A liturgia do 5º Domingo da Páscoa
convida-nos a refletir sobre a nossa união a Cristo; e diz-nos que só
unidos a Cristo temos acesso à vida verdadeira.
O Evangelho apresenta Jesus como “a
verdadeira videira” que dá os frutos bons que Deus espera. Convida os
discípulos a permanecerem unidos a Cristo, pois é d’Ele que eles recebem
a vida plena. Se permanecerem em Cristo, os discípulos serão
verdadeiras testemunhas no meio dos homens da vida e do amor de Deus.
A primeira leitura diz-nos que o cristão
é membro de um corpo – o Corpo de Cristo. A sua vocação é seguir
Cristo, integrado numa família de irmãos que partilha a mesma fé,
percorrendo em conjunto o caminho do amor. É no diálogo e na partilha
com os irmãos que a nossa fé nasce, cresce e amadurece e é na
comunidade, unida por laços de amor e de fraternidade, que a nossa
vocação se realiza plenamente.
A segunda leitura define o ser cristão
como “acreditar em Jesus” e “amar-nos uns aos outros como Ele nos amou”.
São esses os “frutos” que Deus espera de todos aqueles que estão unidos
a Cristo, a “verdadeira videira”. Se praticarmos as obras do amor,
temos a certeza de que estamos unidos a Cristo e que a vida de Cristo
circula em nós.
LEITURA I – At 9,26-31
A seção de At 9,1-31 é dedicada a um
acontecimento muito importante na história do cristianismo: a
vocação/conversão de Paulo. Tal fato é o ponto de partida para o caminho
que o cristianismo vai percorrer, desde os limites geográficos do mundo
judaico, até ao coração do mundo greco-romano.
A primeira parte da secção (cf. At
9,1-9) apresenta os acontecimentos do “caminho de Damasco” e o decisivo
encontro de Paulo com Jesus ressuscitado; a segunda (cf. At 9,10-19a)
descreve o encontro de Paulo com a comunidade cristã de Damasco; a
terceira (cf. At 9,19b-25) fala da atividade apostólica de Paulo em
Damasco; e, finalmente, a quarta (cf. At 9,26-30) mostra a forma como
Paulo, depois de deixar Damasco, foi recebido pelos cristãos de
Jerusalém.
A maior parte dos autores pensa que a
conversão de Paulo aconteceu por volta do ano 36. Depois da sua
conversão, Paulo ficou três anos em Damasco, colaborando com a
comunidade cristã dessa cidade. Após esse tempo, a oposição dos judeus
forçou Paulo a abandonar a cidade. Uma vez que as portas da cidade
estavam guardadas, os cristãos desceram Paulo pelas muralhas abaixo,
dentro de um cesto (cf. At 9,23-25). Depois, Paulo dirigiu-se para
Jerusalém. A chegada de Paulo a Jerusalém deve ter acontecido por volta
do ano 39 (cf. Gal 1,18).
A narração de Lucas mistura elementos de
caráter histórico com outros elementos de caráter teológico. Para
simplificar a apresentação, vamos apontar as coordenadas principais da
catequese apresentada por Lucas em vários pontos:
1. A desconfiança da comunidade cristã
de Jerusalém em relação a Paulo (“todos o temiam, por não acreditarem
que fosse discípulo” – vers. 26) é um dado verosímil e que é, muito
provavelmente, histórico. Mostra-nos o quadro de uma comunidade cristã
que tem alguma dificuldade em lidar com o risco, que antes quer
esconder-se atrás de procedimentos prudentes e perder oportunidades, do
que aceitar os desafios de Deus. No entanto, como o exemplo de Paulo
comprova, a capacidade para correr riscos e para acolher a novidade de
Deus é, muitas vezes, uma fonte de enriquecimento para a comunidade.
2. O esforço de Paulo em integrar-se
(“chegou a Jerusalém e procurava juntar-se aos discípulos” – vers. 26)
mostra a importância que ele dava ao viver em comunidade, à partilha da
fé com os irmãos. O cristianismo não é apenas um encontro pessoal com
Jesus Cristo; mas é também uma experiência de partilha da fé e do amor
com os irmãos que aderiram ao mesmo projeto e que são membros da grande
família de Jesus. É só no diálogo e na partilha comunitária que a
experiência da fé faz sentido.
