Há certas
perguntas que nos espantam num primeiro momento por se apresentarem tão
evidentes. Perguntar sobre a ligação entre os sacramentos e a Igreja nos
parece mais ou menos pedir a razão pela qual alguém se queima ao
colocar a mão no fogo. Entretanto, é justamente pelo fato de serem
muitos os motivos desta relação, que convém organizar os argumentos,
pois muitas razões evidentes postas em desordem não são de grande valia.
Procuremos então analisar, através da história da salvação, o papel dos
sacramentos na vida da Igreja.
Rompimento com a graça Divina
Por um ato de misericórdia, Deus criou o
universo e tudo que nele contém, e como obra prima dentre as criaturas
visíveis, criou o homem à sua imagem e semelhança, a fim de que este
pudesse participar de sua própria vida, através da graça. Tragicamente
o homem quebrou a aliança estabelecida com Deus, e por meio do primeiro
pecado, todo o gênero humano ficou privado de sua graça e estava
condenado a não mais participar do fim para o qual Deus o havia criado.
Que grave e duro castigo infligido pela Justiça Divina ao pecado
cometido! Entretanto, quão doce e suave solução encontrada pela
Misericórdia Infinita do Criador, pois Ele enviou ao mundo o seu Filho
Unigênito, a fim de redimir todo o gênero humano, e é por isso que a
Igreja não hesita em cantar "O Felix Culpa, que há merecido a graça de
um tão grande Redentor".
Redenção do gênero humano
Tendo o homem sido infiel, perdeu o
maior dos tesouros que lhe fora confiado: a graça de Deus; não só as
portas do paraíso terrestre lhe foram fechadas, mas o céu já não podia
receber o homem fora do estado de graça. Entretanto, em sua Infinita
misericórdia "Deus amou tanto o mundo que lhe deu seu filho unigênito"
(Jo 3,16) e a todos que cressem no seu nome, deu o poder de se tornarem
filhos de Deus (cf. Jo 1, 12). Com a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo à
Terra, "a revelação de Deus entrou no tempo e na história, e [esta]
torna-se, assim, o lugar onde podemos constatar a ação de Deus em favor
da humanidade"[1].
A Santa Igreja continua a missão de Cristo
Ao se entregar como vítima para a
salvação dos homens, Nosso Senhor não só reparou a ofensa feita a Deus
através do pecado, mas mereceu para todos os homens a graça e de "sua
plenitude todos nós recebemos graça sobre graça" (Jo 1, 16).
Deus poderia distribuir sua graça aos
homens diretamente por Si mesmo; entretanto, quis dispensá-la por meio
da "Igreja visível, formada por homens, a fim de que por meio dela todos
fossem em certo modo, seus colaboradores na distribuição dos divinos
frutos da Redenção"[2] e a Igreja é desta forma a continuadora da obra
começada pelo Salvador.[3]
Igreja fortalecida pelos Sacramentos
A vida e os ensinamentos de Cristo
deitam luz sobre a existência do homem, e lhe é traçada uma meta que
pareceria um exagero se não fosse proposta pelo próprio Filho de Deus:
"Sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito" (Mt 5, 48). Como
atingir este alto objetivo sendo o homem tão frágil e volúvel?
Certamente seria difícil imaginar que os
pais dissessem a um filho recém-nascido: "Nós demos a vida a você, mas
não haverá alimento quando você tiver fome, nem remédios quando adoecer,
nem apoio de um braço quando você se sentir fraco. Portanto arranje-se
como puder".[4] Se os homens não são capazes de tratar assim a um filho,
sobretudo Deus não o faria. (Cf. Lc 11, 13)
Assim como o corpo humano necessita de
energias especiais para que se mantenha vivo, cresça e se desenvolva, "o
Salvador do gênero humano providenciou admiravelmente ao seu corpo
místico enriquecendo-o de sacramentos, que com uma série ininterrupta de
graças amparam o homem desde o berço até ao último suspiro"[5].
Os Sacramentos na vida pessoal e social
Os sacramentos estão presentes em toda
vida da Igreja, "existem por meio dela e para ela"[6], e segundo a
afirmação de Santo Agostinho, "são esses sacramentos que fazem a
Igreja".[7]
Às necessidades espirituais, Cristo
instituiu os sacramentos do batismo, crisma, eucaristia, penitência e
unção dos enfermos, afim de que o homem pudesse alcançar, recuperar, e
aumentar a graça de Deus ao longo de sua vida. Assim, aos que nasceram
para esta vida mortal, lhes é infundido a verdadeira vida da graça
através do batismo, pelo qual são feitos membros da Igreja, e ao serem
assinalados com o caráter batismal, passam a ter o direito de receber
todos os outros dons sagrados. Com a crisma, o cristão passa a ser um
verdadeiro soldado da Santa Igreja, recebendo as forças necessárias para
proclamar e defender sua fé. Pelo sacramento da penitência, a Igreja
oferece a seus filhos o perdão de suas faltas e um novo vigor em sua
marcha rumo ao céu. Pela Sagrada Eucaristia, "fonte e ápice de toda a
vida cristã"[8], os fiéis não somente são alimentados e fortificados,
mas manifestam a unidade de todos entre si constituindo um só corpo
unido a Cristo, sua Cabeça. Por fim, pela Unção dos enfermos, a Santa
Igreja ampara e consola os doentes, concedendo às almas feridas o
remédio sobrenatural, que lhes abrirá a porta do céu, onde poderão gozar
da divina bem-aventurança por toda a eternidade.[9]
Às necessidades sociais, foi dado o
matrimônio, afim de prover o "aumento externo e bem ordenado da
sociedade cristã"[10]constituindo a família como uma igreja doméstica,
afim de que pela palavra e pelo bom exemplo, os pais possam ser
verdadeiros e dignos reflexos de Deus para os próprios filhos[11]. Por
fim, pelo sacramento da Ordem, Cristo provê a Igreja de pastores que
cuidem do rebanho, sustentando-o com o Pão dos Anjos e com o alimento da
doutrina, dirigindo-o com os conselhos, e fortalecendo-o de todas as
formas com as graças celestes, especialmente através da distribuição dos
sacramentos[12].
