30° Domingo do Tempo Comum - Ano B
Ser discípulo de Jesus é aderir à sua pessoa, acolher
os seus valores, viver na obediência aos projetos do Pai.
Quero Ver...
A liturgia do 30° Domingo do Tempo Comum fala-nos da preocupação de
Deus em que o homem alcance a vida verdadeira e aponta o caminho que é preciso
seguir para atingir essa meta.
De acordo com a Palavra de Deus
que nos é proposta, o homem chega à vida plena, aderindo a Jesus e acolhendo a
proposta de salvação que Ele nos veio apresentar.
A primeira leitura afirma que, mesmo nos momentos mais dramáticos
da caminhada histórica de Israel, quando o Povo parecia privado definitivamente
de luz e de liberdade, Deus estava lá, preocupando-se em libertar o seu Povo e
em conduzi-lo pela mão, com amor de pai, ao encontro da liberdade e da vida
plena.
A segunda leitura apresenta Jesus como o sumo-sacerdote que o Pai
chamou e enviou ao mundo a fim de conduzir os homens à comunhão com Deus. Com
esta apresentação, o autor deste texto sugere, antes de mais, o amor de Deus
pelo seu Povo; e, em segundo lugar, pede aos crentes que "acreditem"
em Jesus - isto é, que escutem atentamente as propostas que Ele veio fazer, que
as acolham no coração e que as transformem em gestos concretos de vida.
No Evangelho, o catequista Marcos propõe-nos o caminho de Deus para
libertar o homem das trevas e para o fazer nascer para a luz. Como Bartimeu, o
cego, os crentes são convidados a acolher a proposta que Jesus lhes veio
trazer, a deixar decididamente a vida velha e a seguir Jesus no caminho do amor
e do dom da vida. Dessa forma, garante-nos Marcos, poderemos passar da
escravidão à liberdade, da morte à vida.
LEITURA 1- Jer 31,7-9
Jeremias, o profeta nascido em
Anatot por volta de 650 a.C.,
exerceu a sua missão profética desde 627/626 a.C., até depois da destruição de
Jerusalém pelos Babilônios (586
a.C.). O cenário da atividade do profeta é, em geral, o
reino de Judá (e, sobretudo, a cidade de Jerusalém).
A primeira fase da pregação de
Jeremias abrange parte do reinado de Josias. Este rei - preocupado em defender
a identidade política e religiosa do Povo de Deus - leva a cabo uma
impressionante reforma religiosa, destinada a banir do país os cultos aos deuses
estrangeiros. A mensagem de Jeremias, neste período, traduz-se num constante
apelo à conversão, à fidelidade a Jahwéh e à aliança.
No entanto, em 609 a.C., Josias é morto, em
combate contra os egípcios. Joaquim sucede-lhe no trono. A segunda fase da atividade
profética de Jeremias abrange o tempo de reinado de Joaquim (609-597 a.C.).
O reinado de Joaquim é um tempo
de desgraça e de pecado para o Povo, e de incompreensão e sofrimento para
Jeremias. Nesta fase, o profeta aparece a criticar as injustiças sociais (às
vezes fomentadas pelo próprio rei) e a infidelidade religiosa (traduzida,
sobretudo, na busca das alianças políticas: procurar a ajuda dos egípcios
significava não confiar em Deus e, em contrapartida, colocar a esperança do
Povo em exércitos estrangeiros). Jeremias está convencido de que Judá já
ultrapassou todas as medidas e que está iminente uma invasão babilônica que
castigará os pecados do Povo de Deus. É, sobretudo, isso que ele diz aos
habitantes de Jerusalém ... As previsões funestas de Jeremias concretizam-se:
em 597 a.C.,
Nabucodonosor invade Judá e deporta para a Babilônia uma parte da população de
Jerusalém.
No trono de Judá fica, então,
Sedecias (597-586 a.C.).
A terceira fase da missão profética de Jeremias desenrola-se, precisamente,
durante este reinado.
Após alguns anos de calma
submissão à Babilônia, Sedecias volta a experimentar a velha política das
alianças com o Egito. Jeremias não está de acordo que se confie em exércitos
estrangeiros mais do que em Jahwéh ... Mas, nem o rei, nem os notáveis prestam
qualquer atenção à opinião do profeta.
