O que está sempre em causa, para o Apóstolo, é a adesão ao Projeto Salvador de Deus revelado em Jesus Cristo.
Por isso é que esta era a compreensão do batismo que, como sabes, era celebrado apenas por adultos – depois de um longo catecumenato – na vigília pascal.
O grande símbolo batismal era exatamente a morte do Homem Velho (no despir-se da sua roupa e mergulhar-se) para renascer Homem Novo em Jesus Ressuscitado (no elevar-se da água, ser ungido com óleo – símbolo bíblico do Espírito Santo – e ser revestido com uma túnica branca, símbolo de Ressurreição), o Homem Novo e princípio da Nova Humanidade.
Na linguagem do Apóstolo Paulo, o Homem Velho é o Homem escravizado no seu íntimo pelo domínio da Lei judaica e do pecado. O Homem Novo é o Homem animado pelo Espírito de Jesus Ressuscitado que liberta da escravidão da Lei e recria do pecado.
Viver a vida no Espírito de Cristo é construir o Homem Novo. Esta “construção” é a dinâmica de configuração da nossa Vida com a Vida de Jesus de modo a podermos dizer como Paulo: “Nós temos a mentalidade de Cristo!” (1 Cor 2, 16)
Por ser uma permanente configuração com Jesus, a meta desta construção coincide com a própria plenitude da Vida, que ultrapassa a fronteira da morte. “Ainda que o Homem Exterior se degrade e definhe, o Homem Interior permanentemente se renova e cresce!” (2 Cor 4, 16)
O crescimento interior é sempre um processo de conversão, e a conversão exige luta interior. Ao falar da Vida no Espírito de Cristo, Paulo diz que a Carne (Homem Exterior ou Velho) tem desejos contrários ao Espírito (Homem Interior ou Novo), e o Espírito desejos contrários à Carne, porque são duas realidades em luta uma com a outra…” (Gal 5, 17)
Então, como acontece quando vemos um combate de boxe na televisão, vamos ver as características dos dois “lutadores”: num canto do ringue, o Homem Velho; no outro canto, o Homem Novo…
O Homem Velho é egoísta. Pensa sempre em si e no seu interesse, mesmo quando faz coisas boas. Se não lhe agradecem devidamente, sente-se ofendido…
O Homem Velho não sabe o que é a gratuidade porque procura sempre compensações e procura-se apenas a si próprio nas relações com os outros…
O Homem Velho não confia nas pessoas porque parte sempre do princípio que elas o podem magoar ou pôr em causa. Por isso, assume muitas atitudes ríspidas e frias, que é uma maneira de manter as pessoas à distância…
O Homem Velho é violento porque está sempre a defender-se e a defender o seu espaço, as suas certezas, as suas opiniões e os seus privilégios…
O Homem Velho, apesar disto, é digno de pena, porque está sempre a vitimizar-se do “mal” que o mundo inteiro arquiteta contra ele. Sente-se sempre vítima da sua história injusta e das pessoas que o rodeiam e só lhe fazem mal…
O Homem Velho não sabe perdoar, porque isso implica amar com o Coração inteiro. Às vezes consegue “desculpar” algumas coisas, mas guarda tudo num “baú escondido” da sua mente e usa isso como arma de arremesso em alturas de tensão ou confronto…
O Homem Velho é uma pessoa azeda porque não é capaz de olhar nada com otimismo nem ninguém com Confiança…
O Homem Velho é injusto, porque está sempre a exigir dos outros aquilo que não lhes dá e a implorar da Vida aquilo que ele se recusa a construir, por medo ou por preguiça…
O Homem Velho é mesquinho, porque tem uma dificuldade enorme em olhar à sua volta, perceber as necessidades dos outros, interpretar os seus sentimentos ou corresponder aos seus desejos. Quando, às vezes, se dá conta disso, opta por baixar a cabeça, colocar as mãos nos bolsos e seguir adiante, porque se sente incomodado…
O Homem Velho adora dizer “Não é nada comigo!”, mesmo quando está em causa o bem dos irmãos, mas passado um bocado já se está a queixar que as coisas estão todas mal porque ninguém faz nada…
O Homem Velho diz “Eu estou bem!” quando consegue chegar à total indiferença e reduzir o mundo ao tamanho do seu casulo…
O Homem Velho é escravo de mil coisas sem o saber! Não é capaz de comprometer a Vida por nada, não tem causas que o apaixonem nem motivos que o façam correr em direção a nada. Sempre que o Homem Velho corre é para fugir de alguma coisa…
O Homem Velho vive assustado porque, no fundo, a solidão acaba sempre por doer e o egoísmo, quando o apanha sozinho e desprotegido, atira-lhe à cara que assim nunca chegará a ser feliz…
O Homem Velho não é criativo, porque não acredita no futuro nem aceita que aquilo que faz possa ser importante para alguém. Tem medo do que é novo e, sobretudo, tem medo de fracassar…
O Homem Velho não gosta do Evangelho de Jesus, porque não conhece nada mais perigoso e comprometedor do que isso. Não gosta de Jesus de Nazaré porque o centro do seu Evangelho é a construção do Reino de Deus, que tem a ver com a emergência da justiça e da igualdade pelo caminho do amor fraterno e do perdão recíproco. O Homem Velho prefere o outro “Jesus”, aquele “Senhor lá no alto do céu” ao qual é possível “amar” sem que seja preciso amar mais ninguém… ao qual é possível “prestar culto” sem ser preciso servir mais ninguém…
O Homem Velho não gosta do Deus de Jesus, Aquele que em Si próprio é Comunhão Amorosa Familiar. Prefere o “deus todo-poderoso” que, tal como ele, também não confia em ninguém nem ama de verdade mas apenas se mantém à distância e julga…
O Homem Velho não gosta nada que lhe falem da Igreja como Comunidade, porque isso é uma enorme perda de tempo e, sobretudo, uma fonte de sofrimento, porque a Comunidade põe em causa a sua maneira de estar, de acreditar e de rezar…
O Homem Velho não é feliz… E continuará a não ser enquanto perder o tempo a culpar os outros disso. É uma das manhas do egoísmo, esta de querer que tudo e todos mudem para que nós sejamos diferentes…
O Homem Velho não está aberto ao Espírito Santo porque não está aberto aos irmãos! A Palavra de Deus não acontece no seu íntimo porque está fechado às mediações!
