Jesus ressuscitado manifesta-se na Eucaristia
"Eles reconheceram o Senhor ao partir o pão". Esta observação, de caráter litúrgico, ritualiza para nós a experiência da primeira comunidade cristã, das refeições fraternas nas casas dos cristãos, lembrando o Senhor Jesus, suas palavras e seus gestos de salvação, seu sacrifício supremo. Só pode reconhecer o Senhor quem percorreu o caminho dos problemas do homem, deles participando plenamente: o fracasso, a solidão, a busca de justiça e verdade, a coerência em direção a um mundo melhor, a solidariedade. Então o Cristo, anônimo e misterioso companheiro, testemunha e interlocutor das hesitações e dúvidas, revela-se não como aquele que tem solução para todas as questões, mas como alguém que, tendo aceito entrar no plano de Deus, tornou-se o primogênito de uma nova humanidade.
Em memória de mim
Reconhecemos o Senhor por meio de um rito, que é memorial da sua morte-ressurreição. Nesse rito, os acontecimentos históricos da vida de Jesus e os da sua Igreja hoje, como os de toda a humanidade, se revelam como pertencendo ao mesmo plano de Deus; e a Igreja, que celebra a Páscoa do Senhor, confirma-se na esperança de um igual cumprimento do seu destino. "Não devia o Cristo sofrer tais coisas para entrar na sua glória?". Assim como a catequese primitiva (cf evangelho e 1ª leitura) se apoiava no testemunho da Escritura (a Lei, os Profetas, os Salmos) para interpretar o Cristo, também a nossa comunidade lê a Palavra de Deus para compreender a sua vida de hoje, para antecipar, na esperança, a sua glória com Cristo.
Por isso, "as duas partes que constituem a missa, isto é, a liturgia da Palavra e a liturgia eucarística, são tão estreitamente unidas entre si que formam um só ato de culto" (SC 56). Só quem partilha a mesma história pode partilhar o mesmo pão que é memorial, presença, profecia do Senhor ressuscitado.
Partilhar a eucaristia, partilhar o pão
A eucaristia, diz-nos o Concílio, e “ápice e fonte de toda a vida cristã”. A comunidade cristã não é um grupo reunido em torno de um interesse humanitário, um ideal filantrópico, um código moral, mas em torno de uma pessoa. Cristo ressuscitado presente na eucaristia, força unificadora da comunidade, força propulsora de seu desenvolvimento.
Como os discípulos de Emaús, desanimados e desiludidos, céticos e desconfiados, o mundo de hoje reconhece Cristo quando os cristãos sabem verdadeiramente “partir o pão".
A eucaristia não tem um sentido e um valor individualista; tem um alcance profundamente social. Como cristãos, partilhar o pão eucarístico implica um compromisso a partilhar o outro pão, um compromisso de justiça, de solidariedade, de defesa daqueles cujo pão é roubado pelas injustiças dos homens e dos sistemas sociais errados. Se faltarmos a esse compromisso, a participação do pão eucarístico não só perderá todo seu sentido revolucionário, mas se tornará um fenômeno alienante para a nossa consciência.
A participação do pão eucarístico nos obriga, por coerência, a uma distribuição mais equânime dos bens terrestres, a lutar contra toda desigualdade econômica, para que a ninguém falte o “pão cotidiano". E isso em nível de classes, de nações, de continentes. Se não soubermos repartir nosso pão com as populações e regiões de subnutridos, nossa credibilidade cristã estará comprometida e o mundo do subdesenvolvimento procurará outros caminhos para obter justiça, impelido pela "ira dos pobres".
"O meu e vosso sacrifício"
"De que serve ornar de vasos de ouro a mesa do Cristo, se ele mesmo morre de fome? Começa por alimentá-lo quando está faminto, e então poderás decorar sua mesa com o supérfluo. Dize-me: se, vendo alguém privado do sustento indispensável, o deixasses em jejum e fosses enfeitar sua mesa com vasos de ouro, achas que ele te seria agradecido? Ou não ficaria indignado? Ou ainda, se vendo-o vestido de andrajos e trêmulo de frio, o deixasses sem roupa para erigir-lhe monumentos de ouro, pretendendo assim honrá-lo, não diria ele que estarias zombando dele com a mais refinada ironia? Confessa a ti mesmo que ages assim com o Cristo, quando ele é peregrino, estrangeiro e está sem abrigo, e tu, em lugar de recebê-lo, decoras os pavimentos, as paredes e os capitéis das colunas. Suspendes candelabros com correntes de prata, e quando ele está acorrentado, não vais consolá-lo. Não digo isto para reprovar esses ornamentos, mas afirmo que é necessário fazer uma coisa sem omitir a outra; ou melhor, que se deve começar por esta, isto é, por socorrer o pobre" (S. João Crisóstomo).
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