DOMINGO XIV COMUM Ano B
"Que sabedoria é esta que Lhe foi dada e os prodigiosos milagres feitos por suas mãos?." Mc 6, 2
Abertos às surpresas
Às vezes o que está mais próximo é o que mais nos surpreende. Quantas
pessoas não nasceram e cresceram junto de maravilhas como o Mosteiro
dos Jerónimos ou a Torre dos Clérigos, não esquecendo tantas outras
obras e lugares belíssimos do nosso país, e ficam admirados com os que
vêm de longe para os visitar. Como se fosse necessária uma certa
distância para melhor reconhecer os milagres! É o que sucede com as
pessoas: habituamo-nos a estar ao lado, sem viver cada momento como
único, e depois, acontece a distância de uma doença ou da morte que traz
um vazio imenso.
Deve ter sido tão humano e natural o crescimento de Jesus em Belém!
Ou talvez habituados ao costume de só valorizar o que “vem de fora”, os
conterrâneos de Jesus não tivessem olhos e ouvidos para o milagre
daquele homem que era também Deus.
O Deus conosco a amar muito esta
vida. E ainda que se admirassem com a sua sabedoria e com as suas mãos
milagrosas, olharam-no como uma aberração e cheios de desconfiança.
Podemos ser tão duros assim diante de um Deus que se aproxima e da
salvação que muda a vida de tantos?
José Maria Mardones, um religioso
escritor espanhol tem um livro com um título “duro”: “Matar os nossos deuses: Um Deus para um crente adulto” e diz na introdução: “Deus
nem sempre é um elemento que eleva, potenciador, libertador da pessoa.
Pelo contrário, à volta da sua imagem acumulam-se medos, terrores,
cargas morais, repressões ou encolhimentos vitais. Não, Deus nem sempre é
uma força que desate os nós, liberte das cadeias, faça mais leve o peso
da vida ou eleve as pessoas acima das miserias existenciais e
quotidianas. Às vezes Deus é uma carga pesada, muito pesada.” .
Não podemos mudar os olhos mas sim o olhar, nem trocar de ouvidos mas
ouvir melhor.
E será verdade que os preconceitos e rótulos que
colocamos nas pessoas também, talvez, os coloquemos em Deus?
Que imagens
de Deus enchem o pensamento e o coração mais do que a maravilha da
proximidade de Deus em Jesus Cristo?
O hábito e o acomodamento atrofiam a
capacidade de acolher a radicalidade de Deus vir até nós. Na sua
profunda humanidade e na sua próxima divindade.
Descrentes da gratuidade
e da bondade, desconfiados de uma dádiva total, como podemos acolher
Jesus que quer dar-se totalmente a cada pessoa?
Como acreditar na
possibilidade de milagres que nos transformam em filhos de Deus e em
irmãos? Sem abertura à surpresa, às surpresas amorosas do nosso Deus,
não ficaremos como os de Nazaré, fechados e convencidos de que tudo tem
de ser assim, calculado e medido, sem rasgos de um amor maior?
P. Vítor Gonçalves
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