Meditação para o Avento
Primeira Semana
«Vigiai e orai em todo o tempo »
A promessa de um Messias que trará a
reconciliação e a paz à humanidade é muito antiga. Encontramos a
primeira promessa na própria cena da queda do pecado original: «Porei
inimizade entre ti e a Mulher, entre tua linhagem e sua linhagem: essa
pisará tua cabeça e tu lhe ferirá o calcanhar» (Gen 3, 15). Chamamos esta passagem de protoevangelho, quer dizer, o primeiro anúncio da Boa Nova.
Para cumprir aquela antiga promessa Deus
formou e preparou um povo no transcurso da história. Por meio do
profeta Jeremias (aprox. 650 a. C.) anunciou que faria brotar deste
povo um “rebento de justiça” (1ª leitura), descendente de Davi,
o grande rei de Israel (aprox. 1010-970 a.C.). Ele exerceria a «justiça
e o direito nas terras», trazendo a salvação a Judá e a segurança a
Jerusalém.
No Senhor Jesus se cumprem as profecias.
Ele é o descendente da Mulher. Aquele que por sua Cruz e Ressurreição
pisou na cabeça da serpente, venceu o Demônio e quebrou seu domínio,
recriando e reconciliando o ser humano com Deus, consigo mesmo, com seus
irmãos humanos e com toda a criação. Ele é aquele “Rebento de justiça”
da descendência de Davi que em sua primeira vinda trouxe a salvação à
humanidade inteira.
No Evangelho do 1º Domingo do Advento o Senhor
Jesus anuncia a seus discípulos que no fim dos tempos voltará novamente
com glória «verão o Filho do Homem vir em uma nuvem, com grande poder e
glória». Esperando este acontecimento final da história da humanidade,
cujo momento Jesus afirma rotundamente que ninguém sabe nem o dia nem a
hora, o Senhor exorta-nos a estarmos sempre vigilantes e perseverantes
em oração para não desfalecermos, para podermos suportar o rigor daquele
dia, podermos permanecer «em pé diante do Filho do homem» e sermos
encontrados justos em sua presença.
Esta perspectiva pode inspirar terror. Contudo, as palavras do Senhor são também sumamente animadoras: «Quando estas coisas começarem a acontecer, erguei-vos e levantai a cabeça, porque a vossa libertação está próxima.» Por
libertação ou redenção o Senhor quer indicar a ação poderosa de Deus na
história da humanidade para resgatar seus eleitos. Aproxima-se, pois, o
triunfo definitivo de Deus, a libertação final e o resgate de todos os
seus eleitos.
Depois deste anúncio o Senhor nos exorta também à vigilância: «Tenham cuidado: que seus corações não se entorpeçam pela devassidão, pela embriaguez e pelas preocupações da vida».
O discípulo deve exercer uma contínua vigilância sobre si mesmo, sobre
seu “coração”, sobre suas condutas morais. Para exercer esta vigilância é
necessário examinar-se continuamente, aplicar-se consigo mesmo sem
esmorecer. A que devemos estar atentos? A que o próprio coração não se
embote e se torne pesado. Por “coração” na mentalidade hebréia
entendia-se a sede de todos os pensamentos e sentimentos, centro ou
núcleo de tudo aquilo que a pessoa é, de seu ser e de suas faculdades.
Deve-se cuidar para que a pessoa não se torne pesada pela craipalé, pela méthe e pelas merímnais biótikais. Antes de “excesso de comida” craipalé é traduzido como crápula, quer dizer, uma vida dissipada, libertina, entregue ao vício, dissoluta e imoral. Certamente as comilanças ou excesso de comida fazem parte dessa vida dissoluta, mas não englobam tudo o que essa expressão quer dizer. Methé é traduzido por bebedeiras, assim como merímnais biótikais por preocupações da vida, embora
preocupação, aqui, tenha a carga de ansiedade, quer dizer, uma
preocupação excessiva e talvez única por tudo o que pertence à vida e
seus assuntos.
Como o Senhor virá sem avisar, como uma
armadilha que de um momento para o outro cai inesperadamente sobre quem
anda desprevenido, é necessário “despertar” e manter-se vigilante,
atentos e preparados em todo momento. O Apóstolo Paulo exorta os
cristãos de Tessalônica nesse sentido, para progredirem e sobreabundarem
«no amor mútuo e no amor a todos os demais» (2ª leitura). Desse modo
estarão preparados para apresentar-se «diante de Deus, nosso Pai, santos
e irrepreensíveis», quando o Senhor vier com seus santos. Também exorta
os cristãos para que, tendo em vista a última vinda do Senhor, vivam
como convém viver «para agradar a Deus», e que progridam sempre mais,
segundo os ensinamentos já recebidos do Senhor.
II – LUZES PARA A VIDA CRISTÃ
Estou preparado, se hoje sobreviesse
aquele grande e terrível dia que o Senhor anuncia no fim dos tempos,
aquele dia em que Ele virá glorioso entre as nuvens? Há dois domingos
meditamos que o fim do mundo muito provavelmente seja, para mim, a hora
da minha morte. Sou consciente de que atrás da minha morte está Cristo?
