06º Domingo do Tempo
Pascal - Ano C
Quem ama Jesus e O
escuta, identifica-se com Ele.
Na liturgia deste domingo sobressai a promessa de Jesus de acompanhar
de forma permanente a caminhada da sua comunidade em marcha pela história:
não estamos sozinhos; Jesus ressuscitado vai sempre ao nosso lado.
No Evangelho, Jesus diz aos discípulos como se hão-de manter em
comunhão com Ele e reafirma a sua presença e a sua assistência através do
“paráclito” – o Espírito Santo.
A primeira leitura apresenta-nos a Igreja de Jesus a confrontar-se
com os desafios dos novos tempos.
Animados pelo Espírito, os crentes aprendem a discernir o essencial do
acessório e atualizam a proposta central do Evangelho, de forma que a mensagem
libertadora de Jesus possa ser acolhida por todos os povos.
Na segunda leitura, apresenta-se mais uma vez a meta final da caminhada
da Igreja: a “Jerusalém messiânica”, essa cidade nova da comunhão com Deus, da
vida plena, da felicidade total.
LEITURA I – Atos 15,1-2.22-29
A entrada maciça de crentes
gentios na comunidade cristã (sobretudo após a primeira viagem missionária
de Paulo e Barnabé) vai trazer a
lume uma questão essencial: deve
impor-se aos crentes de origem pagã a prática da Lei de Moisés? Não se trata,
aqui, de um problema acidental ou secundário, de uma medida disciplinar ou de
puros costumes, mas de algo tão fundamental como saber se a salvação vem
através da circuncisão e da observância da “Torah” judaica, ou única e
exclusivamente por Cristo. Dito de outra forma: Jesus Cristo é o único Senhor e
salvador, ou são precisas outras coisas além d’Ele para chegar a Deus e para receber
d’Ele a graça da salvação?
A comunidade cristã de Antioquia
(onde o problema se põe com especial acuidade) não tem a certeza sobre o
caminho a seguir. Paulo e Barnabé acham que Cristo basta; mas os
“judaizantes” – cristãos
de origem judaica,
que conservam as
práticas tradicionais do judaísmo – defendem que os ritos prescritos
pela “Torah” também são necessários para a salvação. Decide-se, então, enviar
uma delegação a Jerusalém, a fim de consultar os Apóstolos e os anciãos acerca
da questão. Estamos por volta do ano 49.
Este texto
começa por pôr a
questão e por apresentar
os passos dados
para a solucionar: Paulo, Barnabé
e alguns outros (também Tito, de acordo com Gal 2,1) são enviados a Jerusalém
para consultar os Apóstolos e os anciãos (vers. 1-2). A questão é de tal
importância que se organiza a reunião dos dirigentes e animadores das
comunidades, conhecida como “concílio apostólico” ou “concílio de Jerusalém”.
Essa assembleia vai, pois, discutir o
que é essencial na proposta cristã (e que devia ser incluído no núcleo
fundamental da pregação) e o que é acessório (e que podia ser dispensado, não
constituindo uma verdade fundamental da fé cristã).
O texto que nos é proposto hoje
interrompe aqui a descrição dos acontecimentos. No entanto, sabemos (pela
descrição dos “Atos”) que nessa “assembleia eclesial” vão enfrentar-se várias
opiniões. Pedro reconhece
a igualdade fundamental de todos – judeus e pagãos – diante da
proposta de salvação, que a Lei é um jugo que não deve ser imposto
aos pagãos e que
é “pela graça do
Senhor Jesus” que
se chega à salvação (cf. At 15,7-12); mas Tiago
(representante da ala “judaizante), sem se opor à perspectiva de Pedro, procura
salvar o possível das tradições judaicas e propõe que sejam mantidas algumas
tradições particularmente caras aos judeus (cf. Act 15,13-21). Na realidade, há
acordo quanto ao essencial. Embora o texto de Lucas não seja totalmente
explícito, percebe-se a decisão final: não se pode impor aos gentios a lei
judaica; só Cristo basta. Assim dá-se luz verde à missão entre os pagãos. É a
decisão mais importante da Igreja nascente: o cristianismo cortou o cordão
umbilical com o judaísmo e pode, agora, ser uma proposta universal de salvação,
aberta a todos os homens, de todas as raças e culturas.
O
nosso texto retoma
a questão neste ponto.
Nos vers. 22-29
da leitura de
hoje apresenta-se o “comunicado final” da “assembleia de Jerusalém”: a
práxis judaica não pode ser imposta, pois não é essencial para a salvação… No
entanto, pede-se a abstenção de alguns costumes particularmente repugnantes
para os judeus.