Em 587 a.C., Nabucodonosor põe
cerco a Jerusalém; no entanto, um exército egípcio vem em socorro de Judá e os babilônios
retiram-se. Nesse momento de euforia nacional, Jeremias aparece a anunciar o
recomeço do cerco e a destruição de Jerusalém (cf. Jer 32,2-5). Acusado de
traição, o profeta é encarcerado (cf. Jer 37,11- 16) e corre, inclusive, perigo
de vida (cf. Jer 38,11-13). Enquanto Jeremias continua a pregar a rendição,
Nabucodonosor apossa-se, de facto, de Jerusalém, destrói a cidade e deporta a
sua população para a Babilônia (586
a.C.).
É impossível dizer com segurança
o contexto em que apareceu essa mensagem que o texto que nos é hoje proposto
apresenta.
Para alguns comentadores, trata-se
de um oráculo que poderia situar-se na primeira fase da atividade profética de
Jeremias (reinado de Josias) e dirigir-se-ia aos israelitas do Reino do Norte.
Seria uma mensagem de esperança, destinada a animar esse povo que há cerca de
cem anos tinha perdido a independência e estava sob o domínio assírio.
Para outros, contudo, este texto
será da época de Sedecias, algures entre a primeira e a segunda deportação do
Povo para a Babilônia (597-586
a.C.). É a época em que Jeremias descobre
perspectivas teológicas novas e começa a refletir sobre um tempo novo que Deus
irá oferecer ao seu Povo: após a catástrofe, será possível recomeçar tudo, pois
Deus tem em mente fazer uma nova Aliança com Judá.
O texto que nos é proposto começa
com um convite à alegria e ao louvor (vers. 7). Porquê? Porque Jahwéh vai
reunir o seu Povo (disperso na Assíria? Na Babilônia?), vai conduzi-lo através
do deserto e vai fazê-lo retornar à sua pátria. Reunir, conduzir e fazer
retornar à pátria são os três verbos que, tradicionalmente, definem a ação de
Deus em favor do seu Povo, durante o Êxodo.
Depois da afirmação geral, o
profeta apresenta alguns pormenores deste Novo Êxodo. Da comitiva farão parte
"o cego e o coxo, a mulher grávida e a que deu à luz" (vers. 8b). O
cego e o coxo são figuras tradicionais ligadas ao tema do Êxodo (cf. Is 35,5),
onde relembram a situação de necessidade e de carência em que os exilados jazem
e, ao mesmo tempo, evocam a ação extraordinária de Deus no sentido de libertar
o seu Povo dessa carência e dessa necessidade. Na imagem da mulher grávida e na
da mulher que deu à luz, o profeta representa a dor e o sofrimento, mas também
a fecundidade, a alegria, a esperança num futuro novo e cheio de vida.
No último versículo do nosso
texto (vers. 9), Jahwéh apresenta-Se como um pai cheio de amor pelo seu
filho/Povo. Esse amor irá traduzir-se no final do Exílio e no regresso dos
exilados à sua terra "entre grande consolação", por "caminhos
direitos" e fáceis. No final desse Êxodo triunfal, Jahwéh vai oferecer ao
seu Povo vida abundante e fecunda ("conduzi-Ios-ei às torrentes de
água").
O texto dá conta da preocupação
de Deus com a vida, a felicidade e a realização plena do seu Povo. Mesmo nos
momentos mais dramáticos da caminhada histórica de Israel, quando o Povo
parecia privado definitivamente de luz e de liberdade (o "cego" e o
"coxo"), Deus estava lá, preocupando-se em libertar o seu Povo e em
conduzi-lo pela mão, com amor de pai, ao encontro da liberdade e da vida plena.
