32º
Domingo do Tempo Comum
Dia 10 de novembro de 2013
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“Ele
é Deus não de mortos, mas de vivos” (Lc 20-27-38)
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Leituras:
Segundo Livro de Macabeus 7, 1-2.9-14;
Salmo 16 (17);
Segunda Carta de São
Paulo aos Tessalonicenses 2, 16-3,5;
Lucas 20, 27-38.
COR LITÚRGICA: VERDE
Esta Eucaristia nos lembra que estamos neste mundo apenas de
passagem; e que somos chamados por Deus a participar da vida eterna, onde não
morremos mais e seremos filhos de Deus em Cristo Jesus, que nos
garantiu a ressurreição. Esta realidade nos enche de alegria e esperança, ao
mesmo tempo em que, nos incentiva a nos amarmos como irmãos, porque caminhamos
juntos para a plenitude da vida em Deus, nosso Pai.
1. Situando-nos
brevemente
Neste 32º domingo, somos convidados
a experimentar e a celebrar um dos dados fundamentais da fé cristã: a vida
eterna pela ressurreição da carne. Como batizados, inseridos na história e nas
atividades temporais, “esperamos a ressurreição dos mortos e a vida do mundo
que há de vir”. Vida em plenitude que começa neste mundo pela prática do amor
fiel a Deus e pela perseverança em Cristo Jesus, engajados na construção do
Reino.
Ainda no espírito da comemoração de
todos os fiéis defuntos (Dia de Finados) e, principalmente, da Festa de Todos
os Santos (domingo passado), peçamos que, nesta celebração eucarística, o
Espírito Santo solidifique em nós a esperança da ressurreição e da
imortalidade, pela vivência fiel da fé, concretizada pela prática da caridade
fraterna.
2.
Recordando a Palavra
A primeira leitura de hoje antecipa
o tema da ressurreição, proposto por Jesus no Evangelho. Escutamos esta célebre
e dramática narração, a qual ressalta a coragem de uma família judaica durante
as perseguições do rei grego Antíoco IV Epifânio, por volta do ano 167 a.C. Uma
mãe e seus sete filhos recusam-se decididamente a comer carne de porco,
proibida pela lei. Antes de violar a lei, enfrentam a morte, professando com
firmeza a fé na ressurreição dos mortos.
Por isso, cantamos no Salmo
Responsorial: “contemplai o teu rosto, ao despertar me saciarei com tua
presença (16/17), 15b)”. Cumpramos, pois, a justiça para, no fim, sermos
salvos. Felizes os que obedecem a estes preceitos; embora por breve tempo
padeçam no mundo, há de colher o incorruptível fruto da ressurreição. Não se
entristeça o cristão, se neste tempo suporta a miséria; espera-a um tempo feliz.
Tenhamos fé, irmãos e irmãs. “Suportamos
as lutas do Deus vivo e somos provados nesta vida para recebermos a coroa na
futura” (Da Homilia de um autor do século segundo. Segunda Leitura do Ofício
das Leituras do sábado da 32ª semana do Tempo Comum. LH. IV.P. 448).
Em Jerusalém, Jesus entra em
conflito com vários grupos representativos do povo judaico. O texto para este
domingo revela a conflituosidade de Jesus com os saduceus, classe aristocrática
dos sacerdotes. Eles constituíam um partido influente na época, composto pelos
chefes dos sacerdotes e pelos nobres anciãos da sociedade. Era a maioria do
Sinédrio. Detinham o poder político, econômico e religioso como fiéis
colaboradores do império romano que ocupava o país.
No interior da trama social do judaísmo,
eram os porta-vozes das grandes famílias ricas, que vivam e desfrutavam dos
copiosos donativos dos peregrinos e do produto dos sacrifícios oferecidos no
templo. Arraigados à lei de Moisés, representavam a velha sociedade excludente,
a quem Jesus critica com sua pregação.
Os saduceus negavam a ressurreição
dos mortos. Para eles a vida era um estágio no tempo. Tudo terminava nesta
vida. Como materialistas, mais do que elucidar a realidade da vida além da
morte, inventando um caso fictício de uma mulher, queriam ridicularizar o
ensinamento de Jesus sobre a vida eterna e seu prestigio junto do povo.
