Retiro Pessoal Mensal
Setembro / 2013
Uma vida interior
1. Uma vida interior intensa é fruto do Espírito Santo
A vida interior é ao mesmo tempo
exigente e extremamente plenificadora.
É comunhão com Deus, no Senhor
Jesus, pela força do Espírito Santo. É antes de mais nada, fruto da graça, um
dom de Deus, que nos convida a uma cooperação ativa e decidida.
Ela requer que assumamos a nossa
parte, que lutemos com fidelidade e constância, para erradicar das nossas vidas
tudo que rompe ou impede esta desejada comunhão, acolhendo a ajuda divina, e
que cultivemos positivamente uma vida de fé, de virtude, de oração, de comunhão
sacramental, de amor a Deus, e de coerência efetiva em nossas ações.
Cooperando assim com a graça
divina, somos chamados a crescer em uma comunhão de pensamento, de sentimento e
de ação com Deus, uma comunhão que nos realiza, nos plenifica e nos leva a uma
mudança, a partir desta riqueza espiritual, a uma transformação autêntica do
mundo, a partir da caridade divina, segundo o Plano de Deus.
Uma vida interior intensa é fruto
do Espírito Santo, que é o Senhor e Doador da Vida. É Ele quem nos vai
configurando com o Senhor Jesus. Ao dizer vida, dizemos vitalidade, e a vida no
Espírito Santo é fé ardorosa, esperança e amor. Crescer nela alimenta nossa
mente e nosso espírito, nos vivifica.
2. Aprender a ver a realidade com
os olhos de Deus
Portanto, com as luzes do
Espírito, devemos trabalhar em primeiro lugar para ter uma fé profunda na
mente, que não é outra coisa, senão ir aprendendo a olhar e entender a
realidade com os olhos de Deus, interiorizando os critérios da fé, reconhecendo
o sentido das realidades e situações distintas, à luz do plano de Deus e
examinando nossa própria vida com uma visão de fé. Para crescer nesta dimensão
da nossa vida interior, é imprescindível que estudemos, que entendamos, e que
façamos nossos, os critérios da fé que encontramos na Sagrada Escritura, nos
documentos do Magistério – iniciando pelo Catecismo da Igreja – e nos ricos
textos que formam parte da Tradição e da nossa própria espiritualidade.
Cultivar nossa vitalidade
interior com a fé na mente nos ajuda a apreciar o quanto Deus faz por nós no
dia a dia de nossas vidas, nos afasta da superficialidade e do autoengano, nos
dá critérios para nos entendermos a nós mesmos à luz do Senhor Jesus, enriquece
nossa capacidade de reflexão, e nos prepara para ajudar melhor aos nossos
irmãos e para conduzir as nossa vidas, respondendo a nossa vocação segundo o
plano de Deus.
3. Ser amigos do Senhor Jesus
O mais importante para nossas
vidas é amar a Deus sobre todas as coisas, e ao próximo como a nós mesmos.
O amor é a essência de toda nossa
vida. Conscientes de que o amor autêntico é aquele que foi derramado em nossos
corações pelo Espírito Santo, nossa vida interior deve ser antes de tudo amor a
Deus, Pai, Filho e Espírito Santo. Somente Deus é capaz de saciar a nostalgia
de infinito que se instala no fundo de nossos corações.
Nossa vida interior deve ser uma
oração contínua, um habitual estar na presença de Deus e em comunhão com Ele ,
em toda ocasião, e de modo particular nos momentos imprescindíveis de oração
intensa. Assim como pela fé na mente, aprendemos a nos ver e a ver a realidade
com os olhos de Deus, através da fé no coração e graças a um tratado de amizade
freqüente com Deus, buscamos aprender cada vez mais a sentir com o Senhor
Jesus, a ter uma unidade de vontade com Ele, a descobrir como nosso alimento e
nossa felicidade estão em cumprir o Plano de Deus.
A oração é o caminho para que a
amizade com o Senhor Jesus seja realmente o centro de nossas vidas e para que
nos deixemos ir se configurando com Ele.
Esta comunhão de sentir e querer
com o Senhor Jesus só é possível pela graça do Espírito Santo, que é quem nos
faz filhos de Deus e se une a nossa oração para que possamos clamar ”Abba, Pai”.