ATUALIZAÇÃO
• O que este texto nos diz, antes
de mais, é que o Deus em quem acreditamos não é um Deus insensível e alheado
das dores e dificuldades dos homens; mas é um Deus sensível e atento, que cuida
dos seus filhos com cuidados de pai. Ao longo do percurso que vamos percorrendo
pela história, também nós fazemos, como os antigos israelitas, a experiência da
escravidão, da dependência, do medo, do desespero, da decepção ... A Palavra de
Deus que hoje nos é servida garante-nos: não estamos sozinhos frente aos nossos
dramas e sofrimentos; Deus vai ao nosso lado e, com amor de pai, cuida de nós,
dá-nos a mão, conduz-nos ao encontro da vida eterna e verdadeira. A nós
resta-nos reconhecer a sua presença (às vezes tão discreta que nem a notamos)
e, com humildade e simplicidade, aceitar o seu amor.
• Na perspectiva do profeta, a ação
salvadora e libertadora de Deus estender-se-á a todos, inclusive aos
"cegos" e aos "coxos". Os "coxos" e os
"cegos representam, aqui, aqueles que estão numa situação de fragilidade,
de debilidade, de dependência e que são incapazes, por si sós, de deixar essa
condição. Também com esses - ou especialmente com esses - Deus quer caminhar.
Na verdade, Deus não marginaliza ninguém, nem coloca ninguém à margem da sua
proposta de salvação ... Os fracos, os débeis, os limitados, os marginalizados
ocupam um lugar especial no coração de Deus e são objeto privilegiado do seu
amor e da sua misericórdia. Na nossa sociedade, os pequenos, os pobres, os
doentes, os velhos, os estrangeiros sem papéis são, frequentemente,
marginalizados e ultrapassados pelo comboio da história. A sociedade edifica-se
sem eles ou, pelo menos, sem ter em conta as suas necessidades e carências...
Nós, os crentes, formados na escola de Deus, precisamos olhar para eles com o
mesmo olhar de Deus, descobrir que também eles são filhos queridos e amados de
Deus, denunciar as estruturas que os marginalizam, criar mecanismos de inclusão
e de integração. É preciso ver em cada homem ou mulher - no "coxo",
no "cego", no velho, no doente, no marginal - um irmão que Deus ama e
a quem quer oferecer, por nosso intermédio, a vida plena, a salvação
definitiva.
• Em todo o capítulo 31 do
profeta Jeremias (de onde é retirado o texto que nos é proposto), há um
impressionante apelo à esperança, à confiança em Deus. Por vezes, somos
tentados a olhar para a nossa vida e para a história do nosso mundo, com os
óculos do pessimismo, do medo e do desespero ... O terrorismo, os crimes
ambientais, as dificuldades econômicas, as doenças incuráveis, a fome, a
miséria, os valores efêmeros, parecem pintar de negro o nosso futuro e o futuro
do nosso planeta ... Contudo, a Palavra de Deus que hoje nos é proposta garante-nos:
não tenhais medo, pois Deus caminha convosco pela história e, como um pai cheio
de bondade que ensina o filho a caminhar, há-de conduzir-vos pela mão ao
encontro da vida verdadeira. Há, certamente, um futuro para nós, pois Deus ama-nos
e caminha conosco.
SALMO RESPONSORIAL - Salmo 125 (126)
Refrão 1: Grandes maravilhas fez
por nós o Senhor, por isso exultamos de alegria.
Refrão 1: O Senhor fez maravilhas
em favor do seu povo.
Quando o Senhor fez regressar os
cativos de Sião, parecia-nos viver um sonho.
Da nossa boca brotavam expressões
de alegria e dos nossos lábios cânticos de júbilo.
Diziam então os pagãos:
«O Senhor fez por eles grandes
coisas». Sim, grandes coisas fez por nós o Senhor, estamos exultantes de
alegria.
Fazei regressar, Senhor, os
nossos cativos, como as torrentes do deserto.
Os que semeiam em lágrimas
recolhem com alegria.
À ida vão a chorar, levando as
sementes; à volta vêm a cantar,
trazendo os molhos de espigas.
LEITURA 11- Heb 5,1-6
Continuamos, neste 30° Domingo do
Tempo Comum, a ler a Carta aos Hebreus - uma reflexão destinada a comunidades
cristãs em situação difícil, expostas a perigos vários e que, por isso mesmo,
estão numa situação de fragilidade, de cansaço e de desalento. O objetivo do
autor da Carta é ajudar esses cristãos a redescobrir o seu entusiasmo inicial,
a revitalizar o seu compromisso com Cristo e a empenhar-se numa fé mais
coerente e mais comprometida.
