«O Filho do Homem tem de sofrer muito [...], tem de ser morto e, ao
terceiro dia, ressuscitar»
S. Lucas 9,18-22.
Um dia,
Jesus orava sozinho, estando com Ele apenas os discípulos. Então
perguntou-lhes: «Quem dizem as multidões que Eu sou?»
Responderam-lhe:
«João Baptista; outros, Elias; outros, um dos antigos profetas ressuscitado.»
Disse-lhes Ele: «E vós, quem dizeis que Eu sou?» Pedro tomou a palavra e
respondeu: «O Messias de Deus.»
Ele proibiu-lhes formalmente de o
dizerem fosse a quem fosse;
e acrescentou: «O Filho do Homem tem de
sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e pelos
doutores da Lei, tem de ser morto e, ao terceiro dia, ressuscitar.»
Comentário :
«O Filho do Homem tem de sofrer muito [...], tem de ser morto e, ao
terceiro dia, ressuscitar»
Na minha ignorância, surpreendia-me que a profunda sabedoria de Deus não
tivesse impedido o início do pecado, porque se o tivesse feito, pensava eu,
tudo estaria bem. [...] Jesus respondeu-me: «O pecado é inelutável, mas tudo
acabará em bem, tudo acabará em bem, todas as coisas, quaisquer que sejam,
acabarão em bem».
Com esta pequena palavra «pecado», Nosso Senhor apresentou-me ao espírito tudo
o que não é bom: o desprezo ignóbil e as provações extremas que sofreu por nós
ao longo da Sua vida e na Sua morte; todos os sofrimentos e as dores,
corporais e espirituais, de todas as Suas criaturas. [...] Eu contemplei todos
os sofrimentos que existiram ou existirão, e compreendi que a Paixão de Cristo
era o maior, o mais doloroso de todos, e que a todos ultrapassa. [...] Mas não
vi o pecado. Sei, pela fé, que ele não tem substância nem qualquer espécie de
ser; só o poderemos reconhecer pelo sofrimento que causa. Percebi que este
sofrimento é temporário: ele purifica-nos, leva-nos a conhecer-nos a nós
mesmos e a gritar por misericórdia. A Paixão de Nosso Senhor fortifica-nos
contra o pecado e o sofrimento: esta é a Sua santa vontade. No Seu terno amor
por todos aqueles que serão salvos, Nosso Senhor reconforta-os pronta e
suavemente, como se lhes dissesse: «É verdade que o pecado é a causa de todas
estas dores, mas tudo acabará em bem: todas as coisas, quaisquer que sejam,
acabarão em bem». Ele disse-me estas palavras com grande ternura, sem a mínima
censura. [...]
Nestas palavras vi um mistério profundo e maravilhoso, oculto em Deus. Ele
desvendará e far-nos-á conhecer esse mistério plenamente no céu. Quando o
conhecermos, entenderemos por que razão permitiu a vinda do pecado a este
mundo. E ao ver isto, regozijar-nos-emos por toda a eternidade.
Juliana de Norwich (1342-depois de 1416), mística inglesa
Revelações do amor divino, cap. 27
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