Leituras: Segundo Livro de Samuel 7, 1-5.8b-12.14a.16;
Salmo 88 (89), 2-3.4-5.27.29(R/. 2a);
Carta de São Paulo aos Romanos 16, 25-27;
Lucas 1, 26-38.
COR LITÚRGICA: ROXA
1. Situando- nos brevemente
Para sublinhar em que ponto a celebração nos situa, recordemos nosso trajeto realizado: nos dois primeiros domingos do Advento, chamados de Advento escatológico, nossa expectativa foi reacendida em vista das realidades futuras e dos últimos tempos que Jesus inaugurou a partir de sua vinda histórica e sua glorificação. A acolhida do anúncio da Palavra de Deus nos preparou na direção desse evento derradeiro, que o povo da Primeira Aliança viu realizar na Igreja, como já participante das realidades futuras.
No terceiro domingo, com o olhar mais voltado para a vinda histórica, a Igreja se alegrou, como que antecipando aquilo a que se prepara e, no canto de Maria, proclamou as maravilhas que Deus realizou por seu povo e continua a realizar por meio de Jesus e de seu Espírito. Nesse mesmo período iniciamos a novena de Natal do Senhor, intensificando a nossa espera e vigilância, enchendo nossas lâmpadas com o azeite da oração, adentrando no festim do noivo que veio ao nosso encontro.
Cada domingo, como luz a iluminar nossos passos, nos conduziu a este momento, onde contemplamos a Virgem como a um espelho, onde podemos ver a imagem daquilo que a Igreja é chamada a ser: casa preparada por Deus, arca da Aliança e receptáculo do Mistério outrora escondido e que Deus, por imensa bondade, revelou a todos (2ª Leitura).
2. Recordando a Palavra
O texto da anunciação do anjo a Maria, muito conhecido de todos, pode sugerir duas
interpretações: ele fala da vocação de Maria ou de Jesus e de sua concepção no seio da Virgem, como Filho do Altíssimo e Messias esperado pelo povo da Primeira Aliança. A segunda opção parece ser a mais correta, embora isso não desqualifique o papel de Maria na história da Salvação.
De fato, sua participação é fundamental, por ser a Mãe do Senhor. Mas sua maternidade deve ser compreendida para além da linhagem carnal, pois os evangelhos valorizam a familiaridade com Jesus a partir da obediência à vontade de Deus, expressa pela sua Palavra (Cf. Mc 3,31-35; Lc 8, 19-21; Mt 12, 46-50). Maria é Mãe de Jesus pelas duas vias: com primeira discípula e como aquela que o concebe em seu seio.
A aclamação ao evangelho, como que antecipando a narração, orienta nosso olhar para o mesmo foco: “eis a serva do Senhor; cumpra-se em mim a tua palavra!”. O que Maria diz de si mesma não é outra coisa senão sua dependência em relação ao Mistério que abriga. Ela se
autodenomina “serva do Senhor” e obediente se sujeita à ação de Deus.
Mas o anúncio do anjo, de fato, só pode ser entendido em pauta cristológica. Uma “chave” de
compreensão nos é dada pela oração do dia que, num belo paralelo, vai ao cerne da leitura messiânica do texto: “para que, conhecendo pela mensagem do Anjo a encarnação do vosso
Filho, cheguemos por sua paixão e cruz, à glória da ressurreição”.
Os dois verbos, conhecer e chegar, oferecem a mesma idéia: entrar em comunhão, participar.
Conhecer, no próprio texto da anunciação, tem significado de contato íntimo, neste caso,
conjugal: comunhão de corpos que viabiliza a fecundação. O questionamento de Maria ao Anjo comprova e elucida o sentido da palavra. Em contrapartida, conhecer, pela anunciação do anjo, a encarnação do Verbo significará, em sentido espiritual e teológico, estar em íntima comunhão, participar do acontecimento nuclear do Natal: o fato de Deus ter se feito humano. Neste caso, porém, é Deus que faz comunhão com a vida humana.
O segundo verbo, “chegar”, nos recordar o percurso e a meta para a qual tendem todas as ações da Igreja: a participação na vida divina, viabilizada pelo mistério de Cristo. Usando as mesmas palavras, significa alcançar a comunhão, ou a participação na morte e ressurreição do Senhor. Ao encontro da comunhão de Deus com a humanidade, a Igreja entra em comunhão com a natureza divina.
A íntima conexão, entretanto, não se dá apenas pelos verbos apresentados, mas também pelos mistérios da encarnação e da redenção. Para Leão Magno, o Natal era verdadeiro sacramento (mistério), pelo qual se possibilitou a redenção, pois o que havia sido anunciado só poderia ser realizado com a vinda de Cristo (Cf. LEÃO MAGNO, Sermão IV do Natal (4275), in. Antologia Litúrgica. Textos litúrgicos, patrísticos e canônicos do Primeiro Milênio. Fátima: Secretariado Nacional de Liturgia, 2003, p. 1020) è a encarnação que inicia a salvação do homem: “Nosso Senhor Jesus Cristo, nascendo como verdadeiro homem, (...) iniciou em si uma nova criatura (Idem, Sermão VII do Natal (4289), in. Antologia Litúrgica, p. 1022).
3. Atualizando a Palavra
A celebração do quarto domingo, como último domingo do Advento histórico, na mesa dinâmica do terceiro domingo, antecipa a realidade festiva que se desabrocha no Natal. Nesta celebração a Igreja é a receptadora do anúncio do Anjo, participando da encarnação do Verbo ao acolher a Palavra proclamada, exercendo seu discipulado na escuta e na obediência e deixando realizar em seu seio a salvação esperada. Contudo, a chave messiânica da compreensão dos textos nos convida a perceber que a salvação principiou neste mