O que é a oração?
1.A oração, segundo o catecismo, é a “elevação do espírito e do coração para Deus”. O que é o espírito? O que é o coração? O espírito pensa, questiona, planifica, inquieta-se, imagina. O coração conhece, ama. A inteligência é a faculdade do saber, o coração, é a do amor.
Grande parte do que aprendemos sobre a oração limita-se ao nível mental. Em criança, ensinam-nos a proferir orações, a pedir a Deus aquilo que necessitamos para nós e para os outros. Isto é apenas uma parte do mistério da oração.
A outra parte é a oração do coração. Nesta oração não procuramos pensar em Deus, nem falar-lhe, nem mesmo pedir-lhe o que quer que seja. Estamos pura e simplesmente com Deus, que habita em nós, no Espírito Santo que Jesus nos deu. A oração do coração é a nossa união com a oração de Jesus no Espírito.
“Nós não sabemos como rezar, mas o próprio Espírito reza em nós.” Rom 8,26
Podemos estabelecer regras para a oração mental – rezar com palavras ou pensar em Deus -. Existem vários “métodos de oração mental”, mas para a oração do coração não existe regra: “Lá onde está o Espírito do Senhor, aí está a liberdade”. 2 Cor 3,17
Na igreja atual, sobretudo depois dos anos 60, o Espírito Santo ensinou-nos a redescobrir esta outra dimensão da oração. Os documentos do Concílio do Vaticano II, que se reportam à Igreja e à liturgia, acentuam o facto de ser necessário dar “uma oração contemplativa” à vida espiritual dos cristãos dos nossos dias. Todos são chamados à plenitude da experiência de Cristo.
Isto significa que não nos devemos deixar simplesmente ficar ao nível da oração mental: pensar em Deus, falar com Ele ou pedir-lhe que acorra às nossas necessidades. Devemos mergulhar nas profundezas do nosso coração, onde o próprio Espírito de Jesus reza em nós, no silêncio da sua união com o Pai no Espírito Santo. A oração contemplativa não se destina apenas aos monges, às religiosas ou aos místicos. Trata-se de uma dimensão da oração, à qual todos nós somos chamados.
Imaginemos a oração como uma grande roda.
A roda gira toda a nossa vida em direção a Deus. A oração é essencial para uma vida humana em plenitude. Se não rezamos, vivemos apenas pela metade e a nossa fé desenvolve-se apenas pela metade. Cada um dos raios da roda representa uma forma de oração. Rezamos de diversas maneiras, em momentos diferentes, segundo aquilo que sentimos. Cada um reza à sua maneira. Os raios representam, por exemplo, a eucaristia, os sacramentos, a Escritura, a oração de petição e de intercessão, o rosário, os salmos, as orações diversas...
Estas várias formas de oração são cristãs porque se centram em Cristo. Os raios são formas ou expressões de oração que se inserem no eixo da roda, que representa a própria oração de Jesus.
A oração contemplativa é um estado de abertura e de união total à oração de Jesus. A contemplação é um estado no qual nos encontramos em silêncio, despertos e descontraídos. É a comunhão do amor, com o Pai no Espírito Santo que constitui a essência da oração de Jesus. Assim, a oração cristã significa a entrada na vida da Santíssima Trindade, no, por e com o espírito humano e o coração de Jesus.
Muitos são aqueles que recorrem à oração apenas para pedir a Deus a sua ajuda, sobretudo, em momentos de aflição.
É muito natural exprimir a nossa fé e a nossa confiança em Deus desta forma. Mas, então, onde está a nossa fé em Deus? Como Jesus nos ensinou, Deus conhece as nossas necessidades mesmo antes de nós Lhe pedirmos seja o que for. Exprimindo, assim, as nossas necessidades a Deus, não procuramos nem informá-lO acerca daquilo que desconhece, nem persuadi-lO a alterar o Seu plano.
É antes de mais para fortalecer a nossa confiança que Deus nos conhece e cuida de nós. Sem uma fé profunda e esclarecida, a evolução da nossa oração pode ficar seriamente comprometida e permanecer estática.
A oração do coração, a oração contemplativa, a meditação, é essencialmente uma oração de fé. Mergulhados no silêncio, aceitamos que Deus conheça as nossas necessidades e que esse conhecimento seja Amor.
2. Como rezar?
São Paulo escreveu: “Não sabemos como rezar, mas o Espírito reza em nós”. Eis a chave para compreender o verdadeiro sentido da oração cristã.
Ele refere-se assim à oração profunda do coração, onde encontramos “o amor de Deus disperso nas profundezas do nosso coração pelo Espírito Santo que Ele nos deu”.
A questão é saber como nos podemos abrir a essa torrente de amor que atinge o mais “profundo do nosso ser”?
Consideremos, em primeiro lugar, os três elementos essenciais da oração contemplativa. Eles dão a resposta à pergunta “como rezar”. Rezamos ficando silenciosos, despertos e descontraídos.
1. O Silêncio
O silêncio é necessário, tanto para a nossa saúde mental, como para o nosso crescimento espiritual. Contudo, torna-se cada vez mais difícil de praticar o silêncio no centro das cidades modernas, no barulho da circulação, da rádio e da televisão.
