A Perspectiva Apocalíptica de Perfeição
Nos
escritos do apóstolo Paulo, a palavra perfeição aparece muito
frequentemente (Rom. 12,2; 1Cor. 2,6; 13,10; 14,20; Ef. 4,13; Fil.
3,12,15; Col. 1,28; 3,14; 4,12).
Embora ele use o termo com diferentes
formas de significado, uma característica suprema permanece no uso de
Paulo da palavra: a plenitude do estado redentor dos crentes em Cristo
Jesus.
Paulo chama os crentes de “santos” e “perfeitos” em consequência
de receberem o pleno dom da obra redentora de Jesus Cristo.
A redenção de Cristo na sua
plenitude é distinguida no Novo Testamento por dois aspectos ou fases: a
salvação presente de justificação e santificação pela fé em Cristo de
um lado, e a futura salvação de glorificação no segundo advento de Jesus
Cristo de outro lado.
Como o conceito do Reino de Deus, assim também a
perfeição é um dom presente e uma realidade; contudo, em um outro
sentido, isto é uma promessa a ser cumprida somente no estabelecimento
final do reino da glória.
Esta distinção dúplice Paulo aplica também ao
conceito dos crentes como filhos de Deus. Em Rom. 8,14, ele assegura aos
cristãos que eles já se tornaram “filhos de Deus”, desde que eles são
guiados pelo Espírito Santo. “Pois todos os que são guiados pelo
Espírito de Deus são filhos de Deus.”
Então Paulo esboça esta
segurança redentora presente, dizendo: “Quando nós clamamos: ‘Aba!
Pai!’, é o próprio Espírito dando testemunho com o nosso espírito de que
somos filhos de Deus”. (v. 15-16). Contudo, quando o apóstolo trata
sobre a glória futura a nos ser revelada, ele faz a notável afirmação de
que nós, enquanto temos o Espírito Santo, “gememos em nosso íntimo,
aguardando a adoção de filhos, a redenção do nosso corpo.” (Rom. 8,23).
O relacionamento entre Deus e o
crente como Pai e filho, em consequência, é tanto uma realidade
presente, em um sentido real, como uma realidade futura, em outro
sentido.
A diferença é determinada pelo significado dos dois adventos de
Cristo. O mesmo princípio se aplica ao uso de “perfeição” com o
apóstolo Paulo.
Por um lado, ele pode dizer que os crentes em Cristo são
perfeitos n´Ele e podem crescer juntamente em um Corpo perfeito ou
espiritualmente maduro. (Col. 1,28; 3,14; 4,12; Ef. 4,13; Fil. 3,15;
1Cor. 14,20).
Por outro lado, Paulo enfatiza que a perfeição final ainda
não chegou e ainda é futura (1Cor. 13,10). Somente a glória do segundo
advento de Cristo aniquilará toda imperfeição.
Deste modo, o apóstolo tenta
corrigir as ideias daqueles crentes em Corinto que focalizavam
unilateralmente toda a sua atenção sobre o primeiro advento de Cristo,
pensando que a perfeição final já poderia ser experimentada nesta vida, e
até se jactavam acima dos outros crentes (1Cor. 4,6-8).
Para os tais, a
esperança da ressurreição dos mortos era irrelevante e supérflua, desde
que para eles a ressurreição “já era passada”, o que eles provavelmente
explanavam como uma experiência espiritual recebida no batismo (2Tim.
2,18). Isto levou o apóstolo a escrever um capítulo elaborado (1Cor. 15)
sobre o significado da futura ressurreição dos mortos para o benefício
daqueles crentes os quais diziam que “não há ressurreição dos mortos”
(v. 12).
Quando Paulo ouviu que em uma
outra igreja da Grécia, em Tessalônica, o erro estava exposto de que
também a segunda vinda de Cristo, o dia do Senhor, não devia ser
considerada como uma futura realidade, mas já tinha acontecido, ele lhes
escreveu especificamente sobre a futura realidade da “vinda de nosso
Senhor Jesus Cristo e da nossa reunião com Ele” (2Tess. 2,1).
Esta tendência de espiritualizar
as realidades redentoras futuras da Ressurreição e do Segundo Advento
em alguma presente experiência espiritual foi a influência fatal do
Gnosticismo que evidentemente tinha feito sua invasão na igreja
primitiva.
Este assim chamado Gnosticismo
Cristão foi caracterizado ademais por sua desvalorização do bem-estar
físico e moral dos crentes. Tanto o extremo ascetismo quanto a
licenciosidade moral foram propagados como o caminho da perfeição ou
liberdade perfeita e amor perfeito.
Ademais, contra o jactar-se em
sua conduta imoral (1Cor. 5,1-6), o apóstolo enfatizou que “o corpo não é
para a impureza, mas para o Senhor” (1Cor. 6,13), lembrando-os: “O
vosso corpo é santuário do Espírito Santo, que está em vós, o qual
tendes da parte de Deus, e que não sois de vós mesmos. Porque fostes
comprados por preço. Agora, pois, glorificai a Deus no vosso corpo.”
(1Cor. 6,19-20).
Paulo elevou o corpo humano como
uma boa e santa criação de Deus, que deve ser consagrado ao serviço de
Deus. Em contraste com aqueles cujo “deus é o seu ventre e a glória
deles está na sua infâmia, visto que só se preocupam com as coisas
terrenas” (Fil. 3,19), Paulo explicitamente renunciou toda a justiça
própria ou perfeição (v. 8-12).
Buscando sua justiça exclusivamente em
Cristo, ele contemplava a sua final perfeição na ressurreição dos mortos
(Fil. 3,11). “Não que eu o tenha já recebido ou tenha já obtido a
perfeição; mas prossigo para conquistar aquilo para o que também fui
conquistado por Cristo Jesus.” “Pois a nossa pátria está nos céus, de
onde também aguardamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo, o qual
transformará o nosso corpo de humilhação, para ser igual ao corpo da sua
glória, segundo a eficácia do poder que ele tem de até subordinar a si
todas as coisas.” (Fil. 3,12, 20-21).
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