11º Domingo do Tempo Comum - Ano B
A liturgia do 11º Domingo do Tempo Comum
convida-nos a olhar para a vida e para o mundo com confiança e esperança. Deus,
fiel ao seu plano de salvação, continua, hoje como sempre, a conduzir a
história humana para uma meta de vida plena e de felicidade sem fim.
Na primeira leitura, o profeta Ezequiel
assegura ao Povo de Deus, exilado na Babilônia, que Deus não esqueceu a
Aliança, nem as promessas que fez no passado. Apesar das vicissitudes, dos
desastres e das crises que as voltas da história comportam, Israel deve
continuar a confiar nesse Deus que é fiel e que não desistirá nunca de oferecer
ao seu Povo um futuro de tranquilidade, de justiça e de paz sem fim.
O Evangelho apresenta uma catequese sobre o
Reino de Deus – essa realidade nova que Jesus veio anunciar e propor. Trata-se
de um projeto que, avaliado à luz da lógica humana, pode parecer condenado ao
fracasso; mas ele encerra em si o dinamismo de Deus e acabará por chegar a todo
o mundo e a todos os corações. Sem alarde, sem pressa, sem publicidade, a
semente lançada por Jesus fará com que esta realidade velha que conhecemos vá,
aos poucos, dando lugar ao novo céu e à nova terra que Deus quer oferecer a
todos.
A segunda leitura recorda-nos que a vida nesta
terra, marcada pela finitude e pela transitoriedade, deve ser vivida como uma
peregrinação ao encontro de Deus, da vida definitiva. O cristão deve estar
consciente de que o Reino de Deus (de que fala o Evangelho de hoje), embora já
presente na nossa atual caminhada pela história, só atingirá a sua plena
maturação no final dos tempos, quando todos os homens e mulheres se sentarem à
mesa de Deus e receberem de Deus a vida que não acaba. É para aí que devemos
tender, é essa a visão que deve animar a nossa caminhada.
LEITURA I – Ez 17,22-24
No ano de 609 a. C., o faraó Necao
derrotou o rei Josias e colocou no trono de Judá Joaquim, que durante algum
tempo foi vassalo do Egito. Contudo, em 605 a.C., Nabucodonosor derrotou as tropas
assírias e egípcias em Carquemish, prosseguiu a sua campanha em direção ao Egito
e assumiu o controlo da Síria e da Palestina. Joaquim ficou a pagar tributo aos
babilônios. Quando, em 601, Nabucodonosor não conseguiu conquistar o Egito, Joaquim
julgou chegada a hora de se libertar do domínio babilônico. Contudo,
Nabucodonosor reagiu sitiando Jerusalém, em 598 a. C., e Joaquim morreu
durante o cerco, ou foi deportado para a Babilônia. Sucedeu-lhe Jeconias que,
ao fim de três meses de resistência, se rendeu aos babilônios (597 a.C.).
Nabucodonosor instalou, então, no trono de
Judá um tal Sedecias. Durante algum tempo, Judá manteve-se tranquilo, pagando
pontualmente os tributos devidos aos babilônios; mas, ao fim de algum tempo,
aproveitando a conjuntura política favorável, Sedecias aliou-se com os egípcios
e deixou de pagar o tributo. Nabucodonosor enviou imediatamente um exército que
cercou Jerusalém. Apesar do socorro de um exército egípcio, Jerusalém teve de
se render aos babilônios. Sedecias, aproveitando as sombras da noite, tentou
fugir da cidade; mas foi feito prisioneiro, viu os seus filhos serem
assassinados e ele próprio foi levado prisioneiro para a Babilônia, onde acabou
os seus dias.
Ezequiel, o “profeta da esperança”, exerceu o
seu ministério na Babilônia no meio dos exilados judeus. O profeta fez parte de
uma primeira “leva” de exilados que, em 597 a.C., chegou à Babilônia, após a derrota de
Jeconias.
A primeira fase do ministério de Ezequiel
decorreu entre 593 a.C.
(data do seu chamamento à vocação profética) e 586 a.C. (data em que Jerusalém foi
conquistada uma segunda vez pelos exércitos de Nabucodonosor e um novo grupo de
exilados foi encaminhado para a Babilônia). Nesta fase, o profeta preocupou-se
em destruir as falsas esperanças dos exilados (convencidos de que o exílio
terminaria em breve e que iam poder regressar rapidamente à sua terra) e em
denunciar a multiplicação das infidelidades a Jahwéh por parte desses membros
do Povo judeu que escaparam ao primeiro exílio e que ficaram em Jerusalém.