Como me apresentarei diante Dele? Como estarei preparado para esse
momento crucial em que se define minha eternidade?
O próprio Senhor nos dá uma chave fundamental no Evangelho de Domingo: «Tenham cuidado: que seus corações não se entorpeçam pela vida libertina, pelas bebedeiras e pelas preocupações da vida» (Lc 21, 34). Convém revisarmos:
Meu coração se entorpeceu pela
“libertinagem”? Minha regra é fazer “o que me dá vontade”, deixando-me
levar onde minhas paixões e impulsos me levem? Tomo minha liberdade como
um «pretexto para a carne» (Gal 5, 13), depreciando a virtude
da castidade que todo cristão está chamado a viver? Faço da minha
liberdade «um pretexto para a maldade» (1 Pe 2, 16)?
Digo “sou
livre para fazer o que quero” para justificar qualquer vício ou conduta
que vá contra qualquer um dos mandamentos divinos?
Meu coração se entorpeceu pela
“embriaguez”? Beber álcool em excesso é um caminho fácil para esquecer
as penas, fugir da realidade dolorosa que não queremos enfrentar.
Quantas vezes assumo uma atitude de fuga frente ao Senhor que bate à
porta de meu coração? Quantas vezes simplesmente “não quero” me
encontrar com o Senhor e fujo de Sua Presença, fujo da oração profunda,
porque sei que o verdadeiro encontro com Cristo exige mudanças ou
renúncias que não estou disposto a assumir, que demandam despojar-me de
certas “riquezas” ou seguranças” que não quero largar? Busco viver com
alegrias e felicidades superficiais e passageiras, ou com vícios e
compensações que ao passar seu efeito não fazem senão evidenciar para
mim, mais ainda, o vazio em que vivo?
Meu coração tornou-se pesado pelas
preocupações da vida cotidiana? Quanto me deixo absorver pelas
preocupações diárias que terminam afogando a Palavra e sua eficácia em
mim? O Senhor adverte claramente sobre o efeito dessas preocupações da
vida cotidiana sobre sua Palavra semeada em meu coração: «O que foi
semeado entre espinhos, é o que ouve a Palavra, mas as preocupações do
mundo e a sedução das riquezas afogam a Palavra, e fica sem fruto» (Mt 13, 22; ver Mc 4,
19). Quantas coisas nos preocupam, talvez muito licitamente,
preocupações que sem dúvida devo atender! Mas o coração torna-se pesado
quando nos deixamos curvar e absorver por estas preocupações de tal modo
que perdemos de vista o horizonte de eternidade e deixamos de lado o
mais importante: buscar o Reino de Deus e sua justiça (ver Mt 6, 33-34).
O Advento é um tempo que nos convida a
aliviar nossos corações de tudo aquilo que tornou pesada nossa marcha
para o encontro definitivo com o Senhor. Ele vem e eu finalmente me
encontrarei com Ele. Encarar o Senhor que vem não significa de modo
algum desligar-se das realidades deste mundo, mas dar-lhes seu justo
valor e peso, assim como trabalhar para instaurar tudo em Cristo, para
construir uma civilização de Amor, na qual todos os seres humanos
caminhem para o encontro definitivo com seu Senhor.
III – PADRES DA IGREJA
São Gregório Magno: «Os
que amam a Deus se regozijam ao ver chegar o fim do mundo, porque
encontrarão em breve aquela pátria que amam, quando tiver passado aquele
mundo ao qual não se apegaram. Queira Deus que nenhum fiel que deseje
ver a Deus se queixe das provas deste mundo, já que não ignora a
caducidade deste mundo. Com efeito, está escrito: “Quem ama este mundo é
inimigo de Deus”. Aquele, pois, que não se alegra por ver chegar o fim
deste mundo é seu amigo e, portanto, inimigo de Deus. Não será assim
entre os fiéis, entre aqueles que creem que há outra vida e que
manifestam por suas obras que a amam».
São Pacômio: «Quanto a
ti, filho meu, até quando serás negligente? Qual é o limite de tu
negligência? Este ano é como o ano passado e hoje é como ontem. Enquanto
fores negligente, não haverá nenhum progresso para ti. Sede sóbrio,
eleva teu coração. Deverás comparecer diante do tribunal de Deus e
prestar contas do que fizeste em segredo e do que fizeste publicamente.
Se vais a um lugar onde se combate a guerra, a guerra de Deus, e se o
Espírito de Deus te exorta: “Não durmas neste lugar, porque há ataques”,
e o diabo sussurra: “Qualquer coisa que te aconteça, é a primeira vez,
ou se viste isso ou aquilo, não te aflijas”, não escute seus astutos
discursos… Eis aqui que aprendeste que Deus não economizou os santos de
provações. Vigia, então, sabes as promessas que fez, foge da arrogância,
arranca o diabo de ti, para que ele não te arranque os olhos de tua
inteligência e te deixe cego, de modo que não conheças mais o caminho da
cidade, o lugar onde vives. Reconhece de novo a cidade de Cristo,
dá-lhe glória porque Ele morreu por ti».