Nesse sentido, o autor desta
reflexão convida os crentes a apreciar o mistério de Cristo, o sacerdote por
excelência, que o Pai enviou ao mundo com a missão de convidar todos os homens
a integrar a comunidade do Povo sacerdotal. Uma vez comprometidos com Cristo,
os crentes - membros desse Povo sacerdotal - devem fazer da sua vida um
contínuo sacrifício de louvor, de entrega e de amor. Ao lembrar aos crentes o
seu compromisso com Cristo e com a comunidade do Povo sacerdotal, o autor
oferece aos cristãos a base para revitalizarem a sua experiência de fé,
enfraquecida pela hostilidade do ambiente, pela acomodação, pela monotonia.
O texto que nos é proposto está
incluído na segunda parte da Carta aos Hebreus (cf. Heb 3,1-5,10). Aí, o autor
apresenta Jesus como o sacerdote fiel e misericordioso que o Pai enviou ao
mundo para mudar os corações dos homens e para os aproximar de Deus. Aos
crentes pede-se que "acreditem" em Jesus - isto é, que escutem
atentamente as propostas que Cristo veio fazer, que as acolham no coração e que
as transformem em gestos concretos de vida.
No universo religioso judaico, o
sumo-sacerdote ocupava o lugar cimeiro na hierarquia do clero do Templo e, de
alguma forma, presidia à instituição sacerdotal. Era ele o único a entrar, uma
vez no ano, no lugar mais sagrado do Templo ("Debir" ou "Santo
dos Santos"), no solene "Dia das Expiações" ("Yom
Kippurim"), com o sangue de um animal imolado, para aspergir o
"propiciatório" ("kapporet") e conseguir o perdão de Deus
para os pecados do Povo. Dessa forma, o sumo-sacerdote tornava-se o
intermediário por excelência da relação entre os homens e Deus.
Para a mentalidade judaica, há
três elementos fundamentais ligados à figura do sumo-sacerdote. Em primeiro
lugar, ele é um escolhido de Deus: o sumo-sacerdote não é alguém que, por sua
iniciativa pessoal, se propõe para o cargo; mas é alguém a quem Deus chama e a
quem confia esta missão (foi Deus que, por sua iniciativa, chamou Aarão e toda
a sua descendência). Em segundo lugar, o sumo-sacerdote é um homem tomado de
entre os homens: a sua humanidade não o torna inapto para uma missão tão
sublime; pelo contrário, a fragilidade e debilidade que resultam da sua
humanidade tornam-no apto para compreender os erros e os pecados dos outros
homens por quem intercede. Em terceiro lugar, o sumo-sacerdote tem uma função
mediadora: a sua missão é "oferecer dons e sacrifícios pelos
pecados", apresentando diante de Deus o arrependimento dos homens e
trazendo aos homens o perdão de Deus; dessa forma, ele refaz a relação dos
homens com Deus.
Na perspectiva do autor da Carta
aos Hebreus, Jesus é o sumo-sacerdote por excelência. Em primeiro lugar, porque
Ele foi chamado e destinado por Deus a esta missão (apesar de não ser da
linhagem do sacerdote Aarão); o fato de ser Filho de Deus dá ao seu sacerdócio
uma categoria, uma dignidade e uma qualidade suprema, uma vez que o coloca em
contato pessoal e íntimo com o Pai, dando dessa forma
uma expressão mais completa a
essa mediação que Ele é chamado a realizar entre Deus e os homens.
Em segundo lugar, porque Ele foi
homem, também. Ao assumir a nossa humanidade, Ele experimentou a nossa
debilidade e fragilidade e tornou-Se capaz de entender as nossas fraquezas e os
nossos pecados e de Se tornar o nosso mediador e intercessor junto do Pai.