É precisamente neste contexto que Ezequiel
propõe “um enigma”, “uma parábola”, que nos é apresentada ao longo do capítulo
17 do seu livro. Fala de uma “águia” (provavelmente o rei Nabucodonosor), que
“veio do Líbano comer a ponta do cedro. Apanhou o ramo mais elevado”
(provavelmente o rei Jeconias) e levou-o para o país dos comerciantes (isto é,
a Babilônia). Em seu lugar, plantou outra árvore (provavelmente Sedecias). Esta
árvore, uma “videira”, não irá, contudo, prosperar, apesar das tentativas de
aliança com o Egito. Mais, será levado prisioneiro para a Babilônia e lá
morrerá (Ez 17,10).
A mensagem deste “enigma” é óbvia: os exilados
não devem alimentar ilusões ao ver as jogadas políticas de Sedecias, aliado com
os egípcios. A política de Sedecias, em Jerusalém, não significará a liberdade
dos exilados, mas, pelo contrário, conduzirá a uma nova catástrofe.
Estará então tudo terminado? Já não há
esperança? Deus abandonou definitivamente o seu Povo e esqueceu as suas
promessas de salvação?
É precisamente aqui que se encaixa o oráculo
de salvação que a primeira leitura deste domingo nos apresenta: não, apesar das
dramáticas circunstâncias do tempo presente, Deus não abandonou o seu Povo, mas
irá construir com ele uma história nova, de salvação e de graça.
Deus não esqueceu a promessa feita, por
intermédio do profeta Natan (cf. 2 Sm 7), e na qual assegurou a David a
continuidade do seu trono. É verdade que a dinastia de David (o “ramo mais
elevado” do “cedro” – Ez 17,3-4) foi arrancada; mas Deus não abandonou o seu
Povo: Ele próprio vai tomar um “ramo novo”, plantá-lo na montanha de Israel,
fazê-lo dar frutos e torná-lo uma árvore resistente e de grande porte (Ez
17,22-23) – ou seja, irá restabelecer a dinastia davídica em Jerusalém,
assegurando ao seu Povo um futuro pleno de vida, de felicidade e de paz sem
fim.
O texto sublinha, antes de mais, a presença onipotente
de Deus na história da humanidade. Ele preside à história humana, tem um projeto
de salvação e conduz sempre a caminhada dos homens de acordo com o seu plano. O
poder orgulhoso dos impérios humanos nada pode contra esse Deus que é o Senhor
da história e que, com paciência e amor, vai concretizando o seu projeto.
Além disso, Ezequiel assegura aos exilados a
“fidelidade” de Deus às suas promessas. Deus não falha, não esquece os seus
compromissos, não abandona esse Povo com quem se comprometeu. Mesmo afogado na
angústia e no sofrimento, mesmo mergulhado num horizonte de desespero, Israel
tem de aprender a confiar nesse Deus que é sempre fiel às suas promessas e aos
compromissos que assumiu com o seu Povo no âmbito da Aliança. Tudo pode cair,
tudo pode falhar; só Deus não falha.
O nosso texto contém ainda uma indicação sobre
a forma de atuar de Deus, sobre a “estranha” lógica de Deus: Ele toma aquilo
que é pequeno aos olhos dos homens (“um ramo novo” – Ez 17,22) e, através dele,
vence o orgulho e a prepotência, confunde os poderosos e exalta os humildes.
Deus prefere os pequenos, os débeis, os pobres (aqueles que na sua humildade e
simplicidade estão sempre disponíveis para acolher os desafios e os dons de
Deus); e é através deles que concretiza os seus projetos de salvação e de
graça.
Estes poucos versículos contêm um imenso
capital de esperança, que deve alimentar e animar, hoje como ontem, a caminhada
do Povo de Deus pela história.
