26º DOMINGO TEMPO COMUM
– ANO B
30 DE SETEMBRO DE 2012
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“Quem não
está contra nós, está a nosso favor”
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Leituras:
Números 11, 25-29;
Salmo 18 (19);
Tiago 5, 1-6;
Marcos 9, 38-43.45.47-48.
COR LITÚRGICA: Verde
Muitas vezes julgamos que Deus só age dentro de uma
instituição ou de um determinado grupinho. Esta idéia está errada. O grande
projeto de Deus se realiza no círculo dos considerados “fieis seguidores” ou
fora dele. Que possamos entender, no dia da BÍBLIA, que o bem não tem
fronteiras e que Deus age em todo universo.
1. Situando-nos
brevemente
Estamos celebrando o último domingo do mês de setembro.
Neste dia, recordamos, de uma maneira toda especial, a Bíblia. Nenhum outro
livro conseguiu ser traduzido em tantas línguas e chegar a tantos povos como a
Bíblia, na qual encontramos a Palavra de Deus. Mesmo escrita há séculos, consegue
ser sempre atual e importante para qualquer momento de nossa vida.
A liturgia deste 26º Domingo do Tempo Comum se apresenta
com uma serie de ensinamentos, que manifestam a essência da Bíblia. Claramente,
podemos ver, pelas palavras de Jesus, que ninguém pode autodenominar-se dono da
verdade e muito menos se sentir como exclusivamente único na promoção do bem,
em nome de Deus.
Temos que ser capazes de reconhecer e aceitar a presença
e a ação do Espírito de Deus, através de tantas pessoas boas não pertencentes à
nossa instituição, que talvez não pratiquem os mesmos ritos e devoções por nós
praticados, nem professam a mesma fé, mas que também são sinais vivos do amor
de Deus neste mundo.
2. Recordando a
Palavra
O livro dos Números é um dos que
compõem o Pentateuco, escrito provavelmente por Esdras e Neemias, ele registra
as tradições herdadas por Moisés. É conhecido por este nome por fornecer uma
lista de dados de cada tribo do Povo de Deus e relatar, de maneira especial, a
rebeldia do povo hebreu contra Deus, por não ter o suficiente para comer.
Moisés estava cansado de liderar o
povo hebreu sozinho, as dificuldades eram muitas e constantes. Não poucas
vezes, o povo se desviou e passou a adorar e seguir outros deuses. Moisés
começou a se sentir impotente e viu a necessidade de repartir a responsabilidade
que estava sobre si.
Orientado por Deus, separou 70
anciãos, os quais, depois de ungidos pelo Espírito de Deus, o ajudariam a
tarefa de conduzir o povo pelo deserto, compartilhando com ele os encargos da
liderança. Esses anciãos eram os líderes dos grupos, das tribos, dos clãs.
O número setenta, dentro da
tradição judaica, simboliza a totalidade. Isto significa que, entre esses 70
anciãos, havia representante de todos que ali estavam sob a liderança de Moisés.
Os anciãos foram ainda mais respeitados, quando o povo soube que o mesmo
“Espírito” que estava sobre Moisés, também sobre eles fora colocado. Desta
forma, todos puderam profetizar, ministério antes exclusivo de Moisés.
Dos 70 anciãos, só sabemos o nome
de dois. Eldad e Medad. Detalhe importante, pois significa que faziam parte do
grupo, mas não estavam presentes no momento da recepção do Espírito. Quando
também começam a profetizar, Josué crê se tratar de um abuso intolerável, que
colocava em risco a hierarquia estabelecida.
No entanto, a resposta de Moisés é
a resposta de quem não está preocupado com o controle e o poder, mas com a vida
e a felicidade do seu povo: “Estás com ciúmes por causa de mim? Quem me dera
que todo o povo fosse profeta e que o Senhor infundisse o seu Espírito sobre
eles”.
Queriam proibir-lhes de falar só
porque não estavam na tenda, quando o Espírito fora derramado. Será que só as
profecias proferidas pelas pessoas que estavam no grupo eram verdadeiras: Deus
não tem a liberdade de dar seus dons para a pessoa que quer? Para Moisés,
quanto mais pessoas profetizarem, melhor!
A carta de Tiago chama a atenção
dos ricos devido ao poder e ao dinheiro acumulados ilicitamente. Faz um convite
aos ricos, talvez até um modo estranho: a chorar e gemer por causa das
desgraças que estão por cair sobre eles.
O autor contempla o final dos
tempos e descreve, com violência, a sorte que esperar aqueles cujo objetivo
principal na vida foi o de acumular bens. Servirão eles para alguma coisa quando
chegar o destino final?
