EUCARISTIA, MISTÉRIO ACREDITADO
« A obra de Deus consiste em acreditar n’Aquele que Ele enviou » (Jo 6, 29)
A fé eucarística da Igreja
« Mistério da fé!
»: com esta exclamação pronunciada logo a seguir às palavras da
consagração, o sacerdote proclama o mistério celebrado e manifesta o
seu enlevo diante da conversão substancial do pão e do vinho no corpo e
no sangue do Senhor Jesus, realidade esta que ultrapassa toda a
compreensão humana. Com efeito, a Eucaristia é por excelência « mistério
da fé »: « É o resumo e a súmula da nossa fé ». A fé da Igreja é
essencialmente fé eucarística e alimenta-se, de modo particular, à mesa
da Eucaristia. A fé e os sacramentos são dois aspectos complementares da
vida eclesial. Suscitada pelo anúncio da palavra de Deus, a fé é
alimentada e cresce no encontro com a graça do Senhor ressuscitado que
se realiza nos sacramentos: « A fé exprime-se no rito e este revigora e
fortifica a fé ». Por isso, o sacramento do altar está sempre no centro
da vida eclesial; « graças à Eucaristia, a Igreja renasce sempre de
novo! » Quanto mais viva for a fé eucarística no povo de Deus, tanto
mais profunda será a sua participação na vida eclesial por meio duma
adesão convicta à missão que Cristo confiou aos seus discípulos.
Testemunha-o a própria história da Igreja: toda a grande reforma está,
de algum modo, ligada à redescoberta da fé na presença eucarística do
Senhor no meio do seu povo.
Santíssima Trindade e Eucaristia
O pão descido do céu
O primeiro conteúdo da fé
eucarística é o próprio mistério de Deus, amor trinitário. No diálogo de
Jesus com Nicodemos, encontramos uma afirmação esclarecedora a tal
respeito: « Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho Unigénito,
para que todo o homem que acredita n’Ele não pereça, mas tenha a vida
eterna. Porque Deus não enviou o Filho ao mundo para condenar o mundo,
mas para que o mundo seja salvo por Ele » (Jo 3, 16-17). Estas
palavras revelam a raiz última do dom de Deus. Na Eucaristia, Jesus não
dá « alguma coisa », mas dá-Se a Si mesmo; entrega o seu corpo e derrama
o seu sangue. Deste modo dá a totalidade da sua própria vida,
manifestando a fonte originária deste amor: Ele é o Filho eterno que o
Pai entregou por nós. Noutro passo do evangelho, depois de Jesus ter
saciado a multidão pela multiplicação dos pães e dos peixes, ouvimo-Lo
dizer aos interlocutores que vieram atrás d’Ele até à sinagoga de
Cafarnaum: « Meu Pai é que vos dá o verdadeiro pão que vem do céu. O pão
de Deus é o que desce do céu para dar a vida ao mundo » (Jo 6,
32-33), acabando por identificar-Se Ele mesmo — a sua própria carne e o
seu próprio sangue — com aquele pão: « Eu sou o pão vivo que desceu do
céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão que Eu hei-de dar é
a minha carne que Eu darei pela vida do mundo » (Jo 6, 51). Assim Jesus manifesta-Se como o pão da vida que o Pai eterno dá aos homens.
Dom gratuito da Santíssima Trindade
Na Eucaristia, revela-se o desígnio de amor que guia toda a história da salvação (Ef 1, 9-10; 3, 8-11). Nela, o Deus-Trindade (Deus Trinitas), que em Si mesmo é amor (1 Jo
4, 7-8), envolve-Se plenamente com a nossa condição humana. No pão e no
vinho, sob cujas aparências Cristo Se nos dá na ceia pascal (Lc 22, 14-20; 1 Cor
11, 23-26), é toda a vida divina que nos alcança e se comunica a nós na
forma do sacramento: Deus é comunhão perfeita de amor entre o Pai, o
Filho e o Espírito Santo. Já na criação, o homem fora chamado a
partilhar, em certa medida, o sopro vital de Deus (Gn 2, 7). Mas, é em Cristo morto e ressuscitado e na efusão do Espírito Santo, dado sem medida (Jo
3, 34), que nos tornamos participantes da intimidade divina. Assim
Jesus Cristo, que « pelo Espírito eterno Se ofereceu a Deus como vítima
sem mancha » (Heb 9, 14), no dom eucarístico comunica-nos a
própria vida divina. Trata-se de um dom absolutamente gratuito, devido
apenas às promessas de Deus cumpridas para além de toda e qualquer
medida. A Igreja acolhe, celebra e adora este dom, com fiel obediência. O
« mistério da fé » é mistério de amor trinitário, no qual, por graça,
somos chamados a participar. Por isso, também nós devemos exclamar com
Santo Agostinho: « Se vês a caridade, vês a Trindade ».