ATUALIZAÇÃO
¨ Essencialmente, o texto de Ezequiel que a
liturgia deste domingo nos propõe garante que Deus conduz sempre a história
humana de acordo com o seu projeto de salvação e mantém-se fiel às promessas
feitas ao seu Povo. Esta “lição” não pode ser esquecida e essa certeza deve
levar-nos a encarar os dramas e desafios do tempo atual com confiança e
esperança. Não estamos abandonados à nossa sorte; Deus não desistiu desta
humanidade que Ele ama e continua a querer salvar. É verdade que a hora atual
que a humanidade atravessa está marcada por sombras e graves inquietações; mas
também é verdade que Deus continua a acompanhar cada passo que damos e a
apontar-nos caminhos de vida. A última palavra – uma palavra que não pode
deixar de ser de salvação e de graça – será sempre de Deus. Ancorados nessa
certeza, temos de vencer o medo e o pessimismo que, por vezes, nos paralisam e
dar aos homens nossos irmãos um testemunho de esperança, de serena confiança.
¨ A referência – mil vezes repetida ao longo
da Bíblia – à tal “estranha lógica” de Deus, que se serve do que é débil e
frágil para concretizar os seus projetos de salvação, convida-nos a mudar os
nossos critérios de avaliação e a nossa atitude face ao mundo e face aos que
nos rodeiam. Por um lado, ensina-nos a valorizar aquilo e aquelas pessoas que o
mundo, por vezes, marginaliza ou despreza; ensina-nos, por outro lado, que as
grandes realizações de Deus não estão dependentes das grandes capacidades dos
homens, mas antes da vontade amorosa de Deus; ensina-nos ainda que o
fundamental, para sermos agentes de Deus, não é possuir brilhantes qualidades
humanas, mas uma atitude de disponibilidade humilde que nos leve a acolher os
apelos e desafios de Deus.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 91 (92)
Refrão: É bom louvar-Vos, Senhor.
É bom louvar o Senhor
e cantar salmos ao vosso nome, ó Altíssimo,
proclamar pela manhã a vossa bondade
e durante a noite a vossa fidelidade.
O justo florescerá como a palmeira,
crescerá como o cedro do Líbano;
plantado na casa do Senhor,
florescerá nos átrios do nosso Deus.
Mesmo na velhice dará o seu fruto,
cheio de seiva e de vigor,
para proclamar que o Senhor é justo:
n’Ele, que é o meu refúgio, não há iniquidade.
LEITURA II – 2 Cor 5,6-10
Por volta de 56/57, chegam a Corinto
missionários itinerantes que se apresentam como apóstolos e criticam Paulo,
lançando a confusão na comunidade. Provavelmente, trata-se desses “judaizantes”
que queriam impor aos pagãos convertidos as práticas da Lei de Moisés (embora
também possam ser cristãos que condenam a severidade de Paulo e que apoiam o
laxismo da vida dos coríntios). De qualquer forma, Paulo é informado de que a
validade do seu ministério está a ser desafiada e dirige-se a toda a pressa
para Corinto, disposto a enfrentar o problema. O confronto é violento e Paulo é
gravemente injuriado por um membro da comunidade (cf. 2 Cor 2,5-11; 7,11). Na
sequência, Paulo abandona Corinto e parte para Éfeso. Passado algum tempo,
Paulo envia Tito a Corinto, a fim de tentar a reconciliação. Quando Tito
regressa, traz notícias animadoras: o diferendo foi ultrapassado e os coríntios
estão, outra vez, em comunhão com Paulo. É nessa altura que Paulo, aliviado e
com o coração em paz, escreve esta Carta aos Coríntios, fazendo uma tranquila
apologia do seu apostolado.
O texto que nos é proposto está incluído na
primeira parte da Carta (2 Cor 1,3-7,16), onde Paulo reflete e escreve sobre a
grandeza e as dificuldades, os riscos e as compensações do ministério
apostólico.
Na perícope que vai de 4,16 a 5,10, Paulo defende a
ideia de que, apesar de tudo, vale a pena acolher os desafios de Deus: no final
do caminho percorrido nesta terra, espera-nos uma vida nova, uma vida plena e
eterna. Para pintar o contraste entre a vida nesta terra e a vida futura, Paulo
utiliza (cf. 2 Cor 5,1-4) a imagem da tenda que se monta e desmonta (que
representa a vida transitória e corruptível desta terra) e da casa solidamente
construída (que representa a vida plena e eterna).
