O santo abandono é esse estado da alma amante que se entrega
incondicionalmente e sem reservas a Vontade de Deus, quer na ordem da
natureza, quer na graça.
Santo abandono na ordem da natureza
A alma do santo abandono quer tudo o que Deus quer, porque o quer, e
como o quer. Na saúde ou doença, nesse ou aquele país; na situação em
que aprouver a Deus pô-la quanto a casa, ao trabalho, ao alimento, a
sociedade. Tudo é indiferente, tudo suave, porque a tudo acrescenta: Deus o quer, é Vontade de Deus.
A alma do santo abandono dorme tranquila no regaço materno da Divina
Providência ou descansa em paz aos seus pés, qual a criança despida de
preocupação futura. Inquietar-se-á por acaso com o porvir o filho que tem uma mãe carinhosa? Não sabe que ela lhe dará todo o carinho e cuidado?
Os elementos se entrechocam. É a tempestade. O mar ameaça tudo engolfar. Mas
enquanto todos tremem de medo, o filho do santo abandono dorme sem
receio, confiado na Divina Providência, pois para ela não há tempestade. Os homens, maus que são, querem arrebatar-lhe tudo: bens, liberdade, reputação. Mas a alma do santo abandono deixa-se despojar de tudo sem cólera e sem desespero. Deus lhe resta. Deus a ama, é quanto lhe basta. Sente-se rica e goza de maior liberdade para ir ao encontro do Pai celeste.
Deus as vezes ameaça e parece abandonar a alma querida. Entrega-a ao
furor do demônio e aos horrores das tentações. Ela sofre então o
martírio da consciência. Mas é Vontade de Deus. "Fere, se puderes, dirá ao demônio, tu
que fizeste flagelar o meu Mestre, que o tentaste, que o carregaste nos
braços. Eu, discípulo de tal Mestre, não tenho medo de ti, que só farás
o que Deus quiser ou permitir. Jesus está comigo."
Santo abandono na ordem da graça
A alma do santo abandono, qual um filho inocente nas mãos Deus, entrega o
seu espírito para que Deus lhe seja luz, e luz que quiser - clara ou
velada, de Fé ou de manifestação. Só quer saber o que Deus quer que
ela saiba, é a ceguinha de Deus que lhe abre ou fecha os olhos como
melhor convém e que, se lhe fosse dado escolher, havia de preferir a
pobreza e humildade de espírito. A alma do santo abandono dá o
coração a Deus, em toda a simplicidade, para indiferente amá-lO a Ele
tão somente, em todas as coisas e em todos os estados. Se a quiser
abrasar no fogo do seu Amor, alegra-ser-á; se lhe quiser conceder uma
Graça de consolação, recebe-la-á reconhecida. Mas se Deus lhe fizer
beber algumas gotas do Seu cálice de fel, ou partilhar alguns dos Seus
abandonos ou desamparos, de Suas desolações ou tristezas, a alma do
santo abandono beberá com amor esse cálice, participará da Agonia de
Jesus, e Lhe ficará fiel na provação.
A alma do santo abandono remete inteiramente a Deus toda vontade própria para que Ele a governe, a vire e revire a merce dos Seus desejos. Doravante
só considerará como bem, alegria, felicidade, virtude, zelo, perfeição,
aquilo que trouxer o selo da Vontade do Altíssimo. Que quer Deus?
Que deseja Ele? Que Lhe agrada mais? Nisto está toda a lei, toda a
perfeição, toda vida da alma do santo abandono. A alma do santo abandono
entrega-se ao serviço que Deus lhe determina, mudando-o a toda hora
como melhor lhe aprouver, sem outra consideração, sem outro amor do que
essa Vontade Divina.
Serve a Deus segundo os meios de que dispõe no momento. Não se afeiçoa nem ao estado, nem aos meios, nem as Graças. Descansa tão somente na Santa Vontade de Deus.
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