PÔR-SE A CAMINHO Pôr-se a caminho significa compreender a vida como um processo nunca terminado, como um projeto a ser sempre aperfeiçoado e ver-nos lançados para diante, projetados para frente pela força do Espírito. Viver a vida como processo e projeto supõe aprender a não viver em função de nossa necessidade de segurança, mas assumindo o risco da autenticidade e da verdade (Gn 12,1-9). Põe-se a caminho quem ouve a palavra do chamado do Senhor, como a ouviu em sua terra de Ur dos Caldeus o patriarca Abraão (cf. Gn 12,1); quem presta atenção ao coração, para conhecer as obras de Deus nele; quem procura agradar a Deus em tudo que faz e confessa humildemente que em cada coisa deseja manifestar-lhe o amor que tem por ele, como o apóstolo Pedro, junto ao Lago de Tiberíades: “Senhor, tu sabes tudo. Tu sabes que eu te amo” (Jo 21,17).
Caros filhos vivam em discernimento constante, em processo e em projeto. Vivam a caminho e em busca contínua, como peregrinos e estrangeiros. Em tempos de mudança, de obscuridade e de desorientação como os nossos, a busca humilde e perseverante é uma exigência da fidelidade criativa à vocação (VC 37). Sejam assíduos procuradores de Deus.
Deixaram tudo e o seguiram
A conseqüência lógica da busca e do encontro é o seguimento. Procuramos para encontrar e, uma vez encontrado Aquele que procuramos, somos chamados a segui-lo: “Segue-me” (Mc 2,14), “segui-me” (Mc 1,17). Mas o que implica o seguimento? Escutava em atendimento de formação um dos meus filhos que refletia comigo que quando fez o discernimento para o estado de celibato, para o sacerdócio talvez não se deu conta das exigências e das conseqüência de sua escolha que se dá no dia a dia do renovar de seu Sim diário e constante. Sim que verdade tremenda e então lembrei-me de nossas Constituições que nós diz: “Em que a sua vida é diferente por minha causa?” “Qual a influência que o Senhor realmente tem em nossas decisões?”
As exigências do seguimento
As exigências do seguimento de Cristo certamente são muitas. Seguir a Jesus nunca foi fácil e nem hoje o será. A quem quiser segui-lo, hoje como ontem, Jesus continua a pedir radicalidade. Radicalidade diante dos bens materiais: “vai, vende o que possuis, dá-o aos pobres... depois vem e segue-me” (Mt 19,28); “quem não renunciar a todos os seus bens, não pode ser meu discípulo” (Lc 14,33). Radicalidade consigo mesmo: “se alguém quiser me seguir, renuncie a si mesmo, tome cada dia sua cruz e me siga” (Lc 9,23).
Radicalidade diante do que mais se ama: “Se alguém vier a mim e não odeia seu pai, sua mãe, a mulher, os filhos, os irmãos, as irmãs e até a própria vida, não pode ser meu discípulo” (Lc 14,26). Jesus continua a exigir exclusividade: “deixa que os mortos sepultem seus mortos” (Mt 8,22). Continua a reclamar uma opção definitiva: “ninguém que põe a mão ao arado e volta para trás é apto para o reino de Deus” (Lc 9,62). Pois o chamado e o dom de Deus são irrevogáveis (cf. Rm 11,29); já que se fundamentam em seu amor forte e fiel para sempre (cf. Sl 118,2), a resposta do discípulo não pode ser de meio período. Não se prevê voltar para trás. O dom de si a Jesus só pode ser absoluto. Por fim, de quem quiser segui-lo, Jesus exige que entre pela porta estreita, porque é a única que leva à vida (cf. Mt 7,13s).
Ser discípulo é seguir a Jesus, suas pegadas, repetir seu caminho. Ao discípulo não é permitido fazer outro caminho. “As raposas têm suas tocas e as aves do céu, seus ninhos; mas o Filho do homem não tem onde repousar a cabeça” (Mt 8,20). Como o herói sai da tenda para percorrer o caminho (cf. Sl 19,6), assim pede-se que o discípulo deixe a toca, isto é, qualquer segurança, arrisque, vá além, se exponha às intempéries e ponha toda a sua confiança no Senhor. O discípulo deve renunciar também ao ninho: isto é, deve confrontar-se com a dureza do impacto da vida diária, com a agressividade da vida, inevitável quando alguém vive a radicalidade da consagração.
Dessa forma, o discípulo é chamado a criar um vazio total ao redor de si, a deixar secar as raízes que lhe dão segurança para deixar-se conquistar pelo Senhor e para que o Senhor seja tudo para ele: sua segurança, sua riqueza, seu bem, todo o bem, o único bem (LA 3). Se for verdade que alguém não nasce, mas se torna discípulo, podemos dizer também que o homem chega a ser discípulo somente quando abandona a toca e o ninho e confia totalmente no Senhor. É então que nasce como pessoa livre.
Tais exigências são incompatíveis com um seguimento condicionado, seja em nível de tempo – um seguimento de meio período: “ninguém que põe a mão ao arado e olha para trás é apto para o reino de Deus” (Lc 9,62) –, seja em relação à radicalidade do dom de si: “permita que eu vá sepultar meu pai”; “deixa que eu me despeça dos de casa” (Lc 9,59.61); “deixa que os mortos sepultem seus mortos” (Lc 9,60). Seguir a Jesus implica um desejo profundo de viver com ele, por ele e como ele para sempre, em toda circunstância e momento. Seguir a Jesus significa: partilhar seu caminho e seu destino, adotar os critérios nos quais ele se inspirou fazer próprios seus objetivos e colaborar ativamente em sua missão. Seguir a Jesus significa adesão de toda a pessoa ao único que tem palavras de vida eterna.
Não se pode seguir a Jesus somente em nível de sentimentos. Seguir a Jesus também não é apenas aceitar intelectualmente uma doutrina ou um ensinamento, mas escolher concretamente a Jesus: é uma vida, uma praxe. A vida do discípulo torna-se assim um autêntico risco. Um risco absoluto. O risco de uma pobreza existencial real, que obriga a confessar a si mesmo que sem o Deus do Evangelho não existe possibilidade de esperança.
Isso significa que no projeto de vida Alpha e Ômega não existe um lugar certo para o prazer terreno? Negar o lugar que compete ao prazer terreno em nossa vida seria totalmente contrário ao projeto evangélico de vida que vocês abraçaram. Sua opção de vida não é o simples vestíbulo da vida futura. A forma de vida que abraçamos pede-nos, antes, que demos um sentido de plenitude à nossa vida de cada dia. Como consagrados, caros filhos, somos chamados a procurar uma felicidade cuja raiz está em saber que pertencemos a Jesus e cujos primeiros resultados sejam encher de sol o dia terreno, sem procurar substitutivos, sem abandonar a “fonte de água viva”, para cavar “cisternas rachadas que não retêm a água” (Jr 2,13), mas também sem negar à vida a alegria cujo copo transborda em sua verdadeira fonte, seguir a Jesus no caminho que ele próprio traçou para seus discípulos: “Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia e me siga” (Lc 9,23). Sei muito bem que tudo isso não é fácil, pois exige um salto de qualidade na própria vida. Eu mesmo sinto na minha carne a tentação de retomar continuamente à segurança dada pela toca e pelo ninho; mas o salto é possível.
3ª Conferência do II Capítulo Geral Comunidade Alpha e Ômega
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