Eucaristia: Jesus verdadeiro Cordeiro imolado
A nova e eterna aliança no sangue do Cordeiro
A missão, que trouxe Jesus entre nós, atinge o seu cumprimento no mistério pascal. Do alto da cruz, donde atrai todos a Si (Jo 12, 32), antes de « entregar o Espírito » Jesus diz: « Tudo está consumado » (Jo 19, 30). No mistério da sua obediência até à morte, e morte de cruz (Fil
2, 8), cumpriu-se a nova e eterna aliança. Na sua carne crucificada, a
liberdade de Deus e a liberdade do homem juntaram-se definitivamente num
pacto indissolúvel, válido para sempre. Também o pecado do homem ficou
expiado, uma vez por todas, pelo Filho de Deus (Heb 7, 27; 1 Jo
2, 2; 4, 10). Como já tive ocasião de afirmar, « na sua morte de cruz,
cumpre-se aquele virar-se de Deus contra Si próprio, com o qual Ele Se
entrega para levantar o homem e salvá-lo — o amor na sua forma mais
radical ». No mistério pascal, realizou-se verdadeiramente a nossa
libertação do mal e da morte. Na instituição da Eucaristia, o próprio
Jesus falara da « nova e eterna aliança », estipulada no seu sangue
derramado (Mt 26, 28; Mc 14, 24; Lc 22, 20).
Esta finalidade última da sua missão era bem evidente já no início da
sua vida pública; de facto, nas margens do Jordão, quando João Baptista
vê Jesus vir ter com ele, exclama: « Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo » (Jo
1, 29). É significativo que a mesma expressão apareça, sempre que
celebramos a Santa Missa, no convite do sacerdote para nos abeirarmos do
altar: « Felizes os convidados para a ceia do Senhor. Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo ». Jesus é o verdadeiro
cordeiro pascal, que Se ofereceu espontaneamente a Si mesmo em
sacrifício por nós, realizando assim a nova e eterna aliança. A
Eucaristia contém nela esta novidade radical, que nos é oferecida em
cada celebração.
A instituição da Eucaristia
Deste modo, a nossa
reflexão foi deter-se na instituição da Eucaristia durante a Última
Ceia. O facto teve lugar no âmbito duma ceia ritual, que constituía o
memorial do acontecimento fundador do povo de Israel: a libertação da
escravidão do Egipto. Esta ceia ritual, associada com a imolação dos
cordeiros (Ex 12, 1-28. 43-51), era memória do passado, mas ao
mesmo tempo também memória profética, ou seja, anúncio duma libertação
futura; de facto, o povo experimentara que aquela libertação não tinha
sido definitiva, pois a sua história ainda estava demasiadamente marcada
pela escravidão e pelo pecado. O memorial da antiga libertação
abria-se, assim, à súplica e ao anseio por uma salvação mais profunda,
radical, universal e definitiva. É neste contexto que Jesus introduz a
novidade do seu dom; na oração de louvor — a Berakah —, Ele dá
graças ao Pai não só pelos grandes acontecimentos da história passada,
mas também pela sua própria « exaltação ». Ao instituir o sacramento da
Eucaristia, Jesus antecipa e implica o sacrifício da cruz e a vitória da
ressurreição; ao mesmo tempo, revela-Se como o verdadeiro cordeiro imolado, previsto no desígnio do Pai desde a fundação do mundo, como se lê na I Carta de Pedro
(1, 18-20). Ao colocar o dom de Si mesmo neste contexto, Jesus
manifesta o sentido salvífico da sua morte e ressurreição, mistério este
que se torna uma realidade renovadora da história e do mundo inteiro.
Com efeito, a instituição da Eucaristia mostra como aquela morte, de per
si violenta e absurda, se tenha tornado, em Jesus, acto supremo de amor
e libertação definitiva da humanidade do mal.
A figura deu lugar à Verdade
Como vimos, Jesus insere a sua novidade (novum)
radical no âmbito da antiga ceia sacrificial hebraica. Uma tal ceia,
nós, cristãos, já não temos necessidade de a repetir. Como justamente
dizem os Padres, figura transit in veritatem: aquilo que
anunciava as realidades futuras cedeu agora o lugar à própria Verdade. O
antigo rito consumou-se e ficou definitivamente superado mediante o dom
de amor do Filho de Deus encarnado. O alimento da verdade, Cristo
imolado por nós, pôs termo às figuras (dat figuris terminum). Com a sua ordem « Fazei isto em memória de Mim » (Lc 22, 19; 1 Cor 11,
25), pede-nos para corresponder ao seu dom e representá-Lo
sacramentalmente; com tais palavras, o Senhor manifesta, por assim
dizer, a esperança de que a Igreja, nascida do seu sacrifício, acolha
este dom desenvolvendo, sob a guia do Espírito Santo, a forma litúrgica
do sacramento. De fato, o memorial do seu dom perfeito não consiste na
simples repetição da Última Ceia, mas propriamente na Eucaristia, ou
seja, na novidade radical do culto cristão. Assim Jesus deixou-nos a
missão de entrar na sua « hora »: « A Eucaristia arrasta-nos no acto
oblativo de Jesus. Não é só de modo estático que recebemos o Logos
encarnado, mas ficamos envolvidos na dinâmica da sua doação ». Ele «
arrasta-nos para dentro de Si ». A conversão substancial do pão e do
vinho no seu corpo e no seu sangue insere dentro da criação o princípio
duma mudança radical, como uma espécie de « fissão nuclear » (para
utilizar uma imagem hoje bem conhecida de todos nós), verificada no mais
íntimo do ser; uma mudança destinada a suscitar um processo de
transformação da realidade, cujo termo último é a transfiguração do
mundo inteiro, até chegar àquela condição em que Deus seja tudo em todos
(1 Cor 15, 28).
Fonte: http://www.vatican.va
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