O silêncio
representa uma das formas de linguagem mais significativas de que dispõe
o ser humano. Mais do que a fala ou a escrita, às vezes constitui um
fator predominante da comunicação. Porém, existem diferentes qualidades
de silêncio. Este, tanto quanto as palavras e os discursos, pode
simultaneamente revelar e esconder a verdade. Tanto o diálogo
verbalizado quanto a comunicação silenciosa podem ser enganosos.
De fato, há silêncios opacos e despidos de luz, e há silêncios
transparentes e cristalinos como a água da fonte. Convém deter-se em
algumas atitudes humanas em que o silêncio exerce funções distintas, não
raro contraditórias.
1. Tomemos, de início, o silêncio da indiferença. O mundo gira, a
história caminha sobre campos minados, o embate de interesses permeia a
vida de tensões, conflitos e incongruências, mas o silêncio insiste em
nada ver. Cego e surdo, permanece omisso diante dos embates que se
desenrolam a seu lado. Assimetrias entre povos, nações e culturas;
desigualdades econômicas, sociais e culturais; o luxo e a miséria de
mãos dadas, caminhado lado a lado, guerras e catástrofes sucedem-se com
crescente brutalidade – nada disso o incomoda.
Nem sequer os escândalos estridentes das disputas e da corrupção
política são capazes de acordar esse tipo de silêncio. Desfruta um sono
profundo em meio às turbulências e abalos sísmicos do cotidiano. Seria
capaz de cochilar no fragor de uma batalha, ao som da metralha e dos
canhões, tal a ausência e descompromisso com a vida que o cerca.
Interpelado por todos os lados, segue indiferentemente seu caminho. Não
se deixa sacudir por confrontos que a outros exigem imediata tomada de
posição. Surfando na superfície dos oceanos, jamais suspeita das
correntes subterrâneas.
Pode tratar-se de uma postura silenciosa ou silenciada.
Silenciosa,
quando parte do próprio indivíduo, que não quer saber de “meter-se na
vida alheia”. Ou então: “em briga de marido e mulher não se põe a
colher”. Não importa que crianças e esposas sejam vítimas, espancadas, e
às vezes cruamente assassinadas.
A pessoa não se deixa perturbar em seu ninho de paz! Mas pode
tratar-se também uma postura silenciada, isto é, calada à força de
perseguição ou repressão. Neste caso, o medo paralisa toda e qualquer
atitude em favor de si mesmo ou dos mais débeis. É o silêncio do
cemitério! Com freqüência a atitude silenciada se converte em atitude
silenciosa. De tanto ser censurada, a pessoa se auto-silencia.
2. Em segundo lugar, temos o silêncio envenenado. Por trás dele
oculta-se quem desdenha qualquer gesto de comunicação. É o silêncio da
recusa, do isolamento. Neste caso não há somente indiferença inerte ou
submissa, mas uma atitude hostil para com tudo e todos. Trata-se de um
silêncio ativo e agressivo, com requintes de constrangimento. Silêncio
que habita e divide amigos, casais, famílias, grupos, comunidades,
companheiros de trabalho, etc. Atitude francamente belicosa frente ao
menor sinal de aproximação.
É um silêncio que destila ódio e rancor, erguendo barreiras a
qualquer tentativa de diálogo. Enquanto o silêncio da indiferença foge
do confronto por mera preguiça ou desconhecimento, o silêncio envenenado
o faz para fechar-se a todo tipo de encontro. Levanta cercas, muros e
obstáculos a toda possibilidade de relação. Resulta ser um silêncio
frio, estéril, corroído pelo medo de abertura, trancado em si mesmo,
completamente incomunicável. Nessa perspectiva, “o outro é o inferno”,
como diria o filósofo Sartre.
3. Por fim, há o silêncio povoado. Memória habitada por lembranças
agradáveis, por rostos, nomes e histórias conhecidas e pelo totalmente
Outro. Silêncio onde as palavras se calam para fazer emergir a Palavra
que se manifesta no mais íntimo de nosso ser. Se o silêncio da
indiferença é omisso diante das injustiças e disparidades
socioeconômicas, e o silêncio envenenado constitui uma declaração de
guerra a quem está por perto, o silêncio povoado tem a marca da
serenidade pacífica. Convive como uma memória repleta de pérolas que lhe
proporcionam uma intensa vida interior.
Um exemplo: é notório e amplamente sabido que um casal que se ama, ou
um grupo que cultiva grande intimidade, costuma comunicar-se muito mais
por meio do silêncio do que por palavras. Quando estas se fazem tão
necessárias pode ser um sinal de que o amor escasseia. É preciso
preencher com a tagarelice o vazio deixado por um silêncio incômodo.
De fato, enquanto as palavras são dirigidas aos ouvidos, o silêncio
une corações e almas, na medida em que oculta segredos, cultiva um
mistério que aquelas tendem a banalizar.
Mais ainda, é um silêncio profundamente fecundo, capaz de engendrar
relações sempre mais abrangentes. Abre veredas insuspeitadas para o
encontro comigo mesmo, com os outros, com a natureza e com Deus.
Também é um terreno fértil para o nascimento de palavras novas, vivas
e criativas. A palavra que gera vida se forja, se gesta e cresce no
útero do silêncio. Só ele é capaz de produzir a palavra eficaz e
oportuna para abrir novos horizontes à história humana, pessoal e
coletiva. Somente quem é capaz de silenciar será igualmente capaz de
dizer algo novo.
* Pe. Alfredo J. Gonçalves é assessor das Pastorais Sociais.
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