3. O papel de Barnabé na integração de
Paulo é muito significativo: ele não só acredita em Paulo, como consegue
que o resto da comunidade cristã o aceite (vers. 27a). Mostra-nos o
papel que cada cristão pode ter na integração comunitária dos irmãos; e
mostra, sobretudo, que é tarefa de cada crente questionar a sua
comunidade e ajudá-la a descobrir os desafios de Deus.
4. Outro elemento sublinhado por Lucas é
o entusiasmo com que Paulo dá testemunho de Jesus e a coragem com que
ele enfrenta as dificuldades e oposições (vers. 27b-28). Trata-se,
aliás, de uma atitude que vai caracterizar toda a vida apostólica de
Paulo. O apóstolo está consciente de que foi chamado por Jesus, que
recebeu de Jesus a missão de anunciar a salvação a todos os homens; por
isso, nada nem ninguém será capaz de arrefecer o seu zelo no anúncio do
Evangelho.
5. A pregação cristã suscita,
naturalmente, o conflito com os poderes de morte e de opressão,
interessados em perpetuar os mecanismos de escravidão. A fidelidade ao
Evangelho e a Jesus provoca sempre a oposição do mundo (vers. 29). O
caminho do discípulo de Jesus é sempre um caminho marcado pela cruz (não
é, no entanto, um caminho de morte, mas de vida).
6. O sumário final (vers. 31) recorda um
elemento que está sempre presente no horizonte da catequese de Lucas: é
o Espírito Santo que conduz a Igreja na sua marcha pela história. É o
Espírito que lhe dá estabilidade (“como um edifício”), que lhe alimenta o
dinamismo (“caminhava no temor do Senhor”) e que a faz crescer (“ia
aumentando”). A certeza da presença e da assistência do Espírito Santo
deve fundamentar a nossa esperança.
ATUALIZAÇÃO
• O cristão não é um ser isolado, mas
uma pessoa que é membro de um corpo – o corpo de Cristo. A sua vocação é
seguir Cristo, integrado numa família de irmãos que partilha a mesma
fé, percorrendo em conjunto o caminho do amor. Por isso, a vivência da
fé é sempre uma experiência comunitária. É no diálogo e na partilha com
os irmãos que a nossa fé nasce, cresce e amadurece e é na comunidade,
unida por laços de amor e de fraternidade, que a nossa vocação se
realiza plenamente. A comunidade, contudo, é constituída por pessoas,
vivendo numa situação de fragilidade e de debilidade… Por isso, a
experiência de caminhada em comunidade pode ser marcada por tensões, por
conflitos, por divergências; mas essa experiência não pode servir de
pretexto para abandonar a comunidade e para passar a agir isoladamente.
• A dificuldade da comunidade de
Jerusalém em acolher Paulo (e que é compreensível, do ponto de vista
humano) pode fazer-nos pensar nesses esquemas de fechamento, de
preconceito, de instalação, que às vezes caracterizam a vida das nossas
comunidades cristãs e que as impedem de acolher os desafios de Deus. Uma
comunidade fechada, com medo de arriscar, é uma comunidade instalada no
comodismo e na mediocridade, com dificuldade em responder aos desafios
proféticos e em descobrir os caminhos nos quais Deus se revela. Há,
neste texto, um convite a abrirmos permanentemente o nosso coração e a
nossa mente à novidade de Deus. Como é a nossa comunidade? É uma
comunidade fechada, instalada, cheia de preconceitos, criadora de
exclusão, ou é uma comunidade aberta, fraterna, solidária, disposta a
acolher?
• Barnabé é o homem que questiona os
preconceitos e o fechamento da comunidade, convidando-a a ser mais
fraterna, mais acolhedora, mais “cristã”. Faz-nos pensar no papel que
Deus reserva a cada um de nós, no sentido de ajudarmos a nossa
comunidade a crescer, a sair de si própria, a viver com mais coerência o
seu compromisso com Jesus Cristo e com o Evangelho. Nenhum membro da
comunidade é detentor de verdades absolutas; mas todos os membros da
comunidade devem sentir-se responsáveis para que a comunidade dê, no
meio do mundo, um verdadeiro testemunho de Jesus e do seu projeto de
salvação.
