Escolhidos
e Predestinados?
João 15,16
Efésios 1,3-6
Toda
vocação é, essencialmente, uma iniciativa de Deus, assim como toda a obra de
Redenção é iniciativa do Amor de Deus: nós amamos porque ele nos amou primeiro
(1 Jo 4,19).
A prova de
que Deus nos ama é que Cristo morreu por nós, quando éramos ainda pecadores (Rom
5, 8). Ele deu tudo “antes”, sempre dá tudo antes.
A nossa
vocação cristã é um dom do Amor de Deus, um dom eterno, prévio: Bendito seja o
Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos abençoou com toda bênção
espiritual nos Céus, em
Cristo. Nele, Deus nos escolheu, antes da criação do mundo, para
sermos santos e íntegros diante dele, no amor […]. Ele nos predestinou a adoção
como filhos, por obra de Jesus Cristo, para o louvor da sua graça gloriosa (Ef
1, 3-6).
Bento
XVI comenta esse pensamento, dizendo: “O primeiro gesto divino, revelado e
concretizado em Cristo, é a eleição dos que crêem, fruto de uma iniciativa
livre e gratuita de Deus […]. Comovo-me ao meditar esta verdade: desde toda a
eternidade, estamos diante do olhar de Deus e Ele decidiu salvar-nos. E esta
chamada tem como conteúdo a nossa santidade” (Audiência geral, 6/7/2005).
A nossa
vocação para a vida Consagrada, ratificada em um Carisma, é também um
dom, um grande dom eterno e gratuito do Amor de Deus. A vocação dos Apóstolos
mostra isso de maneira clara.
Todos eles
são “surpreendidos” por Cristo, que os procura e chama – “Não fostes vós que me
escolhestes…” (Jo 15,16); e lhes faz ver que os tinha escolhido desde toda a
eternidade (por exemplo: mal vê Simão, irmão de André, fala-lhe como que a um
conhecido íntimo, e lhe dá o nome novo que trazia desde sempre no coração, Cefas”
( Jo 1, 42).
Neste
sentido, São Paulo, usando uma expressão já clássica entre os Profetas do Antigo
Testamento, falará da sua vocação, dizendo: “Mas quando aprouve àquele que me
reservou desde o ventre de minha mãe, e me chamou pela sua graça…” (Gal 1, 15).
Essa vocação é, por definição, um “seguimento”, consiste em seguir a Cristo: “Segue-me”
(cf. Mt 9,9; Mc 1,17; Luc 18, 22, etc.).
A resposta
à chamada divina é o início de uma nova vida: todos os planos anteriores ficam
para trás, definitivamente –“Abandonaram a barca e seu pai e o seguiram” (Mt
4,22); “Atracando as barcas à terra, deixaram tudo e o seguiram”(Mt 4,20); [Levi], deixando tudo, levantou-se e o seguiu
( Mt 5, 26), etc.).
A partir do
momento em que correspondem à vocação, já não há planos pessoais, nem há um
roteiro pré-estabelecido por Cristo, que vá servir de pauta detalhada para o
novo caminho da vida.
O caminho
é o próprio Cristo, dia a dia, e o roteiro são, em cada momento, os seus passos. “Eis
que nós deixamos tudo para te seguir” – dirá Pedro. Que haverá então para nós? Pedro
não sabia o que viria, nem Cristo lhe explicou com detalhes. Jesus disse-lhe
apenas que não ficaria sem nada, mas teria os cem por um”( cf. Mt 19, 9).
E, na hora
da grande crise, após o discurso do Pão vivo, quando muitos abandonam o Senhor,
Jesus também não explica nada aos Apóstolos desconcertados. Limita-se a
pedir-lhes de novo confiança na chamada, abandono e entrega total em suas mãos:
“Vós também quereis ir embora?” – diz-lhes. E Pedro responde: “Senhor, a quem
iríamos nós? Tu tens palavras de vida eterna, e nós cremos e sabemos que tu és
o Santo de Deus” (Jo 6, 67-69).
A
fidelidade à vocação tem, pois, essas características inequívocas:
-é uma resposta confiante, baseada
na fé, mesmo que tudo fique na escuridão;
-é uma renúncia total à “vida própria” e às
“coisas próprias”;
-é a disposição de seguir Jesus
aonde quer que vá (Mt 8,19), sem “roteiro prévio”, sem “seguro de imprevistos”,
sem “condições”, coisa que Jesus, hiperbolicamente, expressa a um que queria
segui-lo - “ Um dos seus discípulos disse-lhe: “Senhor, deixa-me ir primeiro
enterrar meu pai”. Jesus, porém, respondeu: “Segue-me e deixa que nos mortos
enterrem seus mortos” (Mt 8, 21-22).
A fidelidade, a correspondência à vocação, só
pode ser entendida através dessa “ótica evangélica”. Haverá sempre – como
veremos depois – a tentação de aplicar à vocação e às dificuldades ou problemas
que o caminho da vocação apresenta uma “ótica humana”, análoga à ótica com que
se analisam os problemas relativos a escolhas meramente mundanas (por exemplo,
a escolha de profissão, do tipo de lazer, de hobby, etc.); ou, então, a
tentação de buscar nas ciências humanas (psicologia, sociologia, etc.) a
resposta aos problemas que se experimentam no caminho vocacional, respostas que
só podem ser alcançadas pela fé e pelo amor, ou seja, respostas que só Deus nos
pode dar.
Pe.Emílio Carlos+
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