IV – CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA
2612. Em Jesus, «o Reino de Deus está perto». Ele apela à conversão e à fé, mas também à vigilância. Na oração (Mc 1,
15), o discípulo vela, atento Aquele que é e que vem, na memória da sua
primeira vinda na humildade da carne e na esperança da sua segunda
vinda na glória. Em comunhão com o Mestre, a oração dos discípulos é um
combate; é vigiando na oração que não se cai na tentação.
2730. Positivamente, o combate contra o nosso eu, possessivo e dominador, consiste na vigilância, a
sobriedade do coração. Quando Jesus insiste na vigilância, esta se
refere sempre a Ele, à sua vinda, no último dia e em cada dia: «hoje». O
Esposo chega no meio da noite. A luz que não se deve extinguir é a da
fé: «Diz-me o coração: “Procura a sua face”» (Sl 27, 8).
2733. Outra tentação, à qual a presunção abre a porta, é a acédia. Os Padres
espirituais entendem por ela uma forma de depressão devida ao
relaxamento da ascese, à diminuição da vigilância, à negligência do
coração. «O espírito está decidido, mas a carne é fraca» (Mt 26,
41). Quanto de mais alto se cai, mais magoado se fica. O desânimo
doloroso é o reverso da presunção. Quem é humilde não se admira da sua
miséria; ela leva-o a ter mais confiança e a manter-se firme na
constância.
2849. Ora um tal
combate e uma tal vitória só são possíveis pela oração. Foi pela oração
que Jesus venceu o Tentador desde o princípio e no último combate da sua
agonia. Foi ao seu combate e à sua agonia que Cristo nos uniu nesta
petição ao nosso Pai. A vigilância do coração é lembrada com
insistência em comunhão com a sua. A vigilância é a «guarda do coração» e
Jesus pede ao Pai que «nos guarde em seu Nome» (Jô, 17,11). O
Espírito Santo procura incessantemente despertar-nos para esta
vigilância. Esta petição adquire todo o seu sentido dramático, quando
relacionada com a tentação final do nosso combate na terra: ela pede a perseverança final. «Olhai que vou chegar como um ladrão: feliz de quem estiver vigilante!» (Ap 16, 15).
2863. Ao dizermos: «não nos deixeis cair em tentação»,
pedimos a Deus que não permita que enveredemos pelo caminho que conduz
ao pecado. Esta petição implora o Espírito de discernimento e de
fortaleza; solicita a graça da vigilância e a perseverança final.
V – PALAVRAS DE LUIS FERNANDO FIGARI (conforme textos publicados)
Através da atenção vigilante e outras
medidas de conhecimento próprio não é difícil estabelecer a relação
entre as ocasiões e as quedas.
Não cabe, pois, descuidar da influência
das situações em relação ao trabalho espiritual. Deve existir uma
coerência entre o trabalho – sempre sustentado pela graça – que a pessoa
realiza para abrir-se mais e mais ao desígnio divino para ela, e o
ambiente em que se vive, trabalha ou estuda e a própria estrutura de
suas atividades.
Segundo as metas do trabalho espiritual
deve-se ir modificando as circunstâncias, para favorecer e reforçar esse
trabalho decisivo sobre o destino da pessoa. Mais ainda, em um mundo
como o que nos toca viver, a pressão ambiental é uma realidade
indiscutível. Os meios de comunicação e as próprias situações da vida
estruturam-se de acordo com certos padrões que usualmente expressam
opções de uma cultura de morte, com toda a sua carga anticristã
explícita ou subliminar. Não poucas formas e relações sociais expressam
esta mesma carga sutilmente sob aparências de tratamento ou outras mais
sofisticadas».
Assim, pois, o exemplo testemunhal de
Maria aparece claro para seus filhos, peregrinos da Igreja. A vida
peregrinante dos crentes contempla a Santíssima Virgem como exemplo,
como alento, como auxílio, guia e proteção, enfim, como cordial
companhia no caminhar de esperança para o triunfo da missão, da vida.
Está claro que a qualidade de exemplar peregrina que Santa Maria teve
fala forte e claro à realidade de viandantes[1]
na qual nós, seus filhos, nos encontramos hoje. Por isso o amoroso
interesse com que buscamos conhecer e aprofundar em sua vida
paradigmática, assim como participar em sua intimidade a partir do
impulso filial que Jesus nos dá da Cruz, e acolher-nos sob a sua guia
maternal e poderosa intercessão. Tudo isso cria um admirável consórcio
entre nossa Mãe e cada um de seus filhos, que assim a veem e amam. Essa
comunhão com Maria nos leva a sentir que caminha junto conosco, que nos
guia e ajuda vigilante, que nos cobre com seu manto virginal e, por sua
infatigável intercessão, nos defende das insídias do inimigo. Mãe nossa,
boa conhecedora do dinamismo peregrinante, acompanha-nos buscando
ajudar para que nossa própria peregrinação responda à missão pessoal que
o Plano de Deus contempla, para que assim possamos encaminhar-nos
melhor para a vida plena e eternamente feliz, com a força da graça.
[1] Viandante – o que viaja, peregrino.
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