• O encontro com Jesus ressuscitado no
“caminho de Damasco” constituiu, para Paulo, um momento decisivo. A
partir desse encontro, Paulo tornou-se o arauto entusiasta e
imcomparável do projeto libertador de Jesus. A perseguição dos judeus, a
oposição das autoridades, a indiferença dos não crentes, a
incompreensão dos irmãos na fé, os perigos dos caminhos, as
incomodidades das viagens, não conseguiram desencorajá-lo e desarmar o
seu testemunho. O exemplo de Paulo recorda-nos que ser cristão é dar
testemunho de Jesus e do Evangelho. A experiência que fazemos de Jesus e
do seu projeto libertador não pode ser calada ou guardada apenas para
nós; mas tem de se tornar um anúncio libertador que, através de nós,
chega a todos os nossos irmãos.
• A Igreja é uma comunidade formada por
homens e mulheres e, portanto, marcada pela debilidade e fragilidade;
mas é, sobretudo, uma comunidade que marcha pela história assistida,
animada e conduzida pelo Espírito Santo. O “caminho” que percorremos
como Igreja pode ter avanços e recuos, infidelidades e vicissitudes
várias; mas é um caminho que conduz a Deus, à realização plena do homem,
à vida definitiva. A presença do Espírito dirigindo a caminhada dá-nos
essa garantia.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 21 (22)
Refrão 1: Eu Vos louvo, Senhor, na assembleia dos justos.
Refrão 2: Eu Vos louvo, Senhor, no meio da multidão.
Cumprirei a minha promessa na presença dos vossos fiéis.
Os pobres hão-de comer e serão saciados,
louvarão o Senhor os que O procuram:
vivam para sempre os seus corações.
Hão-de lembrar-se do Senhor e converter-se a Ele
todos os confins da terra;
e diante d’Ele virão prostrar-se
todas as famílias das nações.
Só a Ele hão-de adorar
todos os grandes do mundo,
diante d’Ele se hão-de prostrar
todos os que descem ao pó da terra.
Para Ele viverá a minha alma,
há-de servi-l’O a minha descendência.
Falar-se-á do Senhor às gerações vindouras
e a sua justiça será revelada ao povo que há-de vir:
«Eis o que fez o Senhor».
LEITURA II – 1 Jo 3,18-24
Já vimos, nos domingos anteriores, que a
Primeira Carta de João é um escrito polêmico surgido nas Igrejas
joânicas da Ásia Menor, destinado a intervir na controvérsia levantada
por certas seitas heréticas pré-gnósticas a propósito de pontos
fundamentais da teologia cristã (nomeadamente, a propósito da encarnação
de Cristo e de alguns elementos essenciais da moral cristã). Nesse
contexto, o autor da Carta procura fornecer aos cristãos (algo confusos
diante das proposições heréticas) uma espécie de síntese da vida cristã
autêntica.
Uma questão essencial abordada na
Primeira Carta de João é a questão do amor ao próximo. Os hereges
pré-gnósticos, cujas doutrinas este escrito denuncia, afirmavam que o
essencial da fé residia na vida de comunhão com Deus; mas, ocupados a
olhar para o céu, negligenciavam o amor ao próximo (cf. 1 Jo 2,9). A sua
experiência religiosa era uma experiência voltada para o céu, mas
alienada das realidades do mundo. Ora, de acordo com o autor da Primeira
Carta de João, o amor ao próximo é uma exigência central da experiência
cristã. A essência de Deus é amor; e ninguém pode dizer que está em
comunhão com Ele se não se deixou contagiar e embeber pelo amor. Jesus
demonstrou isso mesmo ao amar os homens até ao extremo de dar a vida por
eles, na cruz; e exigiu que os seus discípulos O seguissem no caminho
do amor e do dom da vida aos irmãos (cf. 1 Jo 3,16). Em última análise, é
o amor aos irmãos que decide o acesso à vida: só quem ama alcança a
vida verdadeira e eterna (cf. 1 Jo 3,13-15). A realização plena do homem
depende da sua capacidade de amar os irmãos.
No versículo que antecede o texto que
nos é hoje proposto como segunda leitura (um versículo que a liturgia
deste domingo não apresenta), o autor da Carta coloca aos crentes uma
questão muito concreta: “se alguém possuir bens deste mundo e, vendo o
seu irmão com necessidade, lhe fechar o seu coração, como é que o amor
de Deus pode permanecer nele?” (1 Jo 3,17). E, logo de seguida, o nosso
“catequista” conclui (e é aqui que começa o nosso texto): o amor aos
irmãos não é algo que se manifesta em declarações solenes de boas
intenções, mas em gestos concretos de partilha e de serviço. É com
atitudes concretas em favor dos irmãos que se revela a autenticidade da
vivência cristã e se dá testemunho do projeto salvador de Deus (vers.