Os saduceus apresentam a Jesus uma
questão que até aprece uma anedota. Envolvia a lei judaica do levirato, ou
seja, do cunhado (cf. Dt 25, 5-10). “Mestre, Moisés deixou-nos escrito: ‘Se
alguém tiver um irmão casado e este morrer sem filhos, deve casar-se com a
mulher para dar descendência ao irmão’” (Lc 20,28).
A lei do levirato, implantada por
Esdras e seus sacerdotes e escribas, na época do pós-exílio, previa que toda mulher
casada que ficasse viúva sem filhos passasse a ser esposa de seu cunhado mais
velho e/ou do parente mais próximo, a fim de que o falecido pudesse dar à
esposa descendência. Mais do que descendência, a preocupação recaía sobre os
bens. Ocorre que a mulher era comprada da casa de seus pais e passava a ser
propriedade do marido ou da família deste. E se ela, como viúva, se casasse com
um homem fora da parentela do falecido, os bens investidos no casamento
passariam para outros.
Jesus, percebendo a malícia dos
interlocutores aristocratas e conservadores, não se atém à lei do levirato e
responde enfaticamente que, na outra vida, as realidade serão diferentes.
Casamento, descendência, bens e herança são preocupações e questões desta vida
e não da eternidade (v.33-34). Lá não haverá marido ou mulher nem herança para
ser discutida.
O futuro não será uma reprodução de
nossa sociedade. “Neste mundo, homens e mulheres casam-se, mas o que forem
julgados dignos de participar do mundo futuro [...] serão iguais aos anjos”
(v.34-36). Estes vivem a vida em outra dimensão, isto é, na plenitude. A
ressurreição não é um regresso à condição terrena, mas uma autêntica vida nova.
Aos saduceus que rejeitam a
ressurreição, Jesus mostra que ela se fundamenta na própria revelação de Deus
que se deu a conhecer como o “Deus não de mortos, mas de vivos, pois todos
vivem para ele” (v.38). Mostra que o Deus do Antigo Testamento, o Deus do Êxodo
(cf. Ex 3,1ss) é o Deus da vida, da libertação e da esperança. Não é um Deus
que vai em busca de coisas mortas. Ele quer a vida e é na vida e no tempo que
ele se comunica e se deixa encontrar.
Continuando a leitura da 2ª Carta
aos Tessalonicenses, depois da parte dedicada à catequese sobre a vinda do dia
do Senhor, encontramos uma série de exortação de Paulo, introduzidas por uma
oração. O Apóstolo propõe como meta a “consolação eterna” e saliente que,
através da virtude do amor e do empenho da comunidade, lá chegaremos um dia.
Apesar das dificuldades Paulo apóia-se na fidelidade do Senhor, que nos
confirma e guarda do maligno.
3.
Atualizando a Palavra
O ser humano convive com a vida e a
morte. Duas realidades que fazem parte da experiência humana. A morte e a vida
além da morte sempre fizeram parte das preocupações humanas. A máxima aspiração
do ser humano é a imortalidade. Muitos pensam numa existência misteriosa depois
da morte. Acredita-se comumente que, depois da morte, a vida humana continua de
forma espiritual. Inúmeras são as explicações.
A esperança e a fé na vida após a
morte manifestam-se e são ritualizadas de muitas formas nos diferentes povos e
culturas. Há quem, na linha do pensamento dos saduceus, imagine a vida eterna
simplesmente como prolongamento da existência terrena. O céu seria uma
transposição harmoniosa e brilhante das coisas maravilhosas experimentadas
neste mundo, ou seja, uma reprodução melhorada e ampliada ao infinito da vida
terrestre.
O problema de fundo dos saduceus
não está ultrapassado nos dias de hoje. Muitos cristãos conservam uma visão
distorcida da ressurreição, imaginando-a como um retomar da vida terrena. O
desejo mais comumente expresso a este respeito é a possibilidade de reencontrar
novamente os seus entes queridos. Parece que cada pessoa tem como interesse
principal o de reconstruir a sua família terrena, num cantinho do céu, o resto
interessa pouco.
Com a nossa fantasia podemos bem
pouco, e acreditando muito pouco no poder de Deus, preferindo ficar agarrados
àquele pouco que conhecemos e contentamo-nos em projetá-lo para depois da
morte, esperando voltar a possuí-lo como era antes (Lecionáro comentado (II
Volume). Giuseppe Casarin (org). São Paulo, Paulus, 2010, pág., 755).