Esses bens nos quais os ricos
depositam toda sua segurança e esperança perderão o valor: “as vossas riquezas
estão apodrecidas e as vossas vestes estão comidas pela traça. O vosso ouro e a
vossa prata enferrujaram-se ...” (v.v.2-3a) ou, ainda mais, as injustiças
praticadas contra os pobres servirão como testemunha de acusação. O destino dos
bens perecíveis é a destruição. Quem tiver os bens materiais como sua
referencia primeira não terá acesso à vida plena.
Na segunda parte (vv. 4-6), o autor
refere-se à origem desses bens acumulados pelos ricos. Não há dúvidas de que,
neste caso, a riqueza provenha da exploração dos pobres. Como exemplo, o autor
cita o não pagamento dos salários devidos aos trabalhadores que trabalharam nos
campos dos ricos (vv.4).
Trata-se de um pecado que a lei
condena veemente e que Deus castigará duramente, pois não pagar o salário do
trabalhador é condenar à morte a ele e a toda sua família (vv. 6).
Naturalmente, Deus não pode
compactuar com tal injustiça e, por isso, não ficará indiferente ao sofrimento
do pobre e do oprimido. Os ricos, vivendo no luxo e nos prazeres à custa do
sangue dos pobres, estão preparando para si próprios um caminho de castigo sem
fim.
No evangelho, retomamos a temática
da 1ª Leitura. Os discípulos, movidos possivelmente pelo ciúme, ou então por
direito e privilégio autoconcedidos, proíbem uma pessoa que expulsava demônios
de fazê-lo em nome de Jesus, simplesmente por esta pessoa não pertencer ao seu
grupo.
Jesus parece nem se importar muito,
mas confia que ninguém pode usar seu nome para o bem e, em seguida falar mal
dele. Tão verdadeiro que o v.40 se tornou um ditado popular: “quem não é por
nós, é contra nós”.
Aparentando um corte, logo em
seguida Jesus começa outro assunto. No v. 41, afirma: “aquele que der um copo
de água a um discípulo, por causa do meu nome, não ficará sem recompensa”. No
v.42, repreende severamente qualquer tipo de escândalo: “é melhor amarrar uma
pedra de moinho ao pescoço e se jogar no mar do que escandalizar um destes mais
pequeninos”.
A partir do v.43, o tema continua
sendo o escândalo. No entanto, trata-se do escandalizar a si mesmo. Disse
Jesus: “se tua mão te leva à queda, corta-a! É melhor entrares na vida tendo só
uma das mãos do que, tendo as duas, ires para o inferno, ao fogo que nunca se
apaga”. A mão é símbolo de quem rouba o que os olhos cobiçam. Mais grave ainda,
com ela podemos tirar a vida.
No v.45, afirma: “se teu pé te leva
à queda, corta-o! É melhor entrar na vida tendo só um dos pés do que, tendo os
dois, ser lançado ao inferno”. O pé é a imagem de quem opta e segue o caminho
do mal, é por ele e com ele que podemos condenar nossa vida e a de outros.
Em seguida, no v.47, fala do olho:
“se teu olho te leva à queda, arranca-o, pois é melhor entrar no Reino de Deus
tendo um olho só do que ir com os dois ao inferno”. Os olhos representam aquele
que cobiça, e que, por isso, causa a maioria dos males.
Em todos os três casos, está em
jogo a gravidade de se perder a salvação.
3. Atualizando a Palavra
A liturgia deste domingo nos coloca, mais uma vez, no
contexto do ensinamento de Jesus a seus discípulos, enquanto caminhava para
Jerusalém. Apresenta alguns elementos importantes que precisam ser
continuamente recordados. Tanto a primeira leitura quanto o evangelho nos
recordam que Deus não é propriedade de ninguém. Nenhuma igreja, instituição ou
hierarquia possui o monopólio do Espírito, nem pode contratá-lo e, muito menos,
acorrentá-lo.
O Espírito, porém, está em todos aqueles que, pela
prática dos valores ensinados por Jesus, estão abertos e dispostos a assumir o
caminho que leva à verdadeira construção do Reino de Deus, que não é comida nem
bebida, mas amor, paz, justiça, solidariedade, partilha.
Nossa comunidade deve ser capaz de promover o dialogo e
saber valorizar as ações boas de outros grupos. Devemos fazer o bem, porque
somos cristãos e a fé em Cristo nos leva a tal atitude, não porque ele ou ela
pertencem ao nosso grupo.
Neste sentido, os discípulos se mostram um tanto
limitados no entendimento do Reino. No domingo passado, estavam interessados em
saber quem seria o maior. Hoje, demonstram fraqueza ao querer calar alguém que
também faz o bem, mas não participa oficialmente do “grupo eleito”.
São dificuldades que fazem parte de nossa vida e do dia
a dia de nossas comunidades e paróquias. A comunidade não pode ser uma seita
nem nosso agir, simplesmente proselitista. Temos que aprender a reconhecer e
nos alegrar com os gestos de vida que acontecem à nossa volta, mesmo quando
esses gestos resultam da ação de não crentes (ateus como alguns se auto definem),
ou de pessoas que não pertencem à instituição Igreja.
