Ao
falar da conformação com o Senhor Jesus, tocamos o que talvez seja o
coração da vida cristã.
Como discípulos de Jesus nossa máxima aspiração é
ser com Ele. Não se trata somente de procurar imitar suas condutas, mas
sim de fazer nossos seus sentimentos, pensamentos e ações.
Configurarmos-nos com Ele é, pois, nos abrir desde o mais profundo de
nossa realidade a ação do Espírito Santo para que nos transforme
interiormente segundo a medida de Cristo, o Senhor.
A espiritualidade busca
encarnar na própria existência este horizonte da vida cristã vivendo
intensamente o caminho da piedade filial. Sabemos bem que o mesmo Senhor
Jesus nos deixou sua Mãe na Cruz, e nos convida a ama-la com seu mesmo
amor. É este um belo caminho pelo qual vamos sendo conduzidos pela
força do Espírito, da mão de Maria, a um encontro mais pleno com o
Senhor Jesus. Vemo-nos, pois, remitidos ao essencial da ação da graça
que irá nos convertendo cada vez mais até que encarnemos esse
apaixonante horizonte que expressa o Apóstolo quando diz: “Já não sou eu
que vivo, mas é Cristo que vive em mim.” (1)
O dom do Batismo
Como cristãos nosso caminho de
conformação com o Senhor Jesus começa quando recebemos o dom do Batismo.
Nem sempre somos conscientes da grande benção que é ter sido batizados.
Este sacramento realmente nos transformou interiormente. Passamos da
morte para a vida. Somos feitos participantes, de um modo misterioso mas
absolutamente real, da mesma Morte do Senhor Jesus – para morrer ao
pecado e todas as suas obras- e da sua gloriosa Ressurreição, recebendo
assim o dom da filiação divina, feitos novas criaturas nEle.
O Batismo, ensina o Catecismo, perdoa
todos os pecados (2), “faz também do neófito “nova criatura” (2Cor
5,17), um filho adotivo de Deus (cf. Gl 4, 5-7) que foi feito
“participante da natureza divina” (2Pe 1,4), membro de Cristo (ver 1 Cor
6,15; 12,27), co-herdeiro com Ele (Rm 8,17) e templo do Espírito Santo
(cf. 1 Cor 6,19)” (3), e nos incorpora à Igreja, Corpo Místico de
Cristo. A pessoa humana, pois, encontra nas águas do Batismo a fonte da
vida nova na que bebe sua verdadeira identidade.
Como disse São Gregório
de Nissa: “Nos enterremos com Cristo pelo Batismo, para ressuscitar com
Ele; descendamos com Ele para ser ascendidos com Ele; ascendamos com
Ele para ser glorificados com Ele” (4).
Este maravilhoso chamado a uma vida
plena desde nosso Batismo se vê muitas vezes ofuscado, postergado por
nosso pecado e fragilidade. Por isso é bom que nos deixemos questionar
pela força interpelante de São Paulo: “Ou não sabeis que todos os que
fomos batizados em Cristo Jesus, é na sua morte que fomos batizados?
Portanto pelo batismo nós fomos sepultados com ele na morte para que,
como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim
também nós vivamos vida nova (…) Assim também vós considerai-vos mortos
para o pecado e vivos para Deus em Cristo Jesus.”(5)
O que significa viver essa vida nova?
Como fazê-lo no dia a dia? Ao dom recebido em nosso Batismo, corresponde
uma resposta generosa de cada um de nós. A vida cristã, neste sentido, é
o desenvolvimento da semente de vida eterna que se planta no coração do
cristão no sacramento batismal. Constantemente somos alentado e
fortalecidos pela graça do Senhor para avançar por esse caminho de vida
verdadeira, que não é outro que nos configurarmos com o Senhor Jesus.
Contudo, sabemos bem que devemos travar um combate espiritual. Sem uma
livre opção por abrir o coração a essa força divina, sem a qual nada
podemos, não avançaremos. É indispensável nossa resposta generosa e
sustentada, como dizia o Papa João Paulo II: “A efusão do Espírito no
Batismo introduz o crente como ramo na videira que é Cristo (cf. Jo 15, 5), constitui-o membro do seu Corpo místico (cf. 1 Cor 12, 12; Rom
12, 5). Mas a esta unidade inicial, deve corresponder um caminho de
assimilação progressiva a Ele que oriente sempre mais o comportamento do
discípulo conforme à “lógica” de Cristo: « Tende entre vós os mesmos
sentimentos que havia em Cristo Jesus » (Fil 2, 5). É necessário, segundo as palavras do Apóstolo, « revestir-se de Cristo » (Rom13, 14; Gal 3, 27).” (6)
Viver no Senhor Jesus
Já que ser cristão significa antes de
tudo viver em Cristo Jesus e com Ele viveu, talvez a primeira exigência a
qual estejamos convidados é a de conhecer cada vez mais ao Senhor
Jesus. “Não se pode amar aquilo que se ignora” diz Santo Agostinho. E é
verdade. Se quisermos nos conformar com Jesus, se queremos amá-lo cada
vez mais, devemos buscar conhecê-lo cada vez mais.
Contudo, de que conhecimento se trata?
Certamente, não de um que se limite a dimensão meramente intelectual, ou
emocional ou a um redutivo ativismo. É mais, um conhecimento integral,
no e desde o amor: “e quem me ama será amado por meu Pai. Eu o amarei e
me manifestarei a ele” (7).
