REALIZAR-SE REALIZANDO A VONTADE DE DEUS
“Fiat voluntas tua: cumpra-se em mim, Senhor, a Vossa vontade, de todos os modos e maneiras, que vós, Senhor meu, quiserdes…” (Santa Teresa de Jesus – CP, Cap. 32,10).
As águas estavam calmas. De repente, as nuvens se escureceram. O vento começou a soprar forte. As ondas aumentavam. Os pescadores na barca, apavorados. Entre eles, alguém dormia tranqüilamente. Com os gritos, ele acordou e se ergueu. Também gritou, mas para o vento e o mar: “Calma”! Imediatamente o sol brilhou de novo, as ondas se tornaram como espelho. E o barco chegou à margem. Então Ele disse aos pescadores: — “Agora, deixem tudo. Venham comigo. Daqui para a frente, vocês vão ter outra pescaria. Há muita gente esperando por nós. Estão vendo? O mar está cheio de peixes. Os campos estão cheios de trigos maduros para a colheita. Mas, aqueles que querem pescar e colher são poucos, muito poucos… (Mt 4,18-22).
Mostrar que a liberdade na escolha da vocação faz do serviço uma espontânea entrega de si. Mil maneiras há de se doar. De fazer a escolha, seguindo a opção com total liberdade.
E opções é que não faltam! O que vou ser quando for grande, quando eu crescer? Aparentemente simples, a interrogação de toda criança ou adolescente vai martelando o pensamento cada dia com mais força: — Eu percebo que estou sendo convidado. Mas, para fazer o quê? Onde? Quando? Com quem? De que modo? Em favor de quem? Com que meios? Qual é o rumo que Deus me aponta? E com o tempo, as reflexões se aprofundando: — Os acontecimentos de cada dia nos levam a pensar que podemos ser úteis aos nossos semelhantes. Sabemos: Deus vai nos clareando a estrada. E vamos descobrindo o nosso caminho. E cada vez mais, vamos notando que poderemos prestar algum serviço aos irmãos, aos amigos, à humanidade. E também aos adversários, até aos inimigos, para que se tornem amigos e irmãos. Assim estaremos colaborando para construir um mundo novo, “novos céus e nova terra”, realizando-me e realizando a vontade de Deus.
Não há dúvidas: o mundo precisa mudar e podemos ajudá-lo nessa transformação. Cada um de nós, seguindo a sua inclinação natural, o convite da natureza. Uma vocação. Vocação de Deus impressa no coração humano desde o primeiro instante de nossa vida. — “Quem foi escolhido ou chamado, recebe um encargo, uma missão”. Cuja realização também compreende a realizarem-se como pessoas em sua totalidade. Uma variedade sem conta de caminhos para minha felicidade - realização. Com um desígnio misterioso por conta do nosso Criador para realizar uma missão.
O importante não é brilharmos, no plano amoroso de Deus, o importante é levar a cabo a missão à qual somos designados e realizar-nos, realizando.
Todos somos convidados a servir, cada qual seguindo o rumo que a voz de Deus nos indica a que vamos nos sentindo como que chamados, as tendências, as aspirações. Cumprindo assim o nosso chamado, a nossa missão, sentiremos que “os caminhos da vida estão todos dentro de mim” (Fernando Pessoa).
Somos o nosso caminho. Distância, direção e fim nos pertencem. Seguindo com decisão, nos sentiremos realizados na vida porque estaremos colaborando para que aconteça aquele Mundo Novo, bem humano e tão desejado por todos: o Reino de Deus. A nossa vocação é um ar que se respira, um sangue ou seiva que dá vida a todo o meu ser. Eu, você, cada um de nós, precisamos conhecer cada um a própria vocação entre as milhares que existem e realizar-nos, realizando, cada qual a sua missão, o seu chamado, siga a sua, e saiba por que abraçá-la de corpo e alma. O convite é de Deus, Ele propõe, a resposta a partir de sua liberdade é própria de você mesmo.