A vida terrena, passageira e mortal é, para
Paulo, um exílio “longe do Senhor” (vers. 6). Esse tempo de exílio neste mundo
caracteriza-se por um conhecimento de Deus parcial: é o tempo da fé. Paulo –
como todos os verdadeiros crentes – anseia pelo tempo “da visão” – isto é, pelo
tempo do encontro face a face com Deus. Então, a vida caduca e transitória dará
lugar a uma vida gloriosa e indestrutível.
Uma leitura simplista destes versículos
poderia transmitir a ideia de que Paulo negligencia a vida terrena; contudo,
essa ideia não é exata… Para Paulo, a perspectiva dessa outra vida nova, plena
e eterna, não significa um alhear-se das responsabilidades que temos, como
crentes, enquanto caminhamos neste mundo finito e transitório. Aos crentes
compete, enquanto “habitam este corpo” mortal, viver de acordo com as
exigências de Deus, caminhar à luz da fé, assumir as suas responsabilidades
enquanto discípulos comprometidos com Cristo e com o seu Reino. A perspectiva dessa
vida plena que nos espera para além desta terra deve estar permanentemente no
horizonte do crente que caminha pela história, fundamentar e iluminar o seu
compromisso e a sua fidelidade a Jesus Cristo e ao Evangelho.
De resto, a preocupação de Paulo não é
apresentar uma doutrina escatológica perfeitamente definida; mas é, sobretudo,
lembrar aos cristãos a sua condição de peregrinos, que “não têm morada
permanente” nesta terra: o destino final de cada homem ou mulher é o encontro
com o Senhor, a vida plena e definitiva.
ATUALIZAÇÃO
¨ A cultura atual é uma cultura do provisório,
que dá prioridade ao que é efêmero sobre as realidades perenes com a marca da
eternidade: propõe que se viva ao sabor do imediato e do momento, e
subalterniza as opções definitivas e os valores duradouros. É também uma
cultura do bem-estar material: ao seduzir os homens com o brilho dos bens
perecíveis, ao potenciar o reinado do “ter” sobre o “ser”, escraviza o homem e
relativiza a sua busca de eternidade. É ainda uma cultura da facilidade, que
ensina a evitar tudo o que exige esforço, sofrimento e luta: produz pessoas
incapazes de lutar por objetivos exigentes e por realizar projetos que exijam
esforço, fidelidade, compromisso, sacrifício. Neste contexto, a palavra de
Paulo aos cristãos de Corinto soa a desafio profético: é necessário que
tenhamos sempre diante dos olhos a nossa condição de “peregrinos” nesta terra e
que aprendamos a dar valor àquilo que tem a marca da eternidade. É nos valores
duradouros – e não nos valores efêmeros e passageiros – que encontramos a vida
plena. O fim último da nossa existência não está nesta terra; o nosso horizonte
e as nossas apostas devem apontar sempre para o mais além, para a vida plena e
definitiva.
¨ Contudo, o fato de vivermos a olhar para o
mais além não pode levar-nos a ignorar as realidades terrenas e os compromissos
com a construção da cidade dos homens. O Reino de Deus – que atingirá a sua
plena maturação quando tivermos ultrapassado o transitório e o efêmero da vida
presente – começa a ser construído nesta terra e exige o nosso compromisso
pleno com a construção de um mundo mais justo, mais fraterno, mais verdadeiro.
Não há comunhão com Cristo se nos demitimos das nossas responsabilidades em
testemunhar os gestos e os valores de Cristo.
ALELUIA
Aleluia. Aleluia.
A semente é a palavra de Deus e o semeador é
Cristo:
quem O encontrar permanecerá para sempre.
EVANGELHO – Mc 4,26-34
Na primeira parte do Evangelho segundo Marcos
(cf. Mc 1,14-8,30), Jesus é apresentado como o Messias que proclama o Reino de
Deus. Marcos procura aí demonstrar como Jesus, com palavras e gestos, anuncia
um mundo novo (o “Reino de Deus”), livre do egoísmo, da opressão, da injustiça
e de tudo o que escraviza os homens e os impede de ter acesso à vida
verdadeira.
Estamos na Galileia, nos primeiros tempos do
anúncio do Reino. Uma grande multidão segue Jesus, a fim de escutar os seus
ensinamentos (cf. Mc 3,7.20.32; 4,1). Para fazer chegar a todos a sua proposta,
Jesus precisará de utilizar uma linguagem acessível, viva, questionadora,
concreta, desafiadora, evocadora, pedagógica, que pudesse semear no coração dos
ouvintes a consciência dessa nova e revolucionária realidade que Ele queria
propor. É neste contexto que nos aparecem as “parábolas”.