É de destacar, ainda, a
referência ao Espírito Santo do vers. 28: a decisão é tomada por homens,
mas assistidos pelo
Espírito. Manifesta-se,
assim, a consciência
da presença do Espírito,
que conduz e que
assiste a Igreja na
sua caminhada pela história.
ATUALIZAÇÃO
Considerar, para a reflexão, as
seguintes linhas:
♦
A questão de
cumprir ou não
os ritos da
Lei de Moisés
é uma questão ultrapassada, que hoje não preocupa
nenhum cristão; mas este episódio vale, sobretudo, pelo seu valor exemplar.
Faz-nos pensar, por exemplo, em rituais ultrapassados, em práticas de piedade
vazias e estéreis, em fórmulas obsoletas, que exprimiram num certo contexto,
mas já não exprimem o essencial da proposta cristã. Faz-nos pensar na imposição de esquemas
culturais – ocidentais,
por exemplo – que muitas vezes não têm nada a ver com a forma de
expressão de certas culturas… O
essencial do cristianismo
não pode ser
vivido sem o concretizar em formas determinadas, humanas
e, por isso, condicionadas e finitas. Mas
é necessário distinguir
o essencial do
acessório; o essencial
deve ser preservado e o acessório
deve ser constantemente atualizado. Quais são os ritos e as
práticas decididamente obsoletos,
que impedem o
homem de hoje
de redescobrir o núcleo central da mensagem cristã? Será que hoje não
estamos a impedir, como outrora,
o nascimento de
Cristo para o
mundo, mantendo-nos presos a
esquemas e modos de pensar e de viver que têm pouco a ver com a realidade do
mundo que nos rodeia?
♦
É necessário ter presente que o essencial é Cristo e a sua proposta de
salvação.
Essa é que é a proposta
revolucionária que temos para apresentar ao mundo. O resto são questões cuja
importância não nos deve distrair do essencial.
♦
Devemos também ter consciência da presença do Espírito na caminhada da
Igreja de Jesus. No entanto, é preciso escutá-l’O, estar atento às
interpelações que Ele lança, saber ler as suas indicações nos sinais dos tempos
e nas questões que o mundo nos apresenta… Estamos verdadeiramente atentos aos
apelos do Espírito?
♦
É preciso aprender com a forma como os Apóstolos responderam aos
desafios dos tempos: com audácia, com imaginação, com liberdade, com desprendimento e, acima de tudo, com a escuta do
Espírito. É assim que a Igreja de Jesus
deve enfrentar hoje os desafios do mundo.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 66
(67)
Refrão 1: Louvado sejais, Senhor, pelos povos de
toda a terra.
Refrão 2: Aleluia.
Deus Se compadeça de nós e nos dê
a sua bênção,
resplandeça sobre nós a luz do
seu rosto.
Na terra se conhecerão os vossos
caminhos
e entre os povos a vossa
salvação.
Alegrem-se e exultem as nações,
porque julgais os povos com
justiça e governais as nações sobre a terra.
Os povos Vos louvem, ó Deus,
todos os povos Vos louvem.
Deus nos dê a sua bênção
e chegue o seu louvor aos confins
da terra.
LEITURA II – Ap 21,10-14.22-23
Continuamos a ler a parte final
do livro do “Apocalipse”. Nela, João apresenta-nos o resultado da intervenção
definitiva de Deus no mundo: depois da vitória de Deus sobre as forças que
oprimem o homem e o privam da vida plena, nascerá a comunidade nova e santa, a
criação definitiva de Deus, o novo céu e a nova terra.
A liturgia do passado domingo apresentou-nos um
primeiro quadro dessa
nova realidade; hoje, a mesma realidade é descrita através de um segundo
quadro – o da “Jerusalém messiânica”.
É, ainda, a imagem da “nova
Jerusalém que desce do céu” que nos é apresentada. Já vimos na passada semana
que falar de Jerusalém é falar do lugar onde irá irromper a salvação
definitiva, o lugar do encontro definitivo entre Deus e o seu Povo.
Na apresentação
desta “nova Jerusalém”,
domina o número
“doze”: na base
da muralha há doze
reforços salientes e
neles os doze
nomes dos Apóstolos
do “cordeiro”; a cidade tem, igualmente, doze portas (três a nascente,
três ao norte, três ao sul e três a poente), nas quais estão gravados os nomes
das doze tribos de Israel; há, ainda, doze anjos junto das portas. O número
“doze” indica a totalidade do Povo
de Deus (doze tribos + doze
Apóstolos): ela está fundada sobre os doze Apóstolos – testemunhas do
“cordeiro” – mas integra a totalidade do Povo de Deus do Antigo e do Novo Testamento,
conduzido à vida
plena pela ação
salvadora e libertadora
de Cristo. As portas, viradas para os quatro pontos cardeais, indicam que
todos os povos (vindos do norte, do sul, de este e do oeste) podem entrar e
encontrar lugar nesse lugar de felicidade plena.