A sua proximidade e intimidade
com o Pai, por um lado, e a sua humanidade, por outro tornam-n'O, finalmente, o
perfeito mediador e intercessor, capaz de restabelecer definitivamente a
comunhão entre Deus e os homens. De fato, Ele veio ao nosso encontro,
mostrou-nos o amor do Pai, convidou-nos a eliminar o egoísmo e o pecado que nos
afastavam da comunhão com Deus, chamou-nos a integrar a família de Deus e
ensinou-nos o que fazer para sermos filhos de Deus.
ATUALIZAÇÃO
• Ao apresentar Jesus como o
sumo-sacerdote, chamado pelo Pai e enviado ao mundo para libertar os homens do
egoísmo e do pecado e para os conduzir à comunhão com Deus, o autor da Carta
aos Hebreus convida-nos (todos os textos que a liturgia deste domingo nos
propõe apontam no mesmo sentido) a contemplar a grandeza do amor que Deus nos dedica.
A contemplação da encarnação de Jesus e de tudo o que Ele realizou enquanto
percorreu os caminhos e aldeias da Palestina fala-nos de um amor sem limites,
expresso em gestos concretos e que culmina na entrega total, na cruz. A nós
resta-nos olhar para Jesus, escutá-I'O, aceitar a sua proposta, banir da nossa
vida o egoísmo e o pecado, segui-l'O nesse caminho do dom e da entrega que irá
levar-nos a integrar a família de Deus e a possuir a vida verdadeira.
• Para o autor do nosso texto, ao
assumir a nossa humanidade, Jesus experimentou a nossa fragilidade, a nossa
debilidade, a nossa dependência; tornou-Se, portanto, capaz de compreender os
nossos erros e falhas e de olhar para as nossas insuficiências com bondade e
misericórdia. Para a nossa vida concreta, há duas consequências que resultam
daqui... A primeira leva-nos à confiança e à esperança: junto de Deus nosso
Pai, temos um intercessor que entende as nossas dificuldades e que, apesar das
nossas falhas, continua apostado em integrar-nos na família de Deus. A segunda
leva-nos ao compromisso com os irmãos: a solidariedade de Cristo conosco
convida-nos à solidariedade com os pequenos, com os últimos, com os pobres, com
aqueles que o mundo rejeita e marginaliza; convida-nos a identificarmo-nos com
os sofrimentos e angústias, com as alegrias e esperanças de cada homem ou
mulher; convida-nos a fazer o que estiver ao nosso alcance para promover
aqueles que são humilhados, explorados, incompreendidos, colocados à margem da
vida ...
• Os planos de Deus para salvar e
libertar os homens concretizaram-se porque Cristo, o Filho, assumiu os projetos
do Pai e viveu sempre na obediência incondicional às propostas de Deus. Hoje,
os projetos de salvação e de libertação que Deus tem para os homens continuam a
concretizar-se através daqueles que aderiram a Jesus e querem, como Ele, viver
na estrita obediência aos planos de Deus. Sinto-me, como Jesus, testemunha da
salvação de Deus diante dos meus irmãos? ° meu egoísmo e a minha acomodação
alguma vez me desviaram do cumprimento dos projetos de Deus? Aqueles que eu
encontro, a cada passo, nos caminhos do mundo, têm encontrado em mim uma
proposta credível de vida e de libertação?
ALELUIA
- cf. 2 Tim 1,10
Aleluia. Aleluia.
Jesus Cristo, nosso Salvador,
destruiu a morte e fez brilhar a vida por meio do Evangelho.
EVANGELHO - Mc 10,46-52
O Evangelho deste domingo
propõe-nos a última etapa desse caminho (geográfico, mas também espiritual) que
Jesus iniciou com os discípulos na Galileia e que irá levá- 1'0 a Jerusalém, ao encontro da
paixão, morte e ressurreição. É a última cena de um percurso que não tem sido
fácil e no qual os discípulos, como cegos, se aferram às suas ideias e projetos
próprios, recusando-se a entender e a aceitar que o caminho do Reino deva
passar pela cruz e pelo dom da vida.
O episódio que hoje nos é
proposto situa-nos à saída da cidade de Jericó. Jericó, a "cidade das
Palmeiras", é um oásis situado na margem do rio Jordão, a norte do Mar
Morto, e que dista cerca de 30 quilômetros de Jerusalém. Na época de Jesus,
era uma cidade relativamente importante, onde Herodes, o Grande, tinha
edificado um luxuoso palácio de Inverno.