Conhecer Jesus é encontrar-se com Ele,
porque Ele está vivo. Não é algo que alguém conhece; é Alguém com quem
se encontra. E como podemos ver nos testemunhos evangélicos, é um
encontro que muda a vida para sempre.
O que podemos fazer para seguir
aprofundando nesse caminho de conformação com o Senhor Jesus?
Sem
pretender esgotar as múltiplas ocasiões que a vida cristã nos oferece
para avançar neste horizonte, sinalizemos alguns elementos fundamentais.
Em primeiro lugar, buscar com reverência
e constância os Sacramentos, particularmente o Sacramento da
Eucaristia. Ali encontramos ao próprio Senhor Jesus, realmente presente,
que nos espera e nos convida a entrar em comunhão com Ele (8).
É, pois,
um canal de graça inesgotável, fonte da verdadeira vida. Para isso
devemos estar adequadamente preparados, buscando o Sacramento da
Reconciliação, e procurando viver em estado de graça. Ao mesmo tempo, a
Adoração Eucarística é ocasião privilegiada para crescer nesse amoroso
encontro configurante com Jesus Eucaristia.
Em segundo lugar, a leitura e meditação
da Palavra de Deus. A Igreja nos convida a ler a Sagrada Escritura no
mesmo espírito com que foi escrita (9), ou seja, abertos à ação do
Espírito Santo que inspirou a escritura dos livros sagrados. Esta
leitura se da sempre sob a guia da Tradição e do Magistério da Igreja.
Deste modo, a meditação da Escritura é lugar de encontro com o Verbo de
Deus, o único que tem palavras de vida eterna (10).
Em terceiro lugar, nos esforçarmos em
cultivar nosso amor filial a nossa Mãe Maria. A piedade filial é sempre
cristocêntrica, tem a Jesus como centro, pois vem de Jesus e nos conduz a
uma configuração mais plena com Ele. Todo exercício de amor filial é,
por tanto, sempre uma ocasião concreta de encontro com o Senhor. E é que
nossa Mãe nunca deixará de nos educar e guiar ao encontro do seu Filho:
“Fazei tudo o que ele vos disser” (11).
Finalmente, em tudo quanto façamos em
nossa vida cotidiana temos a ocasião de nos colocarmos na presença de
Deus, procurando nos abrir a sua graça para que informe nossos
pensamentos, sentimentos e ações, e desta forma possamos oferecer-lhe o
fruto de nossa vida e apostolado. Neste sentido, o Papa Bento XVI, se
fazendo eco da exortação paulina, nos convida “a ter os mesmos
sentimentos que tinha Jesus, conformar nossa maneira de pensar, de
decidir, de atuar com os sentimentos de Jesus” (12). O encontro com o
Senhor Jesus, a configuração com Ele, nos leva a dar testemunho d’Ele
com toda nossa vida.
Aprender de Maria
Neste caminho de transformação interior
recorramos sempre à intercessão maternal de Maria nossa Mãe. Ela melhor
que ninguém pode nos educar e guiar no caminho da conformação com se
Filho. Neste tempo em que gozosos celebramos com a Igreja universal a
beatificação do Papa João Paulo II, aprendamos de seu testemunho vital,
do qual o então Cardeal Ratzinger disse: “O Santo Padre (João Paulo II)
encontrou o reflexo mais puro da misericórdia de Deus na Mãe de Deus.
Ele, que tinha perdido a sua mãe quando era muito jovem amou ainda mais a
Mãe de Deus. Escutou as palavras do Senhor crucificado como se
estivessem dirigidas a ele pessoalmente: “Eis a tua mãe!” (Jô 19, 27): Totus tuus. E da mãe aprendeu a conformar-se com Cristo” (13).
CITAÇÕES PARA MEDITAR
- Conformar-nos com o Senhor Jesus é a fonte da vida verdadeira: Jo 14,6; Rm 8,9-11; Gl 2,20
- O Batismo e o dom da filiação adotiva: Jo 3,1-21; Rm 6,1-11; 8,15-17; Gl 4,4-7
- Vida nova em Cristo: Ef 4,21-24; Col 2,6-8; 3,1-4
- A amorização caminho de conformação com o Senhor Jesus: Jo 19,25-27
- Conhecer ao Senhor Jesus: Jo 12.20-21; 14,6-10.21; 17,3; 2Pe 3,18
PERGUNTAS PARA REZAR
O que significa estar chamado a conformar-se com o Senhor Jesus?
- Qual é a importância do Batismo no meu caminho de configuração com Jesus?
- O que posso fazer na minha vida diária para viver mais a conformação com o Senhor?
- Como posso aprofundar minha devoção eucarística? O que posso fazer para meditar melhor na Palavra de Deus?
- Que dificuldades encontro para viver um amor filial mariano mais
intenso? O que posso fazer para crescer nesse caminho de amorização?
[2] Cf.
Catecismo da Igreja Católica, 1263
[3] Catecismo da Igreja Católica, 1265
[4] São Gregório de Nissa, Orat. 40,9
[12] S.S. Bento XVI,
Audiência geral, 26/10/2005
[13] Cardeal Joseph Ratzinger, Homilia na Missa de exéquias do falecido Pontífice João Paulo II, 08/04/2005
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