O Homem Velho tem os dias contados…
O Homem Novo tem em Jesus de Nazaré a sua medida! Ama os seus gestos, dá importância às suas palavras e procura os seus critérios. Por isso se pergunta muitas vezes: “Nesta situação que estou a viver, como é que Jesus faria?!”
O Homem Novo tem o Coração aberto à acção do Espírito Santo e não Lhe impõe nenhuma das suas certezas. Por isso está em permanente dinâmica de Conversão e Renascimento interior…
O Homem Novo tem a Mente desperta para que a Palavra de Deus aconteça nele de maneira livre e nova. Por isso, a Palavra torna-se nele Sabedoria e Verdade…
O Homem Novo sabe que ser pessoa é ser criador de si próprio à imagem e semelhança de Deus, colaborador do Espírito Santo na formação da sua própria consciência moldada pelo amor e instrumento de humanização para os irmãos…
O Homem Novo conhece e ama o Deus de Jesus Cristo como Amor Trinitário e vive com uma imensa gratidão o dom da Nova e Eterna Aliança pela qual a Família Humana foi assumida na Família Divina…
O Homem Novo, configurado com Jesus e dinamizado pelo Espírito, chama a Deus-Pai seu “Abba”…
O Homem Novo tem muitas atitudes parecidas com Jesus e revela nos seus gestos e palavras muita da sabedoria que Jesus colocava nas suas parábolas…
O Homem Novo sabe perdoar sem ser preciso que se lhe peça desculpa, porque o seu perdão precede o arrependimento do outro…
O Homem Novo ama de verdade, e por isso não se põe no centro das suas ações e decisões…
O Homem Novo gosta de dizer “nós”…
O Homem Novo é acolhedor e tolerante. Não julga as pessoas pela aparência nem lhes põe etiquetas ao fim de cinco minutos ou logo ao primeiro equívoco…
O Homem Novo é sensato porque sabe discernir as situações que vive e por isso sabe quando deve falar e quando deve calar, quando deve agir e quando deve esperar…
O Homem Novo não se deixa vergar sob nenhuma espécie de opressão ou domínio. Olha sempre nos olhos toda a gente! Por isso se debruça para ir ao encontro dos caídos, mas não se verga diante dos altivos e poderosos…
O Homem Novo é livre, porque é capaz de entregar a Vida até as últimas conseqüências pelas causas em que acredita e pelas pessoas que ama…
O Homem Novo é sereno, porque olha com Sabedoria o desenrolar da história e não se deixa iludir pela superficialidade das aparências nem pelos slogans gritados pelas multidões…
O Homem Novo não se deixa escravizar pelas coisas que tem, nem por aquelas que quereria ter, porque já percebeu que o Essencial da Vida se constrói ao nível do Coração…
O Homem Novo tem horizontes de Vida Eterna e Ressurreição. Acredita que a palavra definitiva da Vida pertence a Deus e, por isso, é uma Palavra de Ressurreição que ultrapassa a morte e transfigura a história…
O Homem Novo acredita que nos construímos Humanos para sermos Divinizados…
O Homem Novo acredita tudo isto, rejubila com tudo isto, celebra-o, aprofunda-o e partilha-o, mas não o impõe a ninguém…
O Homem Novo é amável, ou seja, é uma pessoa digna de ser amada porque se torna fonte de Vida e riqueza para aqueles que com ele se encontram de Coração acolhedor…
O Homem Novo é também provocador e sinal de contradição, porque vive a Verdade com uma coerência inquestionável e põe em causa muitos dos que o rodeiam e não vivem na Verdade…
O Homem Novo faz-se acompanhar dos pobres e defende o direito dos oprimidos, porque acredita num mundo de diferentes. Como sempre, aqueles que acreditam são os únicos que o constroem, e esses chamam-se “Bem Aventurados”…
O Homem Novo às vezes chora e sofre, quer por causa da compaixão com os seus irmãos, quer por causa da violência que os opressores às vezes exercem sobre ele. Mas nunca se resigna, porque sabe em quem tem assente a sua Esperança e enraizada a sua Vida…
O Homem Novo é humilde. Por isso conhece perfeitamente as suas capacidades e reconhece serenamente que nem tudo depende apenas de si. Acredita nas suas capacidades, assume as limitações tranquilamente, faz a sua parte e trata todas as pessoas como iguais…
O Homem Novo é audaz e pioneiro quando chega a hora de inventar o futuro porque acredita no sucesso dos seus esforços, na presença do Espírito Santo e na generosidade e verdade dos irmãos…
O Homem Novo acaba sempre por ser mais forte…
Pe.Emílio Carlos
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