Mas o verdadeiro silêncio é interior. Com efeito, se nos encontramos num lugar muito barulhento e se nos concentrarmos, podemos “fazer” o silêncio em nós. Aprendemos a estar em silêncio ao nos concentrarmos.
Nada nos impede de estar em silêncio numa rua movimentada, no congestionamento do trânsito ou numa fila de espera na caixa do supermercado. Aprender o silêncio, ensina-nos a rezar em qualquer situação.
O silêncio é verdade. O silêncio é cura. O silêncio pacifica as nossas perturbações interiores. O silêncio é o remédio para o azedume e a raiva.
No silêncio aprendemos a linguagem do Espírito. Deus difunde a sua palavra do seu silêncio infinito.
O silêncio na oração, como entre duas pessoas, é um sinal de confiança e de aceitação.
Não se trata apenas de uma ausência de ruído, pois o silêncio é uma questão de atitude e de disposição de viver em vigilância e quietude.
2. A Quietude
O salmo diz: “Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus” Sl 46,2. A quietude não significa um estado de inércia ou de morte.
A quietude constitui o equilíbrio de todas as forças e energias diferentes de um ser humano: o físico, o mental, o espiritual.
Tal como o silêncio, a quietude tem as mesmas dimensões interiores e exteriores. Na oração devemos alcançar a imobilidade do corpo. É esse o primeiro passo da nossa peregrinação em direcção a Deus, ao centro do nosso ser.
A imobilidade física ajuda-nos a tomar consciência de que o nosso corpo é sagrado: “templo do Espírito Santo”.
Porém, a outra dimensão da quietude é interior. Alcançar a imobilidade do espírito constitui o grande desafio da oração. Como nos podemos acomodar à constante actividade mental? Os budistas afirmam que se efectuam 151 operações mentais em simultâneo… Os nossos desejos, os nossos sonhos, as nossas esperanças podem dividir e dominar o nosso espírito.
3. A Simplicidade
A oração cristã desperta-nos para a realidade de que somos habitantes do Reino de Deus. Jesus revelou-nos que o Reino de Deus está dentro de nós e que também nos devemos tornar como crianças, se quisermos entrar no Reino. “O Reino não é um lugar, mas sim uma experiência” (John Main). Ser simples, não é fácil. Analisamo-nos constantemente. Analisamos os nossos sentimentos, o que nos motiva, as outras pessoas e esta atitude constante de nos dobrarmos sobre nós próprios, torna-nos muito complicados.
Mas Deus é simples – o amor é simples – a meditação é simples.
Ser simples significa, ser autêntico, ou seja, ir para além da consciência de si próprio e da auto-análise.
A meditação é uma prática espiritual universal que nos guia em direcção a esse estado de oração, à oração de Cristo.
Essa oração conduz-nos ao silêncio, à quietude e à simplicidade por um processo, também ele, silencioso, pacificador e simples.
Este processo é a repetição de uma breve palavra sagrada, na fé e no amor, ao longo do tempo de meditação. Essa palavra chama-se mantra. Esta forma antiga de oração cristã foi redescoberta pelo monge beneditino John Main (1926-1982) para cristãos dos tempos modernos.
John Main redescobre este processo de unir o coração, a partir do ensinamento dos primeiros monges cristãos, os Padres do Deserto, principalmente de João Cassiano (séc. IV A.D.). Este ensinamento vai na mesma tradição de “A Nuvem do Não-Saber”, publicado em Inglaterra no séc. XIV.
O Frei John ensina-nos que para meditar devemos:
- Sentarmo-nos e permanecermos quietos, de costas bem direitas;
- Fechar os olhos
- Repetir a palavra mantra interiormente e de forma contínua.
Deve-se escolher um lugar calmo, um momento de tranquilidade de manhã e à noite e meditar aproximadamente 20 a 30 minutos de cada vez.
Um mantra ideal é maranatha, uma antiga oração oriunda do aramaico. Repeti-la continuamente, apoiando igual e claramente cada uma das sílabas. Dizê-la pausadamente e sem nada esperar. Escutar o mantra com todo o nosso ser. Assim que surja uma distração, retomar o mantra calmamente.
O aramaico era a língua de Jesus. É a mesma língua da palavra “abba”. “Maranatha” é a oração cristã mais antiga, que significa “Vem Senhor” ou “o Senhor vem”. São Paulo termina a primeira epístola aos Coríntios e São João, o livro do Apocalipse, com esta frase, que exprime a fé profunda e simples dos primeiros cristãos.
O significado e a ressonância desta palavra são dois elementos importantes. Contudo, ao dizer a palavra mantra, não se deve pensar no seu significado. O mantra conduz-nos de forma mais profunda do que os nossos pensamentos, ao âmago do nosso ser. Leva-nos através da fé. Dizemos o mantra na fé e no amor.
Eis três regras que nos ajudarão a persistir:
- Não ter nenhum pedido ou expectativa;
- Não avaliar a nossa meditação;
- Integrar a meditação na nossa vida do quotidiano e viver cada dia as suas consequências.
A†Ω
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