Deus se faz homem por nós
“Apalpamos como cegos a parede, andamos tateando; jazemos como mortos nas trevas; rugimos como ursos e gememos como pombas, à espera da salvação". Assim falava Isaias aos seus contemporâneos.
Nós, porém, anunciamos uma grande alegria: eis o nosso Deus. Hoje nasceu nosso salvador, Cristo Senhor; esta é a nossa alegre certeza; embora muitos homens ainda vivam as palavras de Isaias, nossos ouvidos escutaram no meio da noite: a estrela da manhã se levantou; um menino nasceu para nós. O seu nome é "Deus vem salvar-nos". "Salvador" é em nossa língua o nome mais elevado para Jesus de Nazaré; salvador significa certeza. Salvador. Um salvador na figura de uma criança, um salvador tão vulnerável, tão frágil e desarmado como uma criança.
Um menino nasceu para nós
Para reconquistar os homens, para elevá-los a si, para falar com eles, Deus veio a este mundo como uma criança; como um balbucio que é fácil
sufocar. E, de fato, o sufocam. Sufocam-no, fazendo do Natal a festa da sociedade de consumo, do esbanjamento institucionalizado; festa dos presentes e das decorações luminosas, do décimo terceiro salário e dos champanhas e panetones; festa de certa poesia de bondade generalizada, de um difuso sentimentalismo com verniz de generosidade e emoção.
Outros sufocam o Deus-Menino impedindo-o de crescer: Deus permanece criança por toda a sua vida; uma frágil estatueta de terracota, relegada a uma caixa, que se coloca no presépio uma vez por ano; é preciso um pretexto para dar certa aparência religiosa a esse natal pagão. As palavras que essa Criança trouxe aos homens não são ouvidas; são exigentes e inoportunas, enquanto um cristianismo adocicado é muito mais cômodo.
"Veio entre os seus"(Jo 1, 11)
Jesus não é uma tradição anual, não é um mito, não é uma fábula. Jesus é parte verdadeira da nossa história humana. O sentido teológico da vinda de Cristo não destrói por si só a moldura festiva e a poesia do Natal, mas a redimensiona e a coloca em seu justo contexto; Jesus que nasce é a Palavra de Deus que se faz carne; nós, seres humanos, somos levados talvez a nos deter mais na criancinha, terna e frágil, do que em seu aspecto de Verbo encarnado. Por isso, na liturgia de hoje, o alegre anúncio do nascimento de Cristo nos é dado com as palavras de Lucas e de João. Lucas se detém em algumas particularidades históricas que nos dão suficiente garantia de historicidade e credibilidade, e nos mostram um Jesus pobre, filho de humildes operários, um número apenas de uma remota província do império romano, um portador de todas as promessas do Antigo Testamento, embora de um modo um pouco diferente do que era esperado e suspirado pelo povo judeu, tanto que só os pobres, os vazios de si", os vigilantes, o reconhecem. João inclui a encarnação no plano da história da salvação. Assim como através do Verbo eterno foi esboçada a primeira criação, pela obra da encarnação do mesmo Verbo advém uma nova criação: o homem adquire a condição de filho de Deus; a relação homem-Deus, que o pecado havia rompido, é restabelecida em Cristo. Tornado filho de Deus, o homem está em condições de realizar seu papel de criatura; pode dirigir-se a Deus e chamá-lo "pai", e é livre, porque filho e não servo, e ama os outros homens porque irmãos.
Um homem como nós!
Não é fácil, tampouco, tentar descrever o grande mistério da encarnação de Deus. Como escreve João, "não bastariam todos os livros do mundo". "Em todos os testemunhos da fé cristã primitiva uma coisa é clara: no âmbito da história apresenta-se um homem, um homem como todos nós; porém, em toda a sua existência terrena, do nascimento à terrível morte na cruz, ultrapassa de tal modo as dimensões do humano que nos abre uma porta que faz entrever a transcendência da existência humana. Um homem que faz sinais extraordinários e pronuncia palavras que não passam; põe em prática o amor como nenhum outro; revela o que é o amor que salva os homens; é imagem e sinal de Deus neste mundo. Um homem em quem o eterno irrompe no tempo; através do qual os homens vêm a conhecer a profundidade e a altura da existência humana.
Torna-se ele esperança para os homens destinados à morte, pois morrendo nos merece a vida e nos abre um novo futuro. Tudo isso se revela desde o seu nascimento; a frágil criancinha que jaz na manjedoura é o salvador do mundo. Isto é a imperecível mensagem do Natal - sem mito nem lenda" (R. Schnackenburg).
A†Ω
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