A existência humana é uma
experiência de morte e de vida. O nascimento já é uma morte. Saindo do ventre
materno, a criatura morre para aquele mundo seguro, protegido, mas que, ao
mesmo tempo, expulsa a vida. A criança, ao passar da infância para a
adolescência e desta para a juventude e para a vida, repete a experiência da
morte, se não quiser se enclausurar em sua imaturidade.
Morte e ressurreição significam
passagem, transformação de uma maneira de ser para outra melhor. A morte é, na
maioria das vezes uma realidade traumática. Ela é algo que interrompe a vida,
os projetos, os sonhos de uma pessoa e afeta as relações familiares e sociais.
A morte coexiste com a vida e consiste num dos grandes mistérios que o ser
humano não consegue desvendar.
A morte faz refletir sobre a vida.
Do ponto de vista da fé cristã, o ser humano não é um ser para a morte, mas
para vida. Viver autenticamente consiste em valorizar a vida como dom, como
graça. A existência inautêntica é a banalização da vida, desvalorizada, sem
sentido, legada ao vazio existencial. É precisamente a fé na vida eterna que dá
valor, profundidade e luz ao sentido da vida presente.
A ressurreição constitui o núcleo
central da Boa-Nova de Jesus Cristo. Ela abre para os cristãos uma perspectiva
de futuro, de esperança. Na própria morte e ressurreição de Jesus, brilhou para
os cristãos a esperança da feliz ressurreição. Aos que a certeza da morte
entristece, a promessa da imortalidade consola (cf. Prefácio dos fiéis defuntos
I). O centro da nossa ressurreição não somos nós, mas Cristo. Não se trata de
uma realidade automática e independente de Cristo. Ele é o centro, a causa e
objetivo de tudo.
Jesus revela que a vida além-morte é
diferente das instituições temporais. “Serão iguais aos anjos”. (Lc 20,36).
Contudo, ninguém sabe como são os anjos. Pode-se intuir que a vida “noutro
mundo” estará consagrada ao louvor e à ação de graças, em plena comunhão com
Deus e entre os justos (cf. Ap 7,1s), mergulhados na intimidade dos “filhos de
Deus, porque ressuscitaram”. (Lc 20,36).
A vida dos ressuscitados é
totalmente diferente da vida neste mundo. É vida livre das limitações da vida
eterna. Obviamente, isso não significa que, para a eternidade, a vida presente
não conte. Pelo contrário, o que foi semeado e cultivado nesta terra, no
sentido do amor autêntico, da amizade da fraternidade, da justiça, nada
desaparecerá. Tudo encontrará plenitude e máxima realização.
A profissão de fé cristã culmina na
proclamação da ressurreição dos mortos no fim dos tempos e na vida eterna. Crer
na ressurreição dos mortos foi, desde o início, um elemento essencial da fé
cristã (cf 1Cor 15,12-14). Todavia, a fé cristã na ressurreição dos mortos,
desde os primórdios, encontrou incompreensões e oposições (cf. At, 17,32).
O Catecismo da Igreja Católica
afirma que a fé na ressurreição baseia-se na fé em Deus, que “é Deus não de
mortos, mas de vivos” (Mc 12,27). A ressurreição dos mortos foi revelada
progressivamente por Deus a seu povo. A esperança na ressurreição corporal dos
mortos foi sendo assumida como uma conseqüência intrínseca da fé em um Deus
criador do homem inteiro, alma e corpo.
O Criador do céu e da terra é
também aquele que mantém fielmente sua aliança com Abraão e sua descendência. É
nesta dupla perspectiva que começará a se exprimir a fé na ressurreição. Nas
provações, os mártires macabeus confessaram: “É melhor para nós, entregues à
morte pelos homens, esperar, da parte de Deus, que seremos ressuscitados por
Ele”. (2Mc 7,14) (cf CIgC, n.992).
A fé cristã abre-nos o horizonte da
crença na vida nova, de modo que a morte não é o fim de tudo nem um abismo
instransponível, mas a passagem para um novo modo de ser em Deus. Unidos a
Cristo pelo Batismo, os crentes já participam realmente na vida celeste de
Cristo ressuscitado (cf. Fl 3,20). O Apóstolo Paulo afirma: “se já morremos com
Cristo, cremos que também viveremos com Ele” (Rm 6,8). “Quando Cristo, vossa
vida, se manifestar, então vós também sereis manifestados com ele, cheios de
glória” (Cl 3,4).
