O dom da fé cria raízes em nossa
alma
A fé é um dom de Deus, é uma
virtude sobrenatural infundida por Deus em nossa alma no sacramento
do Batismo.
Esse dom, Deus o destina a todos os homens, mas acontece
que alguns se fecham a ele por culpa própria, e então o
dom de Deus não se insere na alma. Outros permanecem abertos à
ação de Deus, e assim adquirem o dom da fé.
Este dom é inteiramente gratuito, isto é,
não resulta de nenhum mérito de nossa parte, e até
o fato de ficarmos abertos para que ele penetre em nossa alma já
é um fruto da graça de Deus. Não há
portanto simetria entre os que recebem o dom da fé e os que o
rejeitam: os que o recebem, não o recebem por merecimento; os
que o rejeitam, rejeitam-no por culpa própria. Há aqui
dois mistérios: o mistério da graça para os que
o recebem e o mistério da iniqüidade para os que o
rejeitam. Dizemos que são mistérios porque escapam à
nossa capacidade de entendimento.
O dom da fé cria raízes em nossa
alma
Por isso, devemos dar graças a Deus por
termos nascido num país católico, em uma família
católica que nos conduziu à Pia Batismal, ou
simplesmente por termos encontrado alguém em nossa vida que
abriu os nossos olhos para a fé. São fatores que sem
dúvida influíram decisivamente em termos recebido o dom
da fé. Sobre isso falaremos em seguida. Deixamos para outra
ocasião analisar a situação dos povos aos quais
não chegou a pregação do Evangelho. Digamos
apenas que, pela simples consideração da natureza
criada, eles podem chegar ao conhecimento da existência de
Deus; e se viverem de acordo com a Lei natural e a voz da
consciência, podem salvar a sua alma mediante o Batismo de
Desejo. Mas este é um tema extenso demais para ser tratado
aqui.
Concentremos, pois, nossa atenção nos
povos beneficiados pelo conhecimento do Evangelho de Nosso Senhor
Jesus Cristo, nos quais há uma ponderável maioria
católica no conjunto da população e até
se formou uma cultura e uma civilização católica.
Cultura e civilização que, infelizmente, vão
esvaecendo a olhos vistos em todo o mundo.
Assim, a fé entra em perigo, e é muito
oportuno perguntar como podemos pô-la a salvo num ambiente
crescentemente hostil. Para isso, nada melhor do que analisarmos como
o dom da fé cria raízes em nossa alma.
Como a fé se radica em nossa alma, e como
se pode perdê-la
A fé é infundida em nossa alma pelo
sacramento do Batismo, o qual recebemos normalmente quando ainda
crianças de colo. À medida que vamos crescendo —
suposto que nascemos numa família católica, inserida,
por sua vez, numa sociedade católica — encontramos um
ambiente impregnado pela fé, que vai incutindo em nós
os preâmbulos e as primeiras verdades da fé: a
existência de Deus, de Nosso Senhor Jesus Cristo, de Nossa
Senhora, dos Anjos e dos Santos (bem como dos demônios). Somos
levados à igreja, e assim tomamos contato com a instituição
sacrossanta da Igreja Católica, os Sacramentos etc. É
natural então que tenhamos facilidade em considerar tudo isso
como autêntico e verdadeiro. Como observa o consulente, a fé
penetra facilmente em nossa alma.
Mas esta Terra é um campo de luta. O demônio
ronda em torno de nós para nos perder. Por outro lado, se o
Batismo eliminou de nossa alma a culpa do pecado original — que
todos contraímos pelo simples fato de sermos descendentes de
Adão e Eva — não eliminou porém uma forte,
mas não avassaladora inclinação ao pecado,
deixada em nossa alma pelo mesmo pecado original. Assim, os nossos
lados maus vão aparecendo, freqüentemente consentimos em
alguns pecados veniais, e podemos chegar até ao pecado mortal.
Nesse momento é rasgada a veste de nossa inocência
batismal. Manchada pelo pecado, nossa alma se turva, e a luz da fé
que a iluminava começa a ser ofuscada. Se não reagimos
com vigor, se não nos arrependemos de nosso pecado, se não
obtemos o seu perdão pelo sacramento da Penitência,
iremos rolando de pecado em pecado. Começam então as
implicâncias com as exigências mais severas de nossa fé,
principalmente no campo moral. Surgem as "dúvidas".
