"...e andou pelo deserto um dia de caminho..."
Após meses, após anos, talvez, a noite tornar-se-á menos escura e o deserto menos árido. As visitas de Deus serão mais freqüentes. Não fará mais sua irrupção como o relâmpago para desaparecer do outro lado do deserto. É todo o deserto que florescerá com sua presença, primeiramente como uma imperceptível primavera, depois, como um verão resplandecente. Parece à alma entrar num outro mundo. Sua solidão não é mais solidão.
Por toda a parte percebe aquele que ama e que se escondeu por tanto tempo. Ele surge de todo lado, a qualquer instante; mostra-se nos recantos mais áridos de seu deserto, nos antros mais escuros de sua noite.
O deserto e a noite parecem agora impregnados da presença divina.
Quer abra os olhos, quer os feche, esta presença divina sempre ali está. Não foge quando fecho os olhos, não se apaga quando os abro. Na noite como na luz, ali está...
É uma presença contínua que se estende do mais profundo de meu ser aos limites do universo, até a Deus. É a unidade de todas as coisas, a força que as mantêm no ser.
Esta presença difundida é percebida pela alma na profundeza de si mesma, como um imperceptível ponto, onde a força irradiada no universo vê-se concentrada nos limites do criado e do eterno. Neste ponto, todo o poder divino se concentra... ponto sem outra dimensão a não ser o encontro do divino e do criado.
Acontece também, por vezes, que a alma, tendo assim experimentado a presença divina em sua imensidão, vê-se reduzida, pouco a pouco, a este imperceptível ponto. Parece-lhe que toda a presença de Deus irradiada no universo e nela mesma assim se tenha concentrado para voltar à sua origem. Este ponto pode-se tornar de tal forma diminuto e imperceptível, que a alma apenas pode percebê-lo num ato de fé. Permanecerá em silêncio de adoração diante deste "além" da presença que se identifica com o próprio Deus, fora do alcance de qualquer percepção possível.
Na experiência da presença divina, a alma compreendeu como esta presença parte de Deus e volta a Deus. Compreendeu também como todas as coisas estão em Deus e como Deus está em todas as coisas, particularmente nela mesma, no seu íntimo mais profundo. A imensidão da presença divina no universo inteiro não é mais vasta nem mais profunda do que a presença no fundo da alma.
Não se trata de uma presença inanimada, mas viva, que tudo anima. Presença amorosa que traz à alma a solicitude paterna de Deus por ela e pelo mundo.
É tão forte esta presença, por vezes, que a alma se vê imergida num oceano de vida que a arrasta. Está penetrada, impregnada... ela e tudo que a envolve. Todo o poder que atua no universo exprime-se nesta presença que parece tão doce e simples que chegamos a perguntar onde está sua força... Foi, entretanto, sua força que lançou o mundo na existência e que o sustenta desde aquele instante.
Não se trata, pois, de uma questão de imaginação, mas percepção do poder divino no universo, poder da criação e da graça.
O místico não inventa o que vê. Simplesmente vê as coisas numa profundidade maior do que os outros. Percebe como tudo é sustentado em Deus e animado por ele, vê como as almas vivem da própria vida divina.
Para ele, a presença de Deus é presença de graça. Suas faculdades espirituais e sua alma aparecem-lhe como que penetradas e animadas por esta presença. Vive em Deus, vive de Deus. Em tudo — na vida cotidiana, na oração, nos sacramentos — vê o poder divino em ação, na presença que se manifesta.
Após longas etapas de deserto e de noite, a contínua presença de Deus é um verdadeiro paraíso... Conserve-a... Se parece escapar-lhe, persiga-a em Deus pela fé... e mantenha-se preso à fonte.
ORAÇÃO:
Senhor meu, tua presença me acolhe, teus perfumes me inebriam, seus beijos me satisfazem, nada mais quero, nada mais desejo, só quero o que tu queres e desejo o que tu desejas, não me separeis de vós meu bem querer, meu amado, minha vida e existência. Por mais profundo que sejas meu abismo, creio que seu amor é bem mais profundo. Invada-me com tua divina presença, esqueço-me, ai aquedei-me e tudo será somente tua Presença. Que mais desejarei eu. Afaga-me em teus braços meu bem amado e revigora as minhas forças na falta de sua presença divina.
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