Além de Jesus, Marcos coloca no
centro da cena um mendigo cego com o nome de Bartimeu ("filho de
Timeu"). Este nome, meio aramaico ("bar") e meio grego
("timaios"), é um nome perfeitamente inusual no ambiente
hebraico-palestinense onde a história é situada (nunca aparece entre os cerca
de 2.000 nomes próprios que ocorrem no Antigo Testamento); aos leitores romanos
de Marcos, contudo, o nome devia evocar o "Timeo", um dos mais
conhecidos "diálogos" de Platão. Alguns autores pensam que, mais do
que um personagem histórico, o cego Bartimeu seria uma figura simbólica.
Os "cegos" faziam parte
do grupo dos excluídos da sociedade palestina de então. As deficiências físicas
eram consideradas - pela teologia oficial - como resultado do pecado. Segundo a
concepção da época, Deus castigava de acordo com a gravidade da culpa. A cegueira
era considerada o resultado de um pecado especialmente grave: uma doença que
impedisse o homem de estudar a Lei era considerada uma maldição de Deus por
excelência. Pela sua condição de impureza notória, os cegos eram impedidos de
servir de testemunhas no tribunal e de participar nas cerimônias religiosas no
Templo.
É natural que Jesus tenha
encontrado, quando saía de Jericó, um cego que mendigava junto da estrada... No
entanto, parece claro que, à volta desse acontecimento fundamental, Marcos
construiu uma catequese para os seus leitores. Quem é, na catequese de Marcos,
este "cego" que Jesus encontra ao longo do caminho, quando se dirige
para Jerusalém? Ele representa todos esses a quem a teologia oficial
considerava pecadores, malditos, impuros, marginais, longe de Deus e da sua
proposta de salvação.
O cego da nossa história está
sentado à beira do caminho, provavelmente a pedir esmola. O estar sentado
significa acomodação, instalação, conformismo. Ele está privado da luz e da
liberdade e está conformado com a sua triste situação, sabendo que, por si só,
é incapaz de sair dela. O pedir esmola (o texto refere explicitamente a sua
condição de mendigo - verso 46) indica a situação de escravidão e de
dependência em que o homem se encontra.
Contudo, a passagem de Jesus de
Nazaré dá ao cego a consciência da sua situação de miséria, de dependência, de
escravidão. Então, Bartimeu percebe o sem sentido da sua situação e sente a
vontade de apostar numa outra experiência. A passagem de Jesus na vida de
alguém é sempre um momento de tomada de consciência, de questionamento, de
desafio, que leva a pôr em causa a vida velha e a sentir o imperativo de ir
mais além ... No entanto, Bartimeu está consciente da sua debilidade e sente
que, sem a ajuda de Jesus, continuará envolvido pelas trevas da dependência, da
escravidão, da instalação ... Por isso, pede: "Jesus, filho de David, tem
misericórdia de mim" (vers. 47). O título "filho de David" é um
título messiânico. Portanto, Bartimeu vê em Jesus esse Messias libertador que,
segundo a mentalidade judaica, havia de vir não só para salvar Israel dos
opressores, mas também para dar vida em plenitude a cada membro do Povo de
Deus.
Antes de referir a intervenção de
Jesus, Marcos dá conta da reação dos que estão à volta de Jesus: repreendiam o
cego e queriam fazê-lo calar (vers. 48). Quando alguém encontra Jesus e resolve
deixar a vida antiga para aderir ao Reino que Jesus veio propor, encontra
sempre resistências (que vêm, por vezes, dos familiares, dos amigos, dos
colegas). Estes que repreendem e mandam calar o cego representam, portanto,
todos aqueles que colocam obstáculos a quem quer deixar a sua situação de
miséria e de escravidão para aderir à proposta libertadora que Cristo faz. No
entanto, a oposição não só não desarma o cego, como o leva a gritar ainda mais
forte: "filho de David, tem misericórdia de mim" ... A incompreensão
ou a oposição dos homens nunca fazem desistir aquele que viu Jesus passar e que
viu n'Ele uma proposta de vida e de liberdade.
