DOMINGO XV COMUM Ano B
"Ordenou-lhes que nada levassem para o caminho, a não ser o bastão.” Mc 6, 8
“Olha, Vitor, as recomendações de Jesus este domingo pareciam adivinhar as restrições que a Troika nos anda a impôr”,
disse uma amiga minha quando lhe falei sobre o que ia escrever. Pois é,
o despojamento que Jesus pede aos discípulos não é fácil. Até em nome
das melhores condições para evangelizar, a sedução do ter, do aparato,
dos meios espantosos para “levar mais longe a Boa Nova,” acabam por
inebriar os discípulos de Jesus.
Nunca foi fácil ser profeta. Isto de arriscar a vida por aquilo que
se diz, e ainda mais quando Deus empurra para ser seu porta-voz, não tem
normalmente grande futuro. O profeta não pode calar a verdade que grita
dentro de si, não pode fechar os olhos à injustiça, não é um bajulador
nem procura benefícios próprios. Também o profeta Amós, encaminhado de
Judá para o santuário real de Betel, onde o conluio entre a realeza e a
religião eram escandalosos, se afigura como um “desalinhado”. Não faz da
profecia um emprego e, por isso, é livre para denunciar e anunciar. Se a
iniciativa do seu envio é de Deus, Ele providenciará o que fôr preciso.
Mas calarem-no ou comprarem o seu silêncio, isso é que não!
Não se é profeta por conveniência. Nem por geração, ou pertença a uma
casta privilegiada. Tem a ver com as escolhas que se fazem, com os
valores que abraçamos. Amós não deixaria a sua vida relativamente
organizada de “pastor e cultivador de sicómoros” se Deus não o cativasse
por dentro. É por um amor maior que se assume ser profeta. E o trabalho
de Deus, que Jesus tão bem nos mostra, é de cativar-nos para a sua
paixão por todos os homens e mulheres, pelo dom único e irrepetível de
cada pessoa, que por nenhum poder deve ser escravizado. Como enviaria
Jesus os discípulos a anunciar uma boa notícia se eles não estivessem
seduzidos pelo seu projecto? Como aceitariam ir sem “pão, nem alforge, nem dinheiro”, “calçados com sandálias”, levando só uma túnica, se a confiança não lhes guiasse já os passos?
Mas é tão fácil deixar de ser profeta! Basta começar a dar mais valor
às coisas que às pessoas, a cultivar a aparência e esquecer a
realidade, a escolher o imediato rejeitando o que é profundo. Como
resistir aos apelos da publicidade, das revistas, dos programas
televisivos, que nos pressionam a desistir de ser profetas? É o culto da
maioria que não pensa nem discute: só consome! E não se pense que isto
de ser profeta está restrito à religião. Todos - pais, professores,
médicos, jornalistas, empregados de balcão, motoristas, operários -
podem escolher ser profetas. E precisamos tanto que escolham!
P. Vítor Gonçalves
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