Os colegas de escola, os companheiros de bairro, as músicas
para jovens, os programas de TV, tudo fala uma linguagem diferente da
Igreja Católica. Na escola, na imprensa, nas artes, os dogmas
da fé e os princípios da Moral são contestados e
ridicularizados. A ciência pretende descrever um universo que
prescinde de Deus, tanto para o seu início como para o seu
funcionamento. Como estranhar que o fim desse processo seja a perda
da fé?
Nestas condições, a conservação de nossa fé
começa por uma batalha moral para preservarmos nossa inocência
batismal, e para restaurá-la se a tivermos perdido. Depois,
cumpre renunciarmos às ocasiões de pecado e
aplicarmo-nos à oração e à freqüente
recepção da Sagrada Eucaristia; e então, à
refutação das doutrinas que se opõem às
verdades de nossa fé. Para tudo isto ajuda uma compreensão
adequada do ato de fé.
A fé exige a cooperação da
inteligência e da vontade humanas
Assim define Santo Tomás o ato de fé:
"Crer é um ato da inteligência, que presta seu
assentimento à verdade divina, por determinação
da vontade, movida pela graça de Deus" (Suma Teológica
II-II, 2, 9).
Contudo, como ensina o Concílio Vaticano I
(Denzinger-Schönmetzer no 3008-10), o assentimento da
fé não é, "de modo algum, um movimento cego
do espírito", mas se baseia nos "motivos de
credibilidade", como são os milagres de Jesus Cristo
narrados nos Evangelhos, os milagres dos Santos atestados na
História, o cumprimento das profecias, a propagação,
estabilidade e santidade da Igreja etc. Estes são sinais
certos da autenticidade da Revelação feita por Deus à
humanidade, e que encontramos nos Livros Sagrados e na Tradição
da Igreja. Entretanto, embora nossa fé seja conforme à
razão, o motivo superior de nossa fé é "a
autoridade do próprio Deus que se revela, e que não
pode enganar-se nem enganar-nos", como ensina o mesmo Concílio
Vaticano I no local citado.
Por isso, nossa fé é mais certa que
qualquer conhecimento humano, porque se funda na própria
Palavra de Deus, que não pode mentir, como observa Santo Tomás
de Aquino: "A certeza dada pela luz divina é maior do que
a dada pela luz da razão natural" (Suma Teológica
II-II, 171, 5, obj. 3).
Conformidade entre fé e razão
E aqui chegamos ao importante ponto das relações
entre fé e ciência. É verdade que há
muitos cientistas católicos, e outros pelo menos crentes em
Deus. Mas a existência de um grande número (felizmente
não majoritário) de cientistas ateus, que tudo
pretendem explicar por razões exclusivamente naturais,
impressiona certas almas levianas. Ora, Deus se revela aos homens de
duas maneiras: pelas Sagradas Escrituras e pela obra da Criação.
E obviamente não pode haver contradição entre
ambas, como mais uma vez explica o Concílio Vaticano I: "Muito
embora a fé esteja acima da razão, nunca pode haver
verdadeiro desacordo entre ambas: o mesmo Deus, que revela os
mistérios e anuncia a fé, acendeu no espírito
humano a luz da razão. Deus não pode negar-Se a Si
próprio, nem a verdade pode jamais contradizer a verdade"
(Denzinger-Schönmetzer no 3017). Doutrina aliás
repetida no recente Catecismo da Igreja Católica (no
159).
Assim, aos órgãos da mídia que
ecoam a arrogância dos cientistas ateus, nossa resposta deve
ser a increpação de São Paulo aos pagãos,
já várias vezes citada nesta coluna, "O que se
pode conhecer de Deus é-lhes manifesto, porque Deus lho
manifestou. Porque as coisas invisíveis dele, depois da
criação do mundo, tornaram-se visíveis; e assim
o seu poder eterno e a sua divindade; de modo que são
inescusáveis" (Rom 1, 19-20).
Quer dizer, é tão manifesta a existência de Deus pelas
obras da Criação, que os cientistas ateus têm
culpa por seu ateísmo e suas funestas conseqüências
— inexcusabiles sunt — e dele prestarão contas no
dia do Juízo Final.
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