“E todos são grandes, quando a hora é sua.” (Fernando Pessoa). Se isto é verdadeiro e possível, é porque o homem carrega em si uma semente divina. Foi criado à imagem de Deus, capaz de conhecer e amar o seu criador e realizar-se plenamente. Assim, o chamado é para “ser” não o que já se é, mas o que se “deveria ser”. Trata-se de um chamado a se autotranscender = ir além de si mesmo – em direção a Deus, a viver conforme o Espírito… Logo, é preciso buscar estarmos no centro absoluto da Vontade de Deus.
Das mãos de Deus nos vêm todos os bens e todos os males, quer dizer, as coisas que nos aborrecem e que falsamente chamamos de infelicidade ou desgraça. Porque, na realidade, são bens quando as aceitamos como vindas por permissão de Deus. (Rom 8,28); assim como disse Jó: “Deus deu, Deus tirou, bendito seja Deus” (Jó 1,21)
O cumprimento da vontade de Deus é a nossa felicidade, Santa Terezinha disse: “Vontade de Deus, alegria minha”. O cristão, o crente, que exercita a prática dessa virtude não somente se santifica, mas gozará na terra de uma paz imperturbável, realizar-se-á, realizando os desígnios e planos de amor e salvação para cada um de nós. A vontade de Deus, querer o que Deus quer, é senão a nossa santificação (1 Tess 4,3).
Que quer Deus senão a nossa felicidade! Todo o empenho, todo o desejo do Senhor é que ninguém de nós se perca, mas que todos se salvem e se façam santos. O Senhor empenhou sua palavra em nos fazer felizes, “Bem-Aventurados sereis, se ouvirem a minha voz;” sendo ele por natureza a bondade infinita e, sendo próprio da bondade comunicar-se a outros, ele só deseja fazer-nos participantes de seus bens e de sua eterna e infinita felicidade.
Fazer a Vontade de Deus é realizar-me e realizar o seu plano e desígnios de amor para mim! Deus pensa em me fazer feliz, e nós não queremos pensar em outra coisa, senão em lhe agradar e nos conformar em tudo com a sua Santíssima vontade. “Não devemos pedir a Deus que faça o que queremos, mas que façamos sempre o que Ele quer”. (São Nilo).
Se quisermos ser agradáveis ao Senhor e realizar o seu plano de Amor e levarmos neste mundo vida feliz e tranqüila, realizando-se, procuremos estar unidos, sempre e em todas as coisas, à Vontade do Senhor. Assim como disse o apóstolo dos gentios, vivamos: “Trazei em vós os mesmos sentimentos de Nosso Senhor Jesus Cristo” (Fil 2,5).
Nosso Pai Francisco, baluarte de nossa vocação, no final de seus dias, estando sofrendo dores fora do comum, um dos seus filhos, Bernardo, alma simples, lhe disse: “Pai Francisco, rogue a Deus que alivie seus sofrimentos, que a mão do Senhor não lhe seja tão pesada!”
Ouvindo isso, Pai Francisco, suspirando profundamente, exclamou: “Saiba, meu irmão querido, que se eu não estivesse ciente de sua extrema simplicidade de espírito, não gostaria de vê-lo mais em minha presença, porque você se atreveu a pôr a língua nos planos de Deus…”. E imediatamente, ainda que muito fraco e extenuado pela enfermidade e pela dor, foi se inclinando até o chão e beijou-o , dizendo: “Graças vos dou, Senhor, pelas dores que me enviais; podeis aumentá-las, se for do vosso agrado! No cumprimento de vossa vontade, encontro o maior consolo de minha alma e vida!” (Celano). Todos nós temos consciência de que há uma tensão em nosso coração entre o que somos e o que queremos ser; entre o nosso ser finito e o nosso desejo de Infinito.
Para quem de nós recebeu a Vocação como um dom de Deus, e deseja fazer e estar no centro absoluto de sua Vontade Santíssima, realizando e realizar-se, em busca da Vontade de Deus, os valores que dizem respeito ao fim último de nossa vida são: a união com Deus, fazendo sempre a sua Vontade com amor e o seguimento de Jesus Cristo. Pensamos assim que os valores não nos dizem o que devemos fazer, e sim como devemos ser.
Abandonemo-nos em suas benditas mãos, porque certamente velará por nossos interesses, como ensinou São Pedro: “Lançai sobre ele vossas preocupações porque cuida de vós.” (1Pd. 5,7). |
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