As “parábolas” são uma linguagem habitual na
literatura dos povos do Médio Oriente: o gênio oriental gosta mais de falar e
instruir através de imagens, de comparações, de alegorias, do que através de um
discurso mais lógico, mais frio, mais racional. De resto, a linguagem
parabólica tem várias vantagens em relação a um discurso mais racional e
expositivo. Que vantagens?
Em primeiro lugar, é uma excelente arma de
controvérsia. A linguagem figurada permite levar o interlocutor a admitir
certos pontos que, de outro modo, nunca mereceriam a sua concordância. A
parábola é, pois, um bom instrumento de diálogo, sobretudo em contextos polêmicos
(como era, quase sempre, o contexto em que Jesus pregava).
Em segundo lugar, a imagem ou comparação que
caracteriza a linguagem parabólica é muito mais rica em força de comunicação e
em poder de evocação, do que a simples exposição teórica. Talvez seja uma
linguagem mais vaga e imprecisa, do ponto de vista racional; mas é mais
profunda, mais carregada de sentido, mais evocadora e, por isso, “mexe” mais
com os ouvintes.
Em terceiro lugar, porque a linguagem
parabólica – muito mais do que outro tipo de linguagem – espicaça a curiosidade
e incita à busca. Na sua simplicidade, torna-se um verdadeiro método pedagógico,
que leva as pessoas a pensar por si, a medir os prós e os contras, a tirar
conclusões, a interiorizar soluções e a integrá-las na própria vida. É uma
linguagem que, mais do que injetar nas pessoas soluções feitas, as leva a refletir
e a tirar daí as devidas consequências. Trata-se, pois, de linguagem altamente
subversiva: ensina o povo a pensar, a ser crítico, a descobrir onde está a
verdade. Ora, isso é altamente incômodo para os defensores do mundo velho e da
ordem estabelecida.
Uma linguagem tão sugestiva não podia ser
ignorada por Jesus no seu anúncio do “Reino de Deus”. É neste contexto que
devemos entender as duas parábolas que o Evangelho deste domingo nos apresenta.
A primeira parábola (vers. 26-29) é a do grão
que germina e cresce por si só. A parábola refere a intervenção do agricultor
apenas no ato de semear e no ato de ceifar. Cala, de propósito, qualquer menção
às demais ações do agricultor: arar a terra, regar a semente, tirar as ervas
que a impedem de crescer… Ao narrador interessa apenas que, entre a sementeira
e a colheita, a semente vá crescendo e amadurecendo, sem que o homem intervenha
para impedir ou acelerar o processo. A questão essencial não é o que o
agricultor faz, mas o dinamismo vital da semente. O resultado final não depende
dos esforços e da habilidade do homem, mas sim do dinamismo da semente que foi
lançada à terra. Desta forma, o narrador ensina que o Reino de Deus (a semente)
é uma iniciativa divina: é Deus quem atua no silêncio da noite, no tumulto do
dia ou na turbulência da história para que o Reino aconteça; e nenhum obstáculo
poderá frustrar o seu plano. Provavelmente, a parábola é dirigida contra todas
as posturas que pretendiam forçar a vinda do Reino – a dos zelotas que queriam
instaurar o Reino através da violência das armas, a dos fariseus que pretendiam
forçar o aparecimento do Reino com a obediência a uma disciplina legal, a dos
apocalípticos que faziam cálculos precisos sobre a data da irrupção do Reino.
Não adianta forçar o tempo ou os resultados: é Deus que dirige a marcha da
história e que fará com que o Reino aconteça, de acordo com o seu tempo e o seu
projeto. Desta forma, a parábola convida à serenidade e à confiança nesse Deus
que não dorme nem se demite e que não deixará de realizar, a seu tempo e de
acordo com a sua lógica, o seu plano para os homens e para o mundo.