Jesus parou e mandou chamar o
cego. A cena recorda-nos os relatos do chamamento dos discípulos (cf. Mc
1,16-20; 2,14; 3,13). Os mediadores que transmitem ao cego as palavras de Jesus
dizem-lhe: "coragem, levanta-te que Ele chama-te" (vers. 49). Ou seja:
deixa a tua situação de miséria, de escravidão e de dependência, porque Jesus
chama-te. O chamamento é sempre, nestes casos, a tornar-se discípulo, a seguir
Jesus no caminho do amor e do dom da vida.
Em resposta, o cego atirou fora a
capa, deu um salto e foi ter com Jesus (vers. 50). A capa podia estar colocada
debaixo do cego, como almofada, ou nos seus joelhos, para recolher as moedas
que lhe atiravam; em qualquer caso, a capa é tudo o que um mendigo possui, a
única coisa de que ele pode separar-se (outros deixaram o barco, as redes ou a
banca onde recolhiam impostos). O deitar fora a capa significa, portanto, o
deixar tudo o que se possui para ir ao encontro de Jesus. É um corte radical
com o passado, com a vida velha, com a anterior situação, com tudo aquilo em
que se apostou anteriormente, a fim de começar uma vida nova ao lado de Jesus.
Jesus perguntou ao cego:
"que queres que te faça?". É a mesma pergunta que, pouco antes, Jesus
fizera a João e Tiago (cf. Mc 10,36). A identidade da pergunta acentua,
contudo, a diferença da resposta ... Os dois irmãos queriam sentar-se ao lado
de Jesus e ver concretizados os seus sonhos de grandeza e de poder; o cego
Bartimeu, ao contrário, cansado de estar sentado numa vida de escravidão e de
cegueira, quer encontrar a luz para seguir Jesus (vers. 51).
Jesus responde a Bartimeu:
"vai, a tua fé te salvou" (vers. 52). A fé não é a simples adesão a
determinadas verdades abstratas, que o crente aceita acriticamente; mas, no
contexto neo-testamentário, a fé é a adesão a Jesus e à sua proposta de
salvação. Por isso, Marcos termina a sua história dizendo que o cego recuperou
a vista e seguiu Jesus - isto é, fez-se discípulo de Jesus. Ao aderir a Jesus e
à sua proposta de salvação, ao aceitar seguir Jesus no caminho do amor e do dom
da vida (Jesus prepara-Se para entrar em Jerusalém, onde vai fazer dom da sua
vida em favor dos homens), Bartimeu encontrou a salvação: deixou a vida da
escuridão, da escravidão, da dependência em que estava e nasceu para essa vida
verdadeira e eterna que, através de Jesus, Deus oferece aos homens.
O cego Bartimeu que encontráramos
a mendigar, sentado à beira do caminho, à saída de Jericó representava,
inicialmente, os pecadores que viviam longe de Deus e à margem da salvação.
Depois de encontrar Jesus, Bartimeu transforma-se e torna-se o protótipo do
verdadeiro discípulo ... Destinatário privilegiado da proposta de salvação que
Jesus traz, ele proclama sem hesitações a sua fé, invoca a ajuda e a
misericórdia de Jesus, acolhe sem hesitações o chamamento que lhe é feito,
liberta-se da vida velha e, com alegria, decisão e entusiasmo, aceita, sem
condições, seguir Jesus no caminho do amor e do dom da vida. É com Bartimeu que
os discípulos de Jesus são convidados a identificar-se.
ATUALIZAÇÃO
• A situação inicial do cego
Bartimeu (que jaz na escuridão, dependente, acomodado, conformado) evoca uma
realidade que conhecemos bem ... Evoca a condição do homem escravo, prisioneiro
do egoísmo, do orgulho, dos bens materiais, da preguiça, da vaidade, do êxito;
evoca a condição daquele que está acomodado na sua situação de miséria,
instalado nos seus preconceitos e projetos pessoais, conformado com uma vida de
horizontes limitados; evoca a condição daquele que se sente refém dos seus
vícios, hábitos e paixões e que sente a sua incapacidade em romper, por si só,
as cadeias que o impedem de ser livre... Esta situação será uma situação
insuperável, a que o homem está condenado de forma permanente?