18).
Quando, efetivamente, deixamos que o
amor conduza a nossa vida, podemos estar seguros de que estamos no
caminho da verdade; quando temos o coração aberto ao amor, ao serviço e à
partilha, podemos estar tranquilos porque estamos em comunhão com Deus.
Na verdade, a nossa consciência pode acusar-nos dos erros passados e
reprovar algumas das nossas opções; mas, se amarmos, sabemos que estamos
perto de Deus, pois Deus é amor (vers. 19). O amor autêntico
liberta-nos de todas as dúvidas e inquietações, pois dá-nos a certeza de
que estamos no caminho de Deus; e se Deus “é maior do que o nosso
coração e conhece tudo” (vers. 20), nada temos a recear. Viver no amor é
viver em Deus e estar entregue à bondade e à misericórdia de Deus.
Com
a consciência em paz, e sabendo que Deus nos aceita e nos ama (porque
nós aceitamos o amor e vivemos no amor), podemos dirigir-Lhe a nossa
oração com a certeza de que Ele nos escuta. Deus atende a oração daquele
que cumpre os seus mandamentos (vers. 21-22).
Os dois versículos finais apenas
recapitulam e resumem tudo o que atrás ficou dito… A exigência
fundamental do caminho cristão é “acreditar em Jesus” e amar os irmãos
(vers. 23). “Acreditar” deve ser aqui entendido no sentido de aderir à
sua proposta e segui-l’O; ora, seguir Jesus é fazer da vida um dom total
de amor aos irmãos. “Acreditar em Jesus” e cumprir o mandamento do amor
são a mesma e única questão.
Quem guarda os mandamentos
(especialmente o mandamento do amor, que tudo resume) vive em comunhão
com Deus e já possui algo da natureza divina (o Espírito). É o Espírito
de Deus que dá ao crente a possibilidade de produzir obras de amor
(vers. 24).
ATUALIZAÇÃO
• Na perspectiva do autor do texto que
nos é hoje proposto como segunda leitura, ser cristão é “acreditar em
Jesus” e “amar-nos uns aos outros como Ele nos amou”. Jesus “passou pelo
mundo fazendo o bem” (At. 10,38), testemunhou o amor de Deus aos pobres
e excluídos, foi ao encontro dos pecadores e sentou-Se à mesa com eles
(cf. Lc 5,29-30; 19,5-7), lavou os pés aos discípulos (cf. Jo 13,1-17),
assegurou a todos que “o Filho do Homem não veio para ser servido mas
para servir e dar a sua vida” (Mt 20,28), deixou-Se matar para nos
ensinar o amor total, morreu na cruz pedindo ao Pai perdão para os seus
assassinos (cf. Lc 23,34)… Quem adere a Jesus e à sua proposta de vida,
não pode escolher um outro caminho; o caminho do cristão só pode ser o
caminho do amor total, do dom da própria vida, do serviço simples e
humilde aos irmãos ao jeito de Jesus. O amor aos irmãos é o distintivo
dos seguidores de Jesus.
• O autor da Carta observa ainda que o
amor não se vive com “conversa fiada”, mas com ações concretas em favor
dos irmãos. Não chega condenar a guerra, mas é preciso ser construtor da
paz; não chega fazer discursos sobre justiça social, mas é preciso
realizar gestos autênticos de partilha; não chega assinar petições para
defender os direitos dos explorados, mas é preciso lutar objetivamente
contra as leis e sistemas que geram exploração; não chega fazer
discursos contra as leis que restringem a imigração, mas é preciso
acolher os irmãos estrangeiros que vêm ao nosso encontro à procura de
uma vida melhor; não chega dizer mal de toda a gente que trabalha na
nossa paróquia, mas é preciso um empenho sério na construção de uma
comunidade cristã que dê cada vez mais testemunho do amor de Jesus…
• Às vezes sentimo-nos frágeis e
pecadores e, apesar do nosso esforço e da nossa vontade em acertar,
sentimo-nos indignos e longe de Deus. Como é que sabemos se estamos no
caminho certo? Qual é o critério para avaliarmos a força da nossa
relação e da nossa proximidade com Deus? A vida de uma árvore vê-se
pelos frutos… Se realizamos obras de amor, se os nossos gestos de
bondade e de solidariedade transmitem alegria e esperança, se a nossa
ação torna o mundo um pouco melhor, é porque estamos em comunhão com
Deus e a vida de Deus circula em nós. Se a vida de Deus está em nós, ela
manifesta-se, inevitavelmente, nos nossos gestos.