Não podemos jamais descuidar da nossa vida de graça. Nossa vida interior
necessita que nos despojemos de tudo que nos afaste de Deus, todo lastro de
pecado e ruptura. E por isso mesmo, necessitamos do auxílio dos sacramentos, em
especial que procuremos com regularidade o Sacramento da Reconciliação e que
nos alimentemos com o Pão da Vida Eterna, que é o mesmo Senhor Jesus na
Eucaristia. Só assim poderemos ir avançando nesse morrer a tudo que é morte,
para viver quem é a própria Vida.
4. De mãos dadas com Santa Maria
O Senhor em seu Plano quis que, para
percorrer o caminho de nossa santidade e felicidade contemos com a companhia e
intercessão maternal de Maria Santíssima, Mãe de Deus e nossa.
Contemplando-a aprendemos a ter
uma comunhão total de mente, coração e ação com o Senhor Jesus. Com o seu
exemplo de modelo, Ela nos ensina a guardar como um tesouro a Palavra de Deus,
conservando-a e meditando-a em nosso coração. Como Ela, vivamos uma vida de
oração intensa, na qual com reverencia, reconheçamos tudo quanto Deus opera
para o nosso bem. Como ela o fez em seu Magnificat, louvemos a Deus por suas
maravilhas, e não nos cansemos de agradecer suas bênçãos. Com humildade
reconheçamos nossa pequenez e fragilidade. Coloquemos nas mãos de Deus todas
nossas necessidades, cooperemos ativamente com sua graça, transformemos nossa
fé na mente e no coração em uma fé coerente na ação.
Mas, sobre tudo, a partir da mão
de nossa Santa Mãe e de seu Imaculado Coração, aprendamos a amar ao Senhor
Jesus e a viver em sintonia total com seu Sagrado Coração. E façamos nossos os
seus amores: ao Pai, no Espírito Santo, a Maria Santíssima e a todos nossos
irmãos e irmãs humanos. Só seremos santos se vivermos intensamente o amor
divino e formos coerentes com ele. Só sendo santos poderemos cooperar a partir
de nossa pequenez em mudar um mundo que morre por falta de amor.
Só a partir de uma vida interior
que respire amor e santidade poderemos transformar-nos através de uma ação
reconciliadora para a glória de Deus.
5. Com fome de Deus
Se somos sinceros conosco mesmos
e entramos em nosso interior podemos constatar uma realidade inapelável: “algo”
nos falta. E esse “algo” não é uma coisa supérflua, Melhor, experimentamos que
se trata de uma realidade essencial, fundamental, que saciaria nossa fome de
felicidade, de sentido, de infinito.
Por que “sofremos” tal realidade?
Como se explica? Como pode ser saciada? À luz da fé essa condição que toda
pessoa experimenta só pode ser entendida como fome de Deus. Ele é nosso
Criador, nos fez “a sua imagem e semelhança”, deixando sua marca em nós para
que o busquemos e, encontrando-o, sejamos felizes, encontrando o sentido de
nossa vida. Por isso nos dirá o Catecismo: «O desejo de Deus está inscrito no
coração do homem, já que o homem é criado por Deus e para Deus; e Deus não
cessa de atrair o homem a si, e somente em Deus o homem há de encontrar a
verdade e a felicidade que não cessa de procurar.».
6. O homem é uma fome
De muitas maneira em toda a sua
história e em todas as culturas o homem expressou essa fome na busca de Deus
por meio de crenças e de comportamentos religiosos. Por isso podemos dizer com
o Catecismo que «o homem é um ser religioso».
O homem tem fome de Deus e fome
de pão. Essas duas dimensões, vertical e horizontal, espiritual e material,
marcam o fundo de seu ser. Por isso se diz que o homem é um ser incompleto, que
não se deve a si mesmo, que algo lhe falta pois se experimenta vazio apesar de
ter muitas coisas. Experimenta esta realidade constantemente apesar de não
percebê-la com total claridade. É um desconforto de não poder fazer tudo o que
o seu impulso de realização deseja. E isso se deve sentir com muitíssima
intensidade, com ímpeto, com ardor, se se é verdadeiramente humano.
Se você quer ser uma pessoa
autêntica deve tomar contato com a fome que há em você e deixar que flua em sua
vida, para que possa responder adequadamente. No fundo só importa sua fome e a
resposta a essa fome. Se você não a experimenta tomando contato consigo mesmo,
se não a “sofre”, não vai poder valorizar adequadamente a resposta. E, pior
ainda, se não se apercebe dessa fome, como vai poder percebê-la em outro? Como
você vai poder fazer apostolado?
