Que fazer quando não consigo acreditar?
O Novo Testamento fala quase tanto da dúvida como da fé. Os apóstolos
não estavam muito surpreendidos pela dificuldade em acreditar, pois
sabiam que ela estava predita pelos profetas. Paulo e João citam a
palavra de Isaías: «Senhor, quem acreditou na nossa mensagem?» (João
12,38 e Romanos 10,16). João acrescenta: «era o que Isaías tinha dito
ainda: ‘Cegou-lhes os olhos e embotou-lhes o espírito, a fim de não
verem com os olhos e não entenderem com o espírito’» (João 12, 39-40).
Os quatro Evangelhos fazem todos referência a esta passagem de Isaías 6.
A fé não é evidente.
O Evangelho de João mostra a fé no pano de fundo do seu oposto. Desde
o início Cristo é ignorado: «Veio ao que era seu e os seus não o
receberam» (João 1,10-11). É verdade que a certa altura, muitos seguiram
Jesus. Mas, rapidamente, a maioria deixa de acreditar nele: «Muitos dos
seus discípulos retiraram-se e já não andavam com ele» (João 6,66).
Jesus não tenta agarrá-los. Constata: «Por isso é que vos disse:
‘Ninguém pode vir a mim se não lhe for concedido por meu Pai’» (João
6,65).
Cristo não procurou suscitar a adesão através da persuasão, pois a fé
tem uma profundidade que ultrapassa a inteligência e as emoções.
Enraíza-se nessas profundidades onde «o abismo chama outro abismo»
(Salmo 42,8), onde o abismo da nossa condição humana toca no abismo de
Deus. «Ninguém pode vir a mim, se o Pai, que me enviou, o não atrair»
(João 6,44). A fé nasce inseparavelmente da actuação de Deus e da
vontade humana. Ninguém acredita se não quiser. Também ninguém acredita
sem que Deus o permita.
Se a fé é um dom de Deus e se nem todos acreditam, será que Deus
afasta alguns? Na passagem onde João cita Isaías sobre a impossibilidade
de crer, também transmite uma palavra de esperança de Jesus: «E eu,
quando for levantado da terra, atrairei todos a mim» (João 12,32).
Elevado sobre a cruz e elevado na glória de Deus, Cristo «atrai» como o
Pai «atrai». Como é que ele faz para atingir todos os seres humanos? É
impossível dizê-lo. Mas por que não havemos de confiar nele no que diz
respeito àquilo que nos ultrapassa?
Até à última
página, o Evangelho de João mostra a fragilidade da fé. A dúvida de Tomé
tornou-se proverbial. Mas o que é decisivo é que, sem acreditar,
permanece na comunidade dos crentes – e evidentemente, estes não o
expulsam! Tomé espera, o Ressuscitado mostra-se a ele, e ele acredita.
Depois Jesus diz: «Bem-aventurados os que, sem terem visto, acreditam!»
(João 20,29). A fé não é um feito.
Vem inesperadamente, ninguém sabe
como. É uma confiança que se espanta com ela própria.
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