• Muitas vezes somos testemunhas de
espantosos gestos proféticos realizados por pessoas que fizeram opções
religiosas diferentes das nossas ou até por parte de pessoas que assumem
uma aparente atitude de indiferença face a Deus… No entanto, não
tenhamos dúvidas: onde há amor, aí está Deus. O Espírito de Deus está
presente até fora das fronteiras da Igreja e atua no coração de todos os
homens de boa vontade. De resto, certos testemunhos de amor e de
solidariedade que vemos surgir nos mais variados quadrantes constituem
uma poderosa interpelação aos crentes, convidando-os a uma maior
fidelidade a Jesus e ao seu projeto.
ALELUIA – Jo 15,4a-5a
Aleluia. Aleluia.
Diz o Senhor:
«Permanecei em Mim e Eu permanecerei em vós;
quem permanece em Mim dá muito fruto».
EVANGELHO – Jo 15,1-8
O Evangelho do 5º domingo da Páscoa
situa-nos em Jerusalém, numa noite de quinta-feira, um dia antes da
festa da Páscoa do ano 30. Jesus está reunido com os seus discípulos à
volta de uma mesa, numa ceia de despedida. Ele está consciente de que os
dirigentes judaicos decidiram dar-Lhe a morte e que a cruz está no seu
horizonte próximo.
Os gestos e as palavras de Jesus, neste
contexto, representam as suas últimas indicações, o seu “testamento”. Os
discípulos recebem aqui as coordenadas para poderem continuar no mundo a
missão de Jesus. Nasce, assim, a comunidade da Nova Aliança, alicerçada
no serviço (cf. Jo 13,1-17) e no amor (cf. Jo 13,33-35), que pratica as
obras de Jesus animada pelo Espírito Santo (cf. Jo 14,15-26). O
“discurso de despedida” de Jesus vai de 13,1 a 17,26.
O texto que a liturgia deste domingo nos propõe apresenta-nos uma
instrução de Jesus sobre a identidade e a situação da comunidade dos discípulos no meio do mundo.
Para definir a situação dos discípulos
face a Jesus e face ao mundo, Jesus usa a sugestiva metáfora da videira,
dos ramos e dos frutos… É uma imagem com profundas conotações
vétero-testamentárias e com um significado especial no universo
religioso judaico.
No Antigo Testamento (e de forma
especial na mensagem profética), a “videira” e a “vinha” eram símbolos
do Povo de Deus. Israel era apresentado como uma “videira” que Javé
arrancou do Egito, que transplantou para a Terra Prometida e da qual
cuidou sempre com amor (cf. Sal 80,9.15); era também apresentado como “a
vinha”, que Deus plantou com cepas escolhidas, que Ele cuidou e da qual
esperava frutos abundantes, mas que só produziu frutos amargos e
impróprios (cf. Is 5,1.7; Jer 2,21; Ez 17,5-10; 19,10-12; Os 10,1). A
antiga “videira” ou “vinha” de Javé revelou-se como uma verdadeira
desilusão. Israel nunca produziu os frutos que Deus esperava.
Agora, Jesus apresenta-Se como a
verdadeira “videira” plantada por Deus (vers. 1). É Jesus que irá
produzir os frutos que Deus espera. E, de Jesus, a verdadeira “videira”,
irá nascer um novo Povo de Deus. Hoje, como ontem, Deus continua a ser o
agricultor que escolhe as cepas, que as planta e que cuida da sua
vinha.