O verdadeiro cristão não tem inveja do bem que outros
fazem, não sente ciúmes se Deus atua através de outras pessoas, mas esforça-se,
cada dia, por testemunhar os valores do Reino e alegra-se com os sinais da
presença de Deus em tantos irmãos que lutam por construir um mundo mais justo e
fraterno.
É possível que, por trás dessa preocupação dos
discípulos, não esteja o bem do próximo, mas interesses pessoas e até
institucionais. A postura de Jesus evitou que a comunidade se fechasse em si
mesma. Hoje poderíamos até dizer que sua orientação tendeu a um discurso
ecumênico.
Para reafirmarmos essa postura, é interessante lembrar
que, há 50 anos, o Concilio Vaticano II reconheceu a ação do Espírito Santo, no
movimento pela unidade dos cristãos.
Em nossas comunidades, existem pessoas com qualidades
exemplares, capazes de muitos gestos de doação, entrega e serviço ao próximo.
Em contrapartida, porém, vemos outros que ainda mais querem proteger o espaço
conquistado. Eles fazem de tudo para as coisas continuarem iguais e até mesmo,
se considerarem necessário, afastar pessoas que poderiam qualificar nosso agir.
A parte seguinte do evangelho nos coloca diante do
problema do escândalo dos pequenos na comunidade. É importante entender que “os
pequenos” não são necessariamente as crianças, mas os excluídos, os pobres, os
doentes, os órfãos, as viúvas e os estrangeiros.
Originariamente, o sentido da palavra “escândalo”
significa “pedra de tropeço”. Então, ai de quem for essa pedra e for causa de tropeço.
Ela pode ser até mesmo certas atitudes que não permitem o crescimento da
comunidade. Esta é uma advertência especial aos líderes que são os primeiros responsáveis
pela comunidade.
A radicalidade exigida por Jesus não deve ser
considerada no âmbito físico. Usando imagens e linguagem tipicamente semitas,
Jesus manda cortar e jogar fora tudo o que possa causar problemas, seja no
contexto pessoal ou comunitário, mesmo se isso exigir uma atitude drástica, a
fim de não sermos motivos de queda para ninguém.
4. Ligando a Palavra com
a Ação Eucarística
A Eucaristia nos exorta e por ela aprendemos a não
colocarmos em primeiro lugar os bens materiais, pois são passageiros e não
asseguram a vida eterna, muito pelo contrário, podem ser causa, e na maioria
das vezes o são, de injustiças, divisões e mortes.
A caminhada para Jerusalém, no Evangelho de Marcos, é um
grande ensinamento de Jesus para quem quer segui-lo como discípulo. Passo a
passo ele vai mudando o pensar dos discípulos, marcado pelos valores da
sociedade vigente, e vai semeando os valores do Reino.
Hoje, ele nos desafia a praticarmos o verdadeiro
ecumenismo, o diálogo inter-religioso, a aceitação do diferente e a revermos
nosso modo de agir e pensar, para que a experiência cristã de comunidade seja
uma amostra real dos valores do Reino de Deus.
O Espírito de Deus sopra onde quer, para quem quer e
sobre quem quer. Não se deixa condicionar por normas ou interesses pessoais ou
de grupos que queiram tirar vantagens. Como Moisés, estamos convidados a
reconhecer a presença de Deus nos mais variados gestos proféticos de tantos
que, em nome de princípios e da própria fé, são capazes de ser um sinal de vida
nova.
Cristo oferece-se livremente como vítima de
“reconciliação”. Participando do seu mistério pascal, nós nos reconciliamos
conosco, com os outros e com o mundo.
Em sua Exortação Apostólica, o papa Bento XVI afirma:
“... as nossas comunidades, quando celebram a Eucaristia, devem
conscientizar-se cada vez mais de que o sacrifício de Jesus é para todos; e
assim, a Eucaristia impele todo o que acredita nele a fazer-se ‘pão repartido’
para os outros e, consequentemente, a empenhar-se por um mundo mais justo e fraterno”
(Sacramentum Caritatis, n.88).
E o Papa continua: “Não podemos ficar inativos perante
certos processos de globalização que, não raro, fazem crescer desmesuradamente
a distância entre ricos e pobres em âmbito mundial. Devemos denunciar quem
dilapida as riquezas da terra, provocando desigualdades que bradam ao céu (cf.
Tg 5,4)...” (Sacramentum Caritatis, n.90).
Participar da mesa, na qual o alimento da verdade é
repartido “leva-nos a denunciar as situações indignas da pessoa humana, nas
quais se morre à míngua de alimentos, por causa da injustiça e da exploração, e
dá-nos nova força e coragem para trabalhar, sem descanso, na edificação da
civilização do amor ...” (Sacramentum Caritatis, n.90).
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