• A Palavra de Deus que nos é
proposta garante-nos que a situação do homem cego, prisioneiro da escuridão,
não é uma situação incontornável, obrigatória, sem remédio ... Jesus veio ao
mundo, enviado pelo Pai, com uma proposta de libertação destinada a todos
aqueles que procuram a luz e a vida verdadeira. Esse Jesus de Nazaré que Se
cruzou com o cego à saída de Jericó continua a cruzar-Se hoje, de forma
continuada, com cada homem e com cada mulher nos caminhos da vida e
oferece-lhes, sem cessar, a proposta libertadora de Deus ... É preciso, no
entanto, que não nos fechemos no nosso egoísmo e na nossa auto-suficiência,
surdos e cegos aos apelos de Deus; é preciso que as nossas preocupações com os
valores efêmeros não nos distraiam do essencial; é preciso que aprendamos a
reconhecer os desafios de Deus nesses acontecimentos banais com que, tantas
vezes, Deus nos interpela e questiona ...
• O que é que implica aceitar a
proposta que Jesus faz? Fundamentalmente implica - como aconteceu com Bartimeu
- tornar-se discípulo ... Ser discípulo de Jesus é aderir à sua pessoa, acolher
os seus valores, viver na obediência aos projetos do Pai, fazer da vida um dom
de amor aos irmãos; é solidarizar-se com os pequenos, com os pobres, com os
perseguidos, com os marginalizados e lutar por um mundo onde todos sejam
acolhidos como filhos de Deus, iguais em direitos e em dignidade; é lutar
contra as estruturas que geram injustiça, opressão e morte; é ser testemunha,
com palavras e com gestos, da verdade, da justiça, da paz, da reconciliação.
Quem aceita seguir o caminho do discípulo escolhe viver na luz e está a
contribuir para a construção de um mundo novo.
• Quando reconhecemos o
"chamamento" de Deus, qual deve ser a nossa resposta?
Bartimeu, logo que ouviu dizer
que Jesus o chamava, atirou fora a sua capa e correu ao encontro de Jesus. O
gesto de Bartimeu representa, aqui, a renúncia imediata à vida antiga, ao
egoísmo, ao comodismo, à escravidão, aos comportamentos incompatíveis com a
adesão a Cristo e a esse caminho novo que Jesus o convida a percorrer. É isso,
também, que é pedido a todos aqueles a quem Jesus chama à vida nova ...
• Na história do encontro de
Bartimeu com Cristo, aparecem outros personagens, com papéis vários. Uns
constituem obstáculos à adesão de Bartimeu a Cristo; outros apresentam-se como
intermediários entre Cristo e Bartimeu e transmitem ao cego as palavras de
Jesus... Este facto serve para nos tornar conscientes do papel daqueles que nos
rodeiam no nosso caminho da fé ... Ao longo da nossa caminhada, encontraremos
sempre pessoas que nos ajudam a ir ao encontro de Cristo e pessoas que (muitas
vezes com ótimas intenções) tentam impedir-nos de encontrar Cristo. Precisamos
de aprender a discernir entre as várias opiniões que nos são propostas e a dar
a devida importância a quem nos ajuda a descobrir o caminho para a verdadeira
vida.
• Quem encontra Cristo e aceita o
desafio para viver como discípulo tem, a partir daí, um caminho fácil? De forma
nenhuma. Tem de abandonar a vida cômoda e instalada em que vivia e enfrentar
uma nova realidade, num desafio permanente, num questionamento constante; tem
de aprender a enfrentar as críticas, as incompreensões, os confrontos com
aqueles que não compreendem a sua opção; tem de percorrer, dia a dia, o difícil
caminho do amor, do serviço, da entrega, do dom da vida ... É preciso, no
entanto, que o discípulo esteja consciente de que o caminho de Jesus não é um
caminho que leva à morte, mas é um caminho que leva à ressurreição, à vida
verdadeira e eterna.
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