Qual é o lugar e o papel dos discípulos
de Jesus, neste contexto? Os discípulos são os “ramos” que estão unidos à
“videira” (Jesus) e que dela recebem vida. Estes “ramos”, no entanto,
não têm vida própria e não podem produzir frutos por si próprios;
necessitam da seiva que lhes é comunicada por Jesus. Por isso, são
convidados a permanecer em Jesus (vers. 4). O verbo permanecer (“ménô”) é
a palavra-chave do nosso texto (do vers. 4 ao vers. 8, aparece sete
vezes). Expressa a confirmação ou renovação de uma atitude já
anteriormente assumida. Supõe que o discípulo tenha já aderido
anteriormente a Jesus e que essa adesão adquira agora estatuto de
solidez, de estabilidade, de constância, de continuidade. É um convite a
que o discípulo mantenha a sua adesão a Jesus, a sua identificação com
Ele, a sua comunhão com ele… Se o discípulo mantiver a sua adesão,
Jesus, por sua vez, permanece no discípulo – isto é, continuará
fielmente a oferecer ao discípulo a sua vida.
O que é, para o discípulo, estar unido a
Jesus? Em Jo 6,56 Jesus avisou: “Quem realmente come a minha carne e
bebe o meu sangue permanece em Mim e Eu nele”… A “carne” de Jesus é a
sua vida; o “sangue” de Jesus é a sua entrega por amor até à morte;
assim, “comer a carne e beber o sangue” de Jesus é assimilar a
existência de Jesus, feita serviço e entrega por amor, até ao dom total
de si mesmo. Está unido a Jesus e permanece n’Ele quem acolhe no coração
essa proposta de vida e se compromete com uma existência feita entrega a
Deus e aos irmãos, até à doação completa da vida por amor. A união com
Jesus não é, no entanto, algo automático, que de forma automática
atingiu o homem e que foi adquirida de uma vez e para sempre; mas é algo
que depende da decisão livre e consciente do discípulo – uma decisão
que tem de ser, aliás, continuamente renovada (vers. 4).
Para os discípulos (“os ramos”),
interromper a relação com Jesus significa cortar a relação com a fonte
de vida e condenar-se à esterilidade. Quem se recusa a acolher essa vida
que Jesus propõe e prefere conduzir a sua existência por caminhos de
egoísmo, de auto-suficiência, de fechamento, é um ramo seco que não
responde à vida que recebe da “videira”. Não produz frutos de amor, mas
frutos de morte.
Ora, a comunidade de Jesus (os “ramos”)
não pode condenar-se à esterilidade. A sua missão é dar frutos. Por
isso, o “agricultor” (Deus) atua no sentido de que o “ramo” (o
discípulo) se identifique cada vez mais com a “videira” (Jesus Cristo) e
produza frutos de amor, de doação, de serviço, de libertação dos
irmãos. A ação de Deus vai no sentido de “limpar” o “ramo” a fim de que
ele dê mais fruto. “Limpar” significa chamá-lo a um processo de
conversão contínua que o leve a recusar caminhos de egoísmo e de
fechamento, para se abrir ao amor. Dito de outra forma: a limpeza dos
“ramos” faz-se através de uma adesão cada vez mais fiel a Jesus e à sua
proposta de amor (vers. 2b). Os discípulos de Jesus estão “limpos”
(vers. 3), pois aderiram a Jesus, são a cada instante confrontados com a
sua proposta de vida e respondem positivamente ao desafio que lhes é
feito.
Se, apesar do esforço de Deus e do seu contínuo chamamento à
conversão, o “ramo” se obstina em não produzir frutos condizentes com a
vida que lhe é comunicada, ficará à margem da comunidade de Jesus, da
comunidade da salvação. É um “ramo” que não pertence a essa “videira”
(vers. 2a).
ATUALIZAÇÃO
• Jesus é “a verdadeira videira”, de
onde brotam os frutos da justiça, do amor, da verdade e da paz; é n’Ele e
nas suas propostas que os homens podem encontrar a vida verdadeira.
Muitas vezes os homens, seguindo lógicas humanas, buscam a verdadeira
vida noutras “árvores”; mas, com frequência, essas “árvores” só produzem
insatisfação, frustração, egoísmo e morte… João garante-nos: na nossa
busca de uma vida com sentido, é para Cristo que devemos olhar. Temos
consciência de que é em Cristo que podemos encontrar uma proposta de
vida autêntica? Ele é, para nós, a verdadeira “árvore da vida”, ou
preferimos trilhar caminhos de auto-suficiência e colocamos a nossa
confiança e a nossa esperança noutras “árvores”?
