Solenidade de todos os Santos
TER UM CORAÇÃO DE POBRE ... Bem- Aventurado que o tem
Eram quatro
casais amigos à volta da mesma mesa. Os copos estavam bem cheios e os
pratos bem guarnecidos. No meio da refeição, a conversa centra-se nos
acontecimentos da atualidade: fala-se dos estrangeiros e imigrantes. O
debate aquece e cada um proclama o slogan tantas vezes repetido, o
cliché veiculado pelos media… Todos parecem em uníssono.
Entretanto, um dos convivas, que estava em silêncio há alguns minutos, abrindo a boca, disse: “Não
estou de acordo convosco e vou dizer-vos porquê. Para mim, todo o homem
é uma história sagrada, eu acredito nisso, deixai-me dizê-lo”. Imaginai o tempo de silêncio que se seguiu, enquanto os olhares e os garfos mergulharam nos pratos.
Naquela noite, ao
longo de uma refeição entre amigos, passou-se qualquer coisa que nos
faz ver o que é o Reino de Deus: um homem só ousava deixar a multidão
para dizer: “Não estou de acordo!” em nome da sua fé no homem e, no caso preciso, em nome da sua fé em Deus.
Não foi o que se
passou no cimo de uma montanha da Palestina, há 2000 anos, quando um
homem, Jesus de Nazaré, tendo diante de si os seus discípulos que tinham
deixado a multidão para O seguir, “abrindo a boca”, se pôs a instrui-los e lhes falou de felicidade, mas de modo nenhum como o mundo fala dela?!
São estes discípulos que ele declara “bem-aventurados”. São Lucas, no seu Evangelho, será ainda mais preciso, pois escreverá: “erguendo os olhos para os discípulos…” E que lhes disse Ele? “Bem-aventurados vós, os pobres de coração, porque vosso é o Reino de Deus!”.
Eis a força
contestatária de Jesus. E as outras seis bem-aventuranças aí estão para
ilustrar a primeira, a da pobreza do coração. Quanto à última, ela
aparece como a conclusão: “Sim, se vós viveis dessa vida, esperai ser
perseguidos, porque isso impedirá as pessoas de dormir; isso
inquietá-las-á, e como as pessoas não gostam de ser inquietadas, vós
sereis perseguidos”.
As
bem-aventuranças, se as queremos tomar a sério, e sobretudo vivê-las,
colocam-nos em situação de contestação e fazem-nos assumir riscos. Sim,
em certos momentos, fazem-nos dizer, e sobretudo viver, um “Não estou de acordo” em nome da nossa fé.
Porque é que Jesus declara “felizes”
os seus discípulos? Porque eles são pobres de coração, porque eles
estão libertos de tudo o que poderia entravar a sua liberdade. Com
efeito, a alegria é o fruto da liberdade.
Mas de que pobreza fala Jesus? Fala da pobreza que permite crer, esperar e amar.
O pobre é aquele que “tem crédito” em Deus.
“Ter crédito” ou dizer “credo”,
é a mesma coisa. Quando se fala de noivos, fala-se de duas pessoas que
confiam entre si, que se fiam uma na outra, que “têm crédito”. A
desconfiança torna a pessoa infeliz. Confiar é aceitar um certo
abandono: aquele que grita em direção a Deus no meio do seu sofrimento
ou da sua confusão é aquele que confia sempre em Deus.
O pobre é também aquele que espera.
O rico não pode
esperar, está plenamente satisfeito. O pobre, esse, está sempre virado
para um futuro que espera que seja melhor; depois, ele procura, porque
pensa nunca ter totalmente encontrado. A sua vida é uma procura e todos
os sinais que ele encontra enchem-no de alegria e fazem-no avançar. O
pobre é aquele que aceita ser criticado pela Palavra de Deus. Com
efeito, pôr-se em questão só é possível para aquele que espera tornar-se
melhor.
O pobre é aquele que ama.
Por não estar
plenamente satisfeito consigo mesmo, o pobre está disponível para servir
os seus irmãos. Não centrado em si próprio, abre os olhos e vê aqueles
que esperam os seus gestos de amor; ouve os gritos dos seus irmãos e
abre as suas mãos vazias para as estender àquele que tem necessidade. A
sua pobreza fá-lo receber e, ao mesmo tempo, dar o pouco que tem.
Jesus conhecia o
coração do homem, e soube reconhecer no coração dos seus discípulos esta
aspiração a crer, a esperar e a amar; é a razão pela qual ele os
escolheu e chamou.
As
bem-aventuranças vão, em tantas situações, contra a corrente, porque um
homem, um dia, ousou abrir a boca para dizer aos seus discípulos: “Sois
do mundo, e ao mesmo tempo não sois do mundo… Vós não sois do mundo do
cada um para si, do consumo, da violência, da vingança, do
comprometimento… E face a este mundo deveis dizer: não estou de acordo! É
certo que sereis perseguidos ou, pelo menos, rir-se-ão de vós, ou
procurarão fazer-vos calar. Sereis felizes, porque fareis ver onde está a
verdadeira felicidade. Chamar-vos-ão santos”.
Festejamos neste dia todos aqueles que tomam de tal modo a sério as bem-aventuranças que são hoje plenamente felizes.
Queremos experimentar ser já felizes? Basta-nos ter um coração de pobre.
Nenhum comentário:
Postar um comentário