“O ser humano é um ser desejante ilimitado. Mas “quem
preenche esse vazio profundo dentro de nós? Qual é o objeto adequado ao
nosso desejo infinito, que nos satisfaz e nos traz descanso? Por que
quero o infinito e só encontro o finito? Quero o ilimitado, a
totalidade, e só encontro fragmentos? Aqui se revela o ser humano como
um ser protestante e insatisfeito.
Quando o Credo diz
que o Deus encarnado (Cristo), ao morrer, foi aos infernos, significa
que ele desceu até aquela dimensão na qual estamos absolutamente
sozinhos, para onde não podemos levar ninguém, sequer a pessoa amada: é o
momento pessoalíssimo da nossa morte. Se ele desceu até lá foi para nos
dizer: “Mesmo que você vai até o inferno, eu estou com você. Você não vai sozinho, eu vou junto.” Se ele desceu tão fundo – transdescendência -, pode subir para o mais alto – a transcendência.
Ao
mergulhar dentro da fragilidade humana, Deus uniu, na encarnação,
transcendência e imanência. Então, Deus desceu, desceu para o mais
baixo. E a atitude mais grandiosa do ser humano na leitura cristã é
vergar-se como o bom samaritano sobre o outro caído. É o amor que desce.
Não devemos nos abaixar diante de ninguém, menos ainda cair de joelhos.
Só podemos fazê-lo, sem perder a dignidade, inclinando-nos diante do
caído na estrada, para elevá-lo e resgatá-lo.
Essa transdescendência se
ordena à transcendência e salvaguarda a sanidade da transcendência.
Atrás do caído se esconde o próprio Deus, pois, no entardecer da vida,
seremos julgados não porque tivemos transcendência e comungamos muitas
vezes, não porque obedecemos a todos os dogmas e nos filiamos às
igrejas, ou porque fomos bons dizimistas ou cidadãos honrados. Não
seremos julgados por nada disso.
Seremos julgados por aquele mínimo de
amor que tivermos tido pelo sedento, pelo nu, pelo faminto.
Quem assumiu
essa transcendência escuta as palavras benditas: “Vinde. Herdai o
reino.” Por isso, para o cristianismo, o importante não é a
transcendência nem a imanência.
É a transparência, que é a presença da
transcendência dentro da imanência.
Não é a epifania, o Deus que vem e
se anuncia. É a diafania, o Deus que, de dentro, emerge para fora, de
dentro da realidade, do universo, do outro e do empobrecido.
Portanto,
a singularidade do cristianismo está na transparência desse homem
concreto, Jesus de Nazaré, homem como nós, que morreu não num acidente
de estrada na Palestina, mas morreu na cruz, num processo de
insurgência, porque tomou partido dos pobres, dos humildes,
transparência que permite captar a transcendência divina.
Ele
internalizou a experiência ao dizer: “Você é filho, você é filha de
Deus.
Em você se encontra o absoluto. E por isso, ao amar o outro, você
ama a Deus, e o amor a Deus e o amor ao próximo são um amor só, são um
movimento só.”
Nada
mais grandioso que tal estado de consciência.
A transparência é poder
ver no outro Deus nascendo da profundidade de seu coração. Essa é a
singularidade do cristianismo (…)
Nenhum comentário:
Postar um comentário