• Hoje, Jesus, “a verdadeira videira”,
continua a oferecer ao mundo e aos homens os seus frutos; e fá-lo
através dos seus discípulos. A missão da comunidade de Jesus, que hoje
caminha pela história, é produzir esses mesmos frutos de justiça, de
amor, de verdade e de paz que Jesus produziu. Trata-se de uma tremenda
responsabilidade que nos é confiada, a nós, os seguidores de Jesus.
Jesus não criou um gueto fechado onde os seus discípulos podem viver
tranquilamente sem “incomodarem” os outros homens; mas criou uma
comunidade viva e dinâmica, que tem como missão testemunhar em gestos
concretos o amor e a salvação de Deus. Se os nossos gestos não derramam
amor sobre os irmãos que caminham ao nosso lado, se não lutamos pela
justiça, pelos direitos e pela dignidade dos outros homens e mulheres,
se não construímos a paz e não somos arautos da reconciliação, se não
defendemos a verdade, estamos a trair Jesus e a missão que Ele nos
confiou. A vida de Jesus tem de transparecer nos nossos gestos e, a
partir de nós, atingir o mundo e os homens.
• No entanto, o discípulo só pode
produzir bons frutos se permanecer unido a Jesus. No dia do nosso
Batismo, optamos por Jesus e assumimos o compromisso de O seguir no
caminho do amor e da entrega; quando celebramos a Eucaristia, acolhemos e
assimilamos a vida de Jesus – vida partilhada com os homens, feita
entrega e doação total por amor, até à morte. O cristão tem em Jesus a
sua referência, identifica-se com Ele, vive em comunhão com Ele, segue-O
a cada instante no amor a Deus e na entrega aos irmãos. O cristão vive
de Cristo, vive com Cristo e vive para Cristo.
• O que é que pode interromper a nossa
união com Cristo e tornar-nos ramos secos e estéreis? Tudo aquilo que
nos impede de responder positivamente ao desafio de Jesus no sentido do O
seguir provoca em nós esterilidade e privação de vida… Quando
conduzimos a nossa vida por caminhos de egoísmo, de ódio, de injustiça,
estamos a dizer não a Jesus e a renunciar a essa vida verdadeira que Ele
nos oferece; quando nos fechamos em esquemas de auto-suficiência, de
comodismo e de instalação, estamos a recusar o convite de Jesus e a
cortar a nossa relação com a vida plena que Jesus oferece; quando para
nós o dinheiro, o êxito, a moda, o poder, os aplausos, o orgulho, o amor
próprio, são mais importantes do que os valores de Jesus, estamos a
secar essa corrente de vida eterna que deveria correr entre Jesus e nós…
Para que não nos tornemos “ramos” secos, é preciso renovarmos cada dia o
nosso “sim” a Jesus e às suas propostas.
• A comunidade cristã é o lugar
privilegiado para o encontro com Cristo, “a verdadeira videira” da qual
somos os “ramos”. É no âmbito da comunidade que celebramos e
experimentamos – no Batismo, na Eucaristia, na Reconciliação – a vida
nova que brota de Cristo. A comunidade cristã é o Corpo de Cristo; e um
membro amputado do Corpo é um membro condenado à morte… Por vezes, a
comunidade cristã, com as suas misérias, fragilidades e incompreensões,
decepciona-nos e magoa-nos; por vezes sentimos que a comunidade segue
caminhos onde não nos revemos… Sentimos, então, a tentação de nos
afastarmos e de vivermos a nossa relação com Cristo à margem da
comunidade. Contudo, não é possível continuar unido a Cristo e a receber
vida de Cristo, em ruptura com os nossos irmãos na fé.
• O que são os “ramos secos”? São,
evidentemente, aqueles discípulos que um dia se comprometeram com
Cristo, mas depois desistiram de O seguir… Mas os “ramos secos” podem
também ser aquelas pequenas misérias e fragilidades que existem na vida
de cada um de nós. Atenção: é preciso “limpar” esses pequenos obstáculos
que impedem que a vida de Cristo circule abundantemente em nós.
Chama-se a isso “conversão”.
• Como podemos “limpar” os “ramos
secos”? Fundamentalmente, confrontando a nossa vida com Jesus e com a
sua Palavra. Precisamos de escutar a Palavra de Jesus, de a meditar, de
confrontar a nossa vida com ela… Então, por contraste, vão tornar-se
nítidas as nossas opções erradas, os valores falsos e essas mil e uma
pequenas infidelidades que nos impedem de ter acesso pleno à vida que
Jesus oferece.
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