A profissão de fé na ressurreição
deve transformar-se me realidade operativa pela vivência cotidiana da
ressurreição. Há quem compreenda a ressurreição como algo distante, como algo
do futuro, esquecendo-se das experiências de ressurreição no dia a dia. A
ressurreição é a plenitude de um processo de vida. Ela começa a partir do nosso
nascimento, com as nossas atitudes que geram vida.
As atitudes de bondade, de
acolhimento e de amor ao próximo, de empenho na luta por vida digna e por
relações de fraternidade, de justiça e de paz evidenciam a ressurreição como
proposta de realização na vida humana. “Sabemos que passamos da morte para a
vida, porque amamos os irmãos. Quem não ama permanece na morte” (1Jo 3,14).
A partir do testemunho e das ações
concretas daqueles que amam os semelhantes em vez de odiá-los, dos que libertam
em vez de oprimi-los e explorá-los, compreenderemos e vivenciaremos a grande
ressurreição em Jesus Cristo. À luz da própria ressurreição de Jesus Cristo
compreenderemos e vivenciaremos a grande ressurreição em Jesus Cristo. À luz da
própria ressurreição de Jesus Cristo compreenderemos a nossa experiência de
ressurreição, em que nos tornamos definitivos na plenitude da liberdade e do
conhecimento, porque passamos a ver a realidade com o olhar de Deus.
Enfim, os que mergulham nas águas
da morte emergem para a ressurreição em Cristo (cf. Rm 6, 4-11), carregam em si
o germe da eternidade. É um ser para a vida nova em Deus mediante uma morte e
uma ressurreição diárias e contínuas, pela prática do amor a Deus a o próximo
até alcançar a meta da libertação final e a vida em plenitude.
4.
Ligando a Palavra com ação litúrgica
O Deus da vida tem a última palavra
e não a morte: “por vossa ordem, nós nascemos; por vossa vontade, somos
governados; e, por vossa sentença, retornamos à terra por causa do pecado. Mas,
salvos pela morte de vosso Filho, ao vosso chamado, despertamos para a
ressurreição” (Prefácio dos fiéis defuntos, IV> Missal p.465).
A vida nova brota do sofrimento, da
cruz. Quanta gente, no dia a dia da vida, é provada na fidelidade de sua fé.
Passa por vexames, calúnias e incompreensões, experimenta situações de
violência e morte e, assim mesmo, encontra forças para prosseguir na caminhada,
confiante na aurora de um novo dia. A Eucaristia possui um dinamismo tal que
alimenta a perseverança dessa gente fiel.
A Eucaristia como memorial do
sacrifício de Jesus, nos revela o sentido salvífico da cruz cotidiana e nos
abre ao mistério da ressurreição que renova a história e o universo.
Celebrando a Eucaristia, bendizemos
ao Pai que ressuscitou seu Filho Jesus e nos tornamos participantes de sua
vitória sobre a morte. Reunidos ao redor da mesa eucarística, comemos o pão
partilhado e bebemos o vinho, sangue derramado, como convivas, na esperança de
um dia participar para sempre na festa do Reino.
Na Eucaristia, memorial da Páscoa
do Cristo, cantamos antecipadamente a vitória de todos os que lutam
perseverantes ela vida, chegando ao martírio, porque a morte não tem a última
palavra na existência temporal. Que nossa participação na Eucaristia fortaleça
nossa caminhada e nos conserve unidos no amor, sobretudo nos momentos de
provação, em que somos exigidos em nosso testemunho de fé.
A Eucaristia nos torna “testemunha
da sua ressurreição” (At 1,22). Quem come e bebe com Ele torna-se testemunha de
sua ressurreição dentre os mortos (At 10,41). É por isso que podemos aclamar
confiantes: “Todas as vezes que comemos deste pão e bebemos deste cálice,
anunciamos, Senhor, a vossa morte, enquanto esperamos a vossa vinda!”
(Aclamação anamnética da Oração Eucarística II).
Ao celebrarmos o memorial da nossa
salvação, se fortalece em nós a esperança da ressurreição da carne juntamente
com a possibilidade de encontrarmos de novo, face a face, aqueles que nos
precederam na fé (cf. Sacramentum Caritatis, n.32). A Eucaristia é penhor da
glória futura. Para nós, a Eucaristia é banquete que antecipa o verdadeiro banquete
da vida eterna.
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