite vazia na vida. Para obtermos frutos,
não bastam os nossos esforços; necessitamos de Deus. Ao lado de Cristo,
quando o temos presente, os nossos dias enriquecem-se. A dor e a doença
convertem-se num tesouro que perdura além da morte; e a convivência com
os que nos rodeiam torna-se um mundo de possibilidades de fazer o bem.
O drama de um cristão começa quando deixa de ver
Cristo na sua vida; quando a tibieza, o pecado ou a soberba nublam o seu
horizonte; quando faz as coisas como se Jesus não estivesse a seu lado,
como se Ele não tivesse ressuscitado. Devemos pedir muito à Virgem que
nos ajude a reconhecer o seu Filho no meio dos acontecimentos da vida;
que possamos dizer muitas vezes: É o Senhor!
II. QUANDO TOMARAM TERRA, viram umas brasas preparadas, com um peixe posto em cima e pão. Jesus disse-lhes: Trazei
alguns dos peixes que acabais de apanhar. Subiu Simão Pedro e puxou a
rede para terra, cheia de cento e cinqüenta e três peixes grandes.
Apesar de serem tantos, a rede não se tinha rompido.
Os Santos Padres detêm-se com freqüência neste
episódio e comentam-no assim: a barca representa a Igreja, simbolizada
na sua unidade pela rede que não se rompe; o mar é o mundo; Pedro, na
barca, simboliza a suprema autoridade da Igreja; o número de peixes é
uma referência aos que são chamados4. Nós, como os Apóstolos, somos os pescadores que devem levar as pessoas a Cristo, porque as almas são de Deus5.
“Por que o Senhor contou com tantos pescadores entre
os seus Apóstolos? Que qualidades viu neles? Penso que havia uma coisa
que Ele apreciou particularmente naqueles que viriam a ser os seus
enviados: uma paciência inquebrantável [...]. Tinham trabalhado toda a
noite, e nada haviam pescado; muitas horas de espera, em que as luzes
cinzentas da aurora lhes trariam o prêmio, e não tinha havido prêmio
nenhum [...].
“Quanto a Igreja de Cristo não esperou através dos
séculos [...], oferecendo pacientemente o seu convite e deixando que a
graça completasse a sua obra! [...] Que importância tem se num lugar ou
noutro trabalhou duramente e recolheu muito pouco para o seu Mestre?
Apoiada na sua palavra, apesar de tudo, voltará a lançar as redes, até
que a graça divina, cuja eficácia ultrapassa o poder do esforço humano,
lhe traga uma nova pesca”6. Sem
sabermos quando nem como, todo o nosso esforço apostólico acabará por
dar o seu fruto, ainda que muitas vezes nós não o vejamos. O Senhor pede
aos cristãos a paciente espera dos pescadores. Devemos ser constantes
no apostolado pessoal com os nossos amigos e conhecidos, não
abandoná-los nunca, não deixar ninguém de lado por parecer-nos
impossível que nos escutem.
A paciência é parte principal da virtude da fortaleza e
leva-nos a saber esperar quando a situação o requer, a empregar mais
meios humanos e sobrenaturais, a recomeçar muitas vezes, a contar com os
nossos defeitos e com os das pessoas que queremos levar para Deus. “A
fé é um requisito imprescindível no apostolado, que muitas vezes se
manifesta na constância em falar de Deus, ainda que os frutos demorem a
vir.
“Se perseverarmos, se insistirmos, bem convencidos de
que o Senhor assim o quer, também à tua volta, por toda a parte, se irão
notando sinais de uma revolução cristã: uns haverão de entregar-se,
outros tomarão a sério a sua vida interior, e outros – os mais fracos –
ficarão pelo menos alertados”7.
III. JESUS CHAMOU OS APÓSTOLOS apesar de conhecer os seus defeitos. Depois de ter comido com eles naquela manhã, diz a Pedro: Simão, filho de João, amas-me mais do que estes? Apascenta os meus cordeiros... Apascenta as minhas ovelhas8.
Conta com eles para fundar a sua Igreja: dá-lhes o poder de realizar em
seu nome o Sacrifício do altar e o de perdoar os pecados, torna-os
depositários da sua doutrina e dos seus ensinamentos... Confia neles e
forma-os com paciência; conta com o tempo para torná-los idôneos para a
missão que irão desempenhar.
O Senhor também previu os momentos e o modo de nos
santificar a cada um, respeitando o ritmo da nossa correspondência
pessoal. Cabe-nos ser bons canais da graça do Senhor, facilitar a ação
do Espírito Santo nos nossos amigos, parentes, conhecidos, colegas... Se
o Senhor não se cansa de nos ajudar, como podemos nós desanimar, se
somos simples instrumentos? Se a mão do carpinteiro continua a trabalhar
com afinco sobre a madeira, como pode ser rebelde na sua tarefa a
plaina que lhe serve de instrumento?
O caminho que conduz ao Céu não é curto. E Deus não
costuma conceder graças que permitam alcançar a santidade de modo
instantâneo e definitivo. Normalmente, os nossos amigos aproximar-se-ão
do Senhor pouco a pouco. Oferecerão resistência, por força muitas vezes
do pecado original – que deixou as suas seqüelas na natureza humana –,
bem como dos pecados pessoais. Cabe-nos facilitar a ação de Deus nessas
almas, com a nossa oração e o nosso sacrifício, com o nosso afeto, com o
exemplo e a palavra oportuna...
E se demoram em corresponder à graça, isso significa
que devemos multiplicar as manifestações de amizade, tornar mais sólida a
base humana sobre a qual se apóia a ação apostólica. O trato cordial
com quem parece não querer comprometer-se a dar o passo que pode
aproximá-lo de Cristo é sinal, da nossa parte, de amizade verdadeira e
de pureza de intenção, isto é, de que só queremos verdadeiramente que
Deus tenha muitos amigos na terra, e de que só desejamos o bem desses
nossos amigos.
A cena descrita pelo Evangelho de hoje mostra-nos como
o Senhor era amigo dos seus discípulos e lhes dedicava todo o tempo
necessário: inicia o diálogo com eles perguntando-lhes se têm alguma
coisa que comer, depois prepara-lhes uma pequena refeição nas margens do
lago, a seguir retira-se com Pedro, enquanto João os segue, e diz-lhe
que continua a confiar nele. Não nos pode surpreender que uns amigos,
assim tratados pelo Amigo, dêem depois a sua vida até o martírio por Ele
e pela salvação do mundo.
Peçamos a Santa Maria que nos ajude a imitar Jesus, de
tal modo que, no nosso relacionamento, não sejamos “apenas um elemento
passivo. Tens de converter-te em verdadeiro amigo dos teus amigos:
«ajudá-los». Primeiro com o exemplo da tua conduta. E depois com o teu
conselho e com o ascendente que a intimidade dá”9.
____________________________________________
(1) At 4, 12; Primeira leitura da Missa da sexta-feira do Tempo Pascal; (2) cfr. Mt 28, 7; (3) Jo 21, 2 e segs.; (4) cfr. Santo Agostinho, Comentários sobre São João; (5) cfr. Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 267; (6) R. A. Knox, Sermão pregado na festividade de São Pedro e São Paulo, 29-VI-1947; (7) Josemaría Escrivá, Sulco, n. 207; (8) Jo 21, 15-17; (9) Josemaría Escrivá, Sulco, n. 731.
Nenhum comentário:
Postar um comentário