A segunda parábola (vers. 30-32) é a do grão
de mostarda. O narrador pretende, fundamentalmente, pôr em relevo o contraste
entre a pequenez da semente (a semente da mostarda negra tem um diâmetro
aproximado de 1,6
milímetros e era a semente mais pequena, no entendimento
popular palestino; a tradição judaica celebrava com provérbios a sua pequenez)
e a grandeza da árvore (nas margens do lago da Galileia alcançava uma altura de
2 a 4 metros). A comparação
serve para dizer que a semente do Reino lançada pelo anúncio de Jesus pode
parecer uma realidade pequena e insignificante, mas está destinada a atingir
todos os cantos do mundo, encarnando em cada pessoa, em cada povo, em cada sociedade,
em cada cultura. O Reino de Deus, ainda que tenha inícios modestos ou que se
apresente com sinais de debilidade e pequenez aos olhos do mundo, tem uma força
irresistível, pois encerra em si o dinamismo de Deus. Além disso, a parábola
retoma um tema que já havíamos encontrado na primeira leitura: Deus serve-Se de
algo que é pequeno e insignificante aos olhos do mundo para concretizar os seus
projetos de salvação e de graça em favor dos homens.
A parábola é um convite à esperança, à
confiança e à paciência. Nos fatos aparentemente irrelevantes, na simplicidade
e normalidade de cada dia, na insignificância dos meios, esconde-se o dinamismo
de Deus que atua na história e que oferece aos homens caminhos de salvação e de
vida plena.
ATUALIZAÇÃO
¨ Antes de mais, o Evangelho deste domingo
garante-nos que Deus tem em marcha um projeto destinado a oferecer aos homens a
vida e a salvação. Pode parecer que a nossa história caminha entregue ao acaso
ou aos caprichos dos líderes; pode parecer que a história humana entrou em
derrapagem e que, no final do caminho, nos espera o abismo; mas é Deus que
conduz a história, que lhe imprime o seu dinamismo, que está presente em todos
os passos do nosso caminho. Deus caminha conosco e, garantidamente, leva-nos pela
mão ao encontro de um final feliz. Num tempo histórico como o nosso, marcado
por “sombras”, por crises e por graves inquietações, este é um dos testemunhos
mais importantes que podemos, como crentes, oferecer aos nossos irmãos
escravizados pelo desespero e pelo medo.
¨ O projeto de salvação que Deus tem para a
humanidade revela-se no anúncio do Reino, feito por Jesus de Nazaré. Nas suas
palavras, nos seus gestos, Jesus propôs um caminho novo, uma nova realidade;
lançou a semente da transformação dos corações, das mentes e das vontades, de
forma a que a vida dos homens e das sociedades se construa de acordo com os
esquemas de Deus. Essa semente não foi lançada em vão: está entre nós e cresce
por ação de Deus. Resta-nos acolher essa semente e deixar que Deus realize a
sua ação. Resta-nos também, como discípulos de Jesus, continuar a lançar essa
semente do Reino, a fim de que ela encontre lugar no coração de cada homem e de
cada mulher.
¨ Os que, continuando a missão de Jesus,
anunciam a Palavra (que lançam a semente) não devem preocupar-se com a forma
como ela cresce e se desenvolve. Devem, apenas, confiar na eficácia da Palavra
anunciada, conformar-se com o tempo e o ritmo de Deus, confiar na ação de Deus
e no dinamismo intrínseco da Palavra semeada. Isso equivale a respeitar o
crescimento de cada pessoa, o seu processo de maturação, a sua busca de
caminhos de vida e de plenitude. Não nos compete exigir que os outros caminhem
ao nosso ritmo, que pensem como nós, que passem pelas mesmas experiências e exigências
que para nós são válidas. Há que respeitar a consciência e o ritmo de caminhada
de cada homem ou mulher – como Deus sempre faz.
¨ A referência à pequenez da semente (segunda
parábola) convida-nos – como já o havia feito a primeira leitura deste domingo
– a rever os nossos critérios de atuação e a nossa forma de olhar o mundo e os
nossos irmãos. Por vezes, é naquilo que é pequeno, débil e aparentemente
insignificante que Deus Se revela. Deus está nos pequenos, nos humildes, nos
pobres, nos que renunciaram a esquemas de triunfalismo e de ostentação; e é
deles que Deus Se serve para transformar o mundo. Atitudes de arrogância, de
ambição desmedida, de poder a qualquer custo, não são sinais do Reino. Sempre
que nos deixamos levar por tentações de grandeza, de orgulho, de prepotência,
de vaidade, estamos a frustrar o projeto de Deus, a impedir que o Reino de Deus
se torne realidade no mundo e nas nossas vidas.
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