Num desenvolvimento que a leitura
de hoje não conservou (vers. 15-17), apresentam-
se as
dimensões dessa “cidade”:
144 côvados (12
vezes doze), formando
um quadrado perfeito. Trata-se
de mostrar que
a cidade (perfeita,
harmoniosa) está traçada segundo
o modelo bíblico do “santo dos santos” (cf. 1 Re 6,19-20): a cidade inteira
aparece, assim, como um Templo dedicado a Deus, onde Deus reside de forma
permanente no meio do seu Povo.
É por isso que a última parte
deste texto (vers.
22-23) diz que a cidade não tem
Templo: nesse lugar de vida
plena, o homem não terá necessidade de
mediações, pois viverá sempre na presença de Deus e encontrará Deus face a
face. Diz-se ainda que toda a cidade estará banhada de luz: a luz indica a
presença divina (cf. Is 2,5;
24,23; 60,19): Deus e o
“cordeiro” serão a luz que ilumina esta comunidade de vida plena.
Após a intervenção definitiva de
Deus na história nascerá, então, essa nova “cidade” construída sobre o
testemunho dos apóstolos; cidade de portas abertas, ela acolherá todos os
homens que aderirem ao “cordeiro”; nela, eles encontrarão Deus e viverão na sua
presença, recebendo a vida em plenitude.
ATUALIZAÇÃO
Ter em conta as seguintes
indicações para reflexão:
♦
Já o dissemos a propósito da segunda leitura do passado domingo: o
profeta João garante-nos que as limitações impostas pela nossa finitude, as
perseguições que temos de enfrentar por causa da verdade e da justiça, os
sofrimentos que resultam dos nossos limites, não são a última palavra;
espera-nos, para além desta terra, a vida plena, face a face com Deus. Esta
certeza tem de dar um sentido novo à nossa caminhada e alimentar a nossa
esperança.
♦
A Igreja em marcha pela história não é, ainda, essa comunidade messiânica da vida plena de que fala esta
leitura; mas tem de apontar nesse sentido e procurar ser, apesar
do pecado e
das limitações dos
homens, um anúncio
e uma prefiguração dessa
comunidade escatológica da salvação, que dá testemunho da utopia e que acende
no mundo a luz de Deus. A humanidade necessita desse testemunho.
♦Ainda que esta realidade de vida
plena, de felicidade total, só aconteça na “nova Jerusalém”, ela tem de começar
a ser construída desde já nesta terra. Deve ser essa a
tarefa que nos
motiva, que nos
empenha e que
nos compromete: a construção de um mundo de justiça, de amor
e de paz, que seja cada vez mais um reflexo do mundo futuro que nos espera.
ALELUIA– Jo 14,23
Aleluia. Aleluia.
Se alguém Me ama, guardará a
minha palavra. Meu Pai o amará e faremos nele a nossa morada.
EVANGELHO – Jo 14,23-29
Continuamos no contexto da “ceia
de despedida”. Jesus, que acaba de fundar a sua comunidade, dando-lhe por
estatuto o mandamento do amor (cf. Jo 13,1-17;13,33-35), vai agora
explicar como é que
essa comunidade manterá,
após a sua partida,
a relação com Ele e com o Pai.
Nos versículos anteriores ao
texto que nos é proposto, Jesus apresentou-Se como “o caminho” (cf. Jo 14,6) e
convidou os discípulos a percorrer esse mesmo “caminho” (cf. Jo 14,4-5). O que
é que isso significa? Jesus, enquanto esteve no mundo, percorreu um “caminho”
– o da entrega ao
homem, o do serviço,
o do amor total;
é nesse “caminho que o homem”
– o Homem Novo que
Jesus veio criar
– se realiza. A comunidade de Jesus tem, portanto, que
percorrer esse “caminho”. A metáfora do “caminho” expressa o dinamismo da vida
que é progressão; percorrê-lo, é alcançar a plena maturidade do Homem Novo, do
homem que desenvolveu todas as suas potencialidades, do homem recriado para a
vida definitiva. O final desse “caminho” é o amor radical, a solidariedade
total com o homem. Nesse “caminho”, encontra-se o Pai. Os discípulos, no
entanto, estão inquietos e desconcertados. Será possível percorrer esse
“caminho” se Jesus não caminhar ao lado deles? Como é que eles manterão a comunhão
com Jesus e como receberão dele a força para doar, dia a dia, a própria vida?