Todavia, outra pergunta também
nos pode surgir: Por que não experimento essa fome em minha vida com a
suficiente intensidade? Isto acontece porque você costuma colocar barreiras em
sua existência para não ir ao essencial. E a muralha por excelência é seu
pecado pessoal. Esse pecado não permite que você tome contato com o mais intimo
do seu ser e interprete equivocadamente seus anseios, buscando saciá-los onde
só existe vazio, quer dizer, no prazer, no poder e no ter.
7. Só a comunhão plena sacia
Assim, pois, o verdadeiro contato
com a fome de Deus deve permanecer toda a vida porque só o encontro definitivo
com Ele pode saciá-lo. Por isso nos dirá Luis Fernando que «o ser humano não é
um ser fechado sobre si mesmo, seu próprio ser está aberto em uma projeção de
encontro que aponta a sua plenitude no amor, no encontro e na comunhão com
Deus. É, pois, um ser aberto, mas não a um infinito abstrato e quiçá somente
ideal, mas Àquele que é fundamento de tudo, a Deus, Comunhão de Amor».
Diz a Sabedoria: «Vinde a mim
todos os que me desejais… Os que me comem terão ainda fome, os que me bebem
terão ainda sede.»
Que grande paradoxo da vida
cristã o que está escrito neste texto inspirado! É que enquanto estamos neste
mundo não poderemos saciar plenamente nossa nostalgia de infinito. Essa
realidade aponta para algo “mais além”, uma plenitude eterna. Temos que ser
conscientes de que nada nem ninguém nos pode dar o que só a comunhão plena com
Deus pode saciar!.
8. Jesus tem sede
O encontro do Senhor Jesus com a
samaritana no poço de Jacó é uma passagem de muito mistério e profundidade.
Nele podemos encontrar muitos elementos para aprofundar em nossa fome de Deus.
Vejamos alguns.
O primeiro que São João ressalta
é que Jesus toma a iniciativa, sai ao encontro da mulher e lhe diz: «Dá-me de
beber». Diz-nos Santo Agostinho: «A Vida declina para fazer-se matar; o Pão
declina para ter fome; o Caminho declina para fatigar-se andando: a Fonte
declina para sentir a sede».
A samaritana se assombra de que
Jesus, sendo judeu, lhe peça de beber, posto que havia entre as duas culturas
uma grande rivalidade e não se relacionavam uns com os outros. Jesus lhe
responde: «Se conhecesses o dom de Deus, e quem é que te diz: Dá-me de beber,
tu é que lhe pedirias e ele te daria água viva». Jesus aponta à realidade mais
profunda da mulher, a sua nostalgia de infinito, mas ela parece não entender e
replica: «Senhor, nem sequer tens uma vasilha e o poço é profundo; de onde,
pois, tiras essa água viva?» .
Jesus, com uma pedagogia sábia e
amorosa, vai além do sentido material e toca sutilmente a mesmidade da mulher:
«Aquele que bebe desta água terá sede novamente, mas quem beber da água que eu
lhe der jamais terá sede». A mulher aceita o chamado e clama sedenta: «Senhor,
dá-me dessa água, para eu não tenha mais sede». Uma vez despertada a fome de
Deus da mulher e já que ela quis responder, Jesus questionará seu modo de vida
em relação a seus “cinco maridos”. É necessário abandonar os sucedâneos para
poder responder adequadamente à fome de Deus.
Mais adiante a mulher dirá a
Jesus que estava esperando o Messias: «Quando ele vier nos anunciará tudo».
Aqui culmina o ciclo revelador de Jesus à mulher: «Sou eu, que falo
contigo». Porque Jesus é verdadeiro Deus
e verdadeiro homem, dirá o Servo de Deus João Paulo II: «Somente Ele pode
saciar a sede de felicidade que levais dentro de si. Porque Ele é o Caminho, a
Verdade e a Vida. Nele estão as respostas às perguntas mais profundas e
angustiantes de todo homem e da própria história».
Dois últimos ensinamentos
importantes sobre esta passagem: diz o evangelista que a mulher correu ao povoado
para anunciar a Jesus: «Vinde ver um homem que me disse tudo o que fiz». O
autêntico encontro com o Senhor sacia a fome de Deus e inspira ao anúncio
apostólico. Nesse sentido nos dirá Bento XVI: « Ao início do ser cristão, não
há uma decisão ética ou uma grande idéia, mas o encontro com um acontecimento,
com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo
».