A Igreja se torna unida e elevada pelos sacramentos
Através deste circuito de graças
estabelecido pelos sacramentos que são ministrados a cada individuo,
toda a Igreja se eleva tornando-se mais santa e unida, vivendo em
harmonia no mesmo espírito e no mesmo sentimento (Cf . ICor 1, 10). É
através desta união entre os católicos realizada pelos sacramentos que
nasce nas almas a caridade fraterna que tanto caracteriza aqueles que
querem ser seguidores de Cristo como Ele mesmo indicou: "Nisto
conhecerão todos que soismeus discípulos, se vos amardes uns aos
outros"(Jo 13,35). Este laço entre os membros da Igreja será tanto mais
estreito, quanto maior for a frequência aos sacramentos, através dos
quais, podem participar da graça e da caridade que lhes comunica a vida
sobrenatural e divina.
Quantos sentimentos de amor e de júbilo
não deveriam despertar em nosso coração este pensamento: Sou membro da
Igreja; sou membro de Jesus Cristo! Que amor por todos os Cristãos isso
deveria produzir em nós, já que todos estes cristãos são meus irmãos e
todos não fazemos mais do que um em Cristo! Que alegria ao pensar que ao
me santificar e trabalhar para a santificação dos outros, contribuo
para aumentar a beleza da Santa Igreja. Nada do que diz respeito a ela
pode deixar-me indiferente: entristece-me vê-la perseguida e rejubila-me
vê-la exaltada e glorificada. Ao participar da vida da graça trazida
com os sacramentos, já não sou uma frágil gota d'água isolada, mas faço
parte da força deste grande oceano que é a Santa Igreja de Cristo.[13]
Influência da Igreja e dos Sacramentos na história da civilização
Quais os benefícios dos sacramentos para
a sociedade? Segundo o Professor Plinio Corrêa de Oliveira, "a religião
conseguiu trazer ao mundo, com seus sacramentos, com a graça de que é
veículo, e com o admirável apostoladohierárquico
da Igreja, uma continuidade de ação santificadora que tem sido a coluna
da civilização".[14] A ordem e a paz que houve na civilização católica
são fruto dessas graças, as quais tiveram como veículo infalível, os
sacramentos da Santa Igreja. Assim, a civilização Cristã é a civilização
dos sacramentos.
Para os que desejam a salvação
A enorme expansão da verdadeira religião
por todo orbe terrestre e todas as maravilhas da civilização cristã
atestam a superabundância de graças que vigorou no mundo após Nosso
Senhor Jesus Cristo ter fundado a Igreja Católica. A ordem social
inerente à comunidade dos batizados só foi possível mediante a graça de
Deus produzida pelos sacramentos. Que grande misericórdia do Salvador ao
acompanhar seus filhos a cada instante de suas vidas através dos
sacramentos que Ele próprio instituíra, cumprindo desta forma a promessa
que deixara de estar com os homens até a consumação dos séculos (Cf. Mt
28,20).
Portanto, é na consideração deste desejo
de Deus em salvar a humanidade perdida pelo pecado, que o homem deve
encher-se de confiança e procurar acercar-se cada vez mais dos
sacramentos, verdadeiras maravilhas postas por Deus à disposição de
todos aqueles que desejam a salvação. (Anderson Fernandes Pereira)
****************
[1] Fides et Ratio: carta encíclica João Paulo II. Disponível em:. Acesso em 18 mar. 2009.(11)
[2] Carta encíclica Mystici Corporis do Papa Pio XII. 29/06/1943. n. 12.
[3] Cf. Carta encíclica Mystici Corporis do Papa Pio XII. 29/06/1943. n. 12.
[4] TRESE. Leo J. A fé explicada. Tradução de Isabel Perez. Quadrante. São Paulo. 1995. p. 263.
[5] Carta encíclica Mystici Corporis do Papa Pio XII. 29/06/1943. n. 18.
[6] Catecismo da Igreja Católica 1118
[7] Apud. Catecismo da Igreja Católica 1118
[8] Lumen Gentium, Constituição Dogmática sobre a Igreja. Concílio Vaticano II, 11.
[9] Cf. Carta encíclica Mystici Corporis do Papa Pio XII. 29/06/1943. n. 18.
[10] Carta encíclica Mystici Corporis do Papa Pio XII. 29/06/1943. n. 18.
[11] Cf. Lumen Gentium, Constituição Dogmática sobre a Igreja. Concílio Vaticano II, 11.
[12] Cf. Lumen Gentium. 11. Cf. Carta encíclica Mystici Corporis do Papa Pio XII. 29/06/1943. n. 18.
[13]Cf. CHAUTARD, J. B. A Alma de todo apostolado. São Paulo: FTD. 1962. p. 194-200.
[14] CORREA DE OLIVEIRA, Plinio. Opera Omnia. São Paulo: Retornarei, 2008. p. 432.
Nenhum comentário:
Postar um comentário