Para seguir esse “caminho” é preciso
amar Jesus e guardar a sua
Palavra (cf. Jo 14,23). Quem ama Jesus e
O escuta, identifica-se com Ele, isto é, vive como Ele, na entrega da própria
vida em favor do homem… Ora, viver nesta dinâmica é estar continuamente em
comunhão com Jesus e com o Pai. O Pai e Jesus, que são um, estabelecerão a sua
morada no discípulo; viverão juntos, na intimidade de uma nova família (vers.
23-24).
Para que os discípulos possam
continuar a percorrer esse “caminho” no tempo da Igreja, o Pai enviará o
“paráclito”, isto é, o Espírito Santo (vers. 25-26). A palavra “paráclito” pode
traduzir-se como “advogado”, “auxiliador”, “consolador”, “intercessor”. A
função do “paráclito” é “ensinar” e “recordar” tudo o que Jesus propôs.
Trata-se, portanto, de uma presença dinâmica, que auxiliará os discípulos
trazendo-lhes continuamente à memória os ensinamentos de Jesus e ajudando-os a
ler as propostas de Jesus à luz
dos novos desafios
que o mundo lhes
colocar. Assim, os
crentes poderão continuar a percorrer, na história, o “caminho” de
Jesus, numa fidelidade dinâmica às suas propostas. O Espírito garante, dessa
forma, que o crente possa continuar a percorrer esse “caminho” de amor e de
entrega, unido a Jesus e ao Pai. A comunidade cristã e cada homem tornam-se a
morada de Deus: na ação dos crentes revela-se o Deus libertador, que reside na
comunidade e no coração de cada crente e que tem um projeto de salvação para o
homem.
A última parte do texto que nos é
proposto contém a promessa da “paz” (vers. 27). Desejar a “paz” (“shalom”) era
a saudação habitual à chegada e à partida. No entanto, neste contexto, a
saudação não é uma despedida trivial (“não vo-la dou como a dá o mundo”), pois
Jesus não vai estar ausente. O que Jesus pretende é inculcar nos discípulos
apreensivos a serenidade e evitar-lhes o temor. São palavras destinadas a
tranquilizar os discípulos e a assegurar-lhes que os acontecimentos que se
aproximam não porão fim à relação entre Jesus e a sua comunidade. As últimas
palavras referidas por este texto (vers. 28-29) sublinham que a ausência de
Jesus não é definitiva, nem sequer prolongada. De resto, os discípulos devem
alegrar-se, pois a morte não é uma tragédia sem sentido, mas a manifestação
suprema do amor de Jesus pelo Pai e pelos homens.
ATUALIZAÇÃO
A reflexão deste texto pode
contemplar as seguintes linhas:
♦
Falar do “caminho” de Jesus é falar de uma vida gasta em favor dos
irmãos, numa doação total e radical, até à morte. Os discípulos são convidados
a percorrer, com Jesus, esse mesmo “caminho”. Paradoxalmente, dessa entrega
(dessa morte para si mesmo) nasce o Homem Novo, o homem na plenitude das suas
possibilidades, o homem que desenvolveu até ao extremo todas as suas
potencialidades. É esse “caminho” que eu tenho vindo a percorrer? A minha vida
tem sido doação, entrega, dom, amor até ao extremo? Tenho procurado despir-me
do egoísmo e do orgulho que impedem o Homem Novo de aparecer?
♦
A comunhão do crente com o Pai e com Jesus não resulta de momentos
mágicos nos quais, através da recitação de certas fórmulas, a vida de Deus
bombardeia e inunda incondicionalmente o crente; mas a intimidade e a comunhão
com Jesus e com o Pai estabelece-se percorrendo
o caminho do amor e da entrega,
numa doação total aos irmãos. Quem quiser encontrar-se com Jesus e com o
Pai, tem de sair do egoísmo e aprender a fazer da sua vida um dom aos homens.
♦
É impressionante essa pedagogia de um Deus – o nosso Deus – que nos
deixa ser os construtores da
nossa própria história,
mas não nos
abandona. De forma discreta, respeitando
a nossa liberdade,
Ele encontrou formas
de continuar conosco, de nos
animar, de nos ajudar a responder aos desafios, de nos recordar que só nos
realizaremos plenamente na fidelidade ao “caminho” de Jesus.
♦
O cristão tem de estar, no entanto, atento à voz do Espírito, sensível
aos apelos do Espírito; tem de procurar detectar os novos caminhos que o
Espírito propõe; tem de estar na disposição de se deixar questionar e de
refazer a sua vida, sempre que o Espírito
lhe dá a entender que ela está a
afastar-se do “caminho” de Jesus. Estamos sempre
atentos aos sinais do Espírito
e disponíveis para enfrentar os seus desafios?
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