23º Domingo do Tempo Comum
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“Qualquer
um de vós, se não renunciar a tudo o que tem, não pode ser meu discípulo!” (Lc
14,33)
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Leituras:
Sabedoria 9, 13-18;
Salmo 89;
Filemon 10, 12-17;
Lucas 14, 25-33.
COR LITÚRGICA: VERDE
Irmãos e irmãs, Jesus nos convida a segui-Lo
com absoluta decisão. Quem se dispõe a caminhar com Ele deve, com sabedoria,
discernir quais são os valores que constroem o mundo novo de modo permanente. O
cristão deve estabelecer prioridades, conforme o projeto de Jesus e assumi-las,
colaborando com todo o coração com o Reino de Deus.
1. Situando-nos brevemente
Ao domingo aplica-se, com muito acerto, a exclamação do
salmista: “Este é o dia que o Senhor fez para nós: exultemos e alegremo-nos nele”
– é o que nos dizia o Beato João Paulo II, na carta apostólica “Dies domini”.
Repletos de alegria, portanto, nos reunimos neste 23º domingo do
Tempo Comum para louvar e bendizer e nosso Deus e para pedir, com as palavras
do Salmo 89 (90), “que a bondade do Senhor nosso Deus repouse sobre nós e nos
conduza” (Sl 89 [90],17).
Na semana que hoje se inicia, somos chamados a voltar nosso
olhar para a cruz de Jesus, pois no próximo sábado, daí 14, de celebramos a
festa da Exaltação da Santa Cruz. Ao iniciar esta santa missa, lembremos que “nele, e por seu sangue, obtemos a redenção
e recebemos o perdão de nossas faltas, segundo a riqueza da graça. Que Deus
derramou profusamente em nós, abrindo-nos para toda a sabedoria e inteligência”
(Ef 1, 7-8).
2. Recordando a Palavra
Lucas hoje nos mostra um episódio ocorrido no período em que
numerosas multidões seguiam Jesus. As pessoas pareciam sedentas por seus
ensinamentos.
Em seu sentido mais simples, o verbo “seguir” significa “ir
atrás”, tão somente “acompanhar”. Jesus
indica às pessoas que formam a multidão ao seu redor que o caminho de seu
seguimento não é assim tão simples, não é apenas ouvir palavras bonitas, talvez
reconfortantes. Seguir Jesus, no contexto da história da salvação, significa a
adesão total a uma pessoa que propõe um programa de vida. O seguimento exige desapego
ate mesmo das pessoas mais queridas e requer que cada um tome sua cruz, ou
seja, assuma integralmente sua condição de discípulo missionário.
Embora a caminhada não seja fácil, sua culminância não está na cruz em si, mas no que vem depois
dela: Jesus não terminou sua vida na cruz, mas a completou na glória da
ressurreição. Quer olhando para a cruz, quer olhando para a ressurreição, a
opção não deve ser feita apressadamente. Assim como um construtor calcula os
gastos para edificar uma obra e um rei calcula as forças que tem para enfrentar
o inimigo, também quem quer seguir Jesus deve ter consciência do quanto lhe
será exigido.
A exigência de Jesus é radical: “se não renunciar a tudo o que
tem, não pode ser meu discípulo!” (Lc 14,33). Esta renúncia diz respeito,
especialmente, ao esvaziamento de si mesmo, para se deixar preencher pelo
próprio Cristo, através do Espírito Santo.
São Paulo, escrevendo a Filêmon, mostra concretamente a vivência
do desapego. Diz ele sobre Onésimo: “meu filho que fiz nascer na prisão para
Cristo [...] ele é como o meu próprio coração” (Cf. Fl 23). Então evidencia sua
profunda doação interior ao revelar a Filêmon que “gostaria de retê-lo junto de
mim”, porém “o estou mandando de volta a ti”.
Esta passagem ilustra O evangelho lido hoje: o desprendimento de
Paulo em relação a Onésimo concretiza, de algum modo, as palavras de Jesus, ao
ensinar que, se alguém quer segui-lo, mas não se desapega dos que lhe são
queridos na pode ser discípulo. Lembremos que este desapego não significa
abandonar familiares e amigos, mas atribuir a primazia a Deus. É colocar o
projeto de Deus à frente de todos os outros projetos.
Tudo, desde os afetos até as posses materiais, é inserido no
plano de Deus que cada um assume livremente. “Se não renunciar a tudo o que
tem, não pode ser meu discípulo” (Lc 14,33), isto é, aquele que não estiver
disposto a ter sempre como primeira opção os valores de Jesus, mesmo que isso lhe
exija abrir mãos do que tem ou do que desejaria fazer, não pode pertencer
inteiramente ao grupo dos discípulos. Será sempre, por assim dizer, um
discípulo incompleto.
A reflexão sobre o Livro da Sabedoria nos leva a perceber que
não nos é possível conhecer os desígnios de Deus senão pela sabedoria que ele
mesmo nos oferece. A sabedoria vinda do espírito de Deus é que nos conduzirá e
nos permitirá aprender o que agrada a Deus e, nesta direção, encaminhar nosso
fazer, nosso ser, nosso viver.
Por isso, não cansemos de pedir, como o salmista, “dai ao nosso
coração sabedoria”, “tornai fecundo, ó Senhor, nosso trabalho” (Cf. Sl 89 [90],17).
3. Atualizando a Palavra
“Ser é um caminho, ou
melhor, uma peregrinação, um caminhar juntamente com Jesus Cristo. Ir naquela
direção que ele nos indicou e indica”. Assim ensinou o Papa Emérito Bento XVI, na homilia do Domingo
de Ramos de 2010.
O evangelho deste 23º domingo do Tempo Comum nos chama a esse
seguimento: os cristãos “seguindo a
Cristo e em união com ele, podem procurar ‘tornar-se imitadores de Deus como
filhos amados e andar no amor’, conformando seus pensamentos, palavras e ações
aos sentimentos de Cristo Jesus e seguindo seus exemplos” (CIC, n.618).
Numa sociedade imersa em intensa crise de sentido, em que o
vazio avança sobre o coração humano, é difícil entender e mais ainda assumir a
proposta de vida mostrada por Jesus. No entanto, para aqueles que conseguem
sair de dentro de si mesmos e vislumbrar a grandeza deste chamado, ele se torna
entusiasmante.
Podemos pensar que tal proposta diz respeito tão somente àqueles
e àquelas que querem seguir o caminho cristão como presbitério ou como membros
de ordens religiosas. Eis uma idéia incompleta. Viver intensamente um ideal, no
caso o ideal cristão, requer desapego, disponibilidade, doação de si. Contudo,
tal forma de vida por ser exercida, também, como leigo e leiga. Como esposo e
esposa. Como pai e mãe. Maria é exemplo disso. Ela assumiu uma família, foi
esposa e mãe. Teremos algum ser humano de maior santidade do que Ele em que nos
espelharmos?
O desapego de que fala o evangelho está longe de representar um
afastamento do mundo, um distanciamento do mundo tal qual ele é. Pelo
contrário, para quem assume tal desapego, por estar assumindo a pessoa de
Jesus, significa viver no mundo, inserir-se nele para transformá-lo, sem se
deixar dominar “pelas coisas deste mundo”, pois “as coisas do alto” são mais
valiosas (Cl 3,1).
Acontece que hoje o ser humano está muito voltado para dentro de
si mesmo. Por incrível que pareça, o primeiro “desapego” na opção pelo caminho
de Jesus terá que ser o desapego de si mesmo. O soltar as amarras do egoísmo,
do individualismo, para se abrir a Deus e consequentemente aos irmãos e irmãs.
4. Ligando a Palavra com ação
litúrgica
Participar efetivamente da celebração eucarística é entrar em
consonância com os ideais propostos por Jesus, trazer ao altar do Senhor nossa
própria vida e colocá-la inteiramente ao dispor da vontade de Deus, em uma
grande ação de graças por tudo que recebemos do Pai, através do Filho, no Espírito
Santo.
No contexto das leituras de hoje, torna-se mais forte o momento
do ato penitencial., onde, de coração contrito, reconhecemos ter pecado “muitas vezes por pensamentos e palavras,
obras e omissões”, assim lembrando o quanto nosso agir ou não agir pode ter
nos afastado do pleno seguimento a Jesus. Por isso, pedimos: “cordeiro de Deus, que tirais o pecado do
mundo, tende piedade de nós”.
A força para nossas fraquezas, vamos encontrar na Palavra e na
comunhão eucarística, que nos alimentam e, pela bondade do Pai, possibilitam “viver com Jesus para sempre” (oração
após comunhão).
Na oração do dia, pedimos ao Pai que nos conceda “A verdadeira liberdade”. Com ela e por
ela faremos, a cada dia, nossa legítima opção pelo seguimento de Jesus até a
cruz e a ressurreição. No entanto, a caminhada di discípulo missionário de
Jesus não é uma caminhada individual. Ela se faz com os irmãos e as irmãs, na
comunidade eclesial.
Por isso, na oração sobre as oferendas, fazemos nossa a voz
sacerdotal que diz: “que nossa
participação na Eucaristia reforce entre nós os laços de amizade”.
Unicamente, nos amparando uns aos outros poderemos superar nossas fraquezas e
nos tornaremos fortes para seguir Jesus, não “indo atrás dele”, mas a seu lado numa adesão plena à sua proposta
de amor.
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