O outro grande ensinamento da
passagem foi dirigido por Jesus aos apóstolos quando eles insistiam para que
comesse: «Meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e consumar a sua
obra». A melhor resposta à fome de Deus é a obediência amorosa a seu Plano.
Conclusão: Aplicações práticas
Um meio privilegiado para
responder à fome de Deus é nos alimentarmos freqüentemente com o “Pão de vida
eterna”. É o próprio Jesus que vem ao nosso encontro para cear conosco.
A oração pessoal constitui outro
âmbito privilegiado de encontro da fome de Deus com a fome do homem: «A oração,
saibamos ou não, é o encontro da sede de Deus e da sede do homem. Deus tem sede
de que o homem tenha sede d’Ele».
Como conseqüência lógica de
“sermos amigos de Jesus”, outro meio importante consistirá em “sermos amigos em
Jesus”. A experiência de amizade profunda com outras pessoas será mais
humanizada na medida em que se oriente mais real e autenticamente pra a
comunhão com Deus.
A nostalgia de Deus exige ideais
altos e nobres. Por isso devemos fazer um grande esforço em evitar os
sucedâneos, todos aqueles vícios que entorpecem nosso caminho até o Senhor.
Isto porque contemplar o horizonte do mar e a imensidão do céu e contrastá-los
com nossa miséria pessoal acentua em nós a fome de infinito, o desejo de
eternidade. É importante despojarmo-nos de tudo aquilo que nos escravize aos
propósitos pequenos e, com coragem, lançarmo-nos ao encontro de Deus vivo.
Por último devemos ressaltar o
apostolado, verdadeiro encontro entre a fome do evangelizador e a fome do que é
evangelizado.
Para Orar:
CITAÇÕES PARA MEDITAR
Cristo é nossa Vida: Jo 14,6; Gl 2,20
Renovar nossa mente para
aprender a querer como Deus: Rm 12,2
A vida no Espírito Santo: Rm 8, 5-17
Santa Maria conserva e medita a Palavra de
Deus: Lc 2, 19-56
Perseverar no mesmo espírito em companhia
de Maria: Hch 1,14
Reconhecer a sede de Deus e pedir-lhe que
nos sacie: Jo 4,10.15.
Somente o Senhor Jesus pode saciar a sede
de água viva: Jo 4,13-14.
O alimento de Jesus é cumprir o Plano do
Pai: Jo 4,30-34.
O Senhor Jesus tem sede de nossa sede: Jo
19,28.
A fome de Deus se expressa em fome de
santidade: Mt 5,6.
É essencial buscar a Deus, pois n’Ele
vivemos, nos movemos e existimos: At 16,26-28.
Nem só de pão vive o homem: Dt 8,3.
A sede de Deus anseia por ver seu Rosto: Sl
42.
PERGUNTAS PARA REZAR E
QUESTIONAR-SE:
·
Porque é importante que eu cultive uma vida
interior intensa?
·
Quem nutre e faz crescer minha vitalidade
interior?
·
Que devo fazer para cooperar com meu crescimento
e realização interior? Qual é a essência de uma autêntica vida interior?
·
Que posso fazer para aprender, cada vez mais, a
ver a realidade com os olhos de Deus? Porque a lectio divina é importante como
meio de interiorização e apropriação pessoal dos critérios da fé?
·
Jesus está realmente no centro da minha vida?
Reconheço sua presença na minha vida? O que falta para eu me deixar me
configurar ainda mais com Ele?
·
Qual é o papel de Santa Maria na minha vida
espiritual? Quais das suas virtudes estão mais próximas de mim? Quais eu
deveria desenvolver mais?
·
Sou
consciente de minha própria fome de Deus?
O que estou fazendo para saciá-la?
·
Por que nosso pecado pessoal é obstáculo para
saciar a fome de Deus? Quais são meus
maiores obstáculos para encontrar-me com o Senhor?
·
Que importância tem conhecer-me a mim mesmo e
entrar em meu próprio interior para encontrar a autêntica resposta que busco?
Conheço-me? O que posso fazer para conhecer-me mais?
·
Sou consciente de que somente o Senhor Jesus
sacia minha fome de infinito? O que vou fazer para encontrar-me mais com o
Senhor?
·
Em minha vida cotidiana costumo fazer silêncio
para escutar a voz de Deus em meu interior? E se o escuto, respondo-o?
Santo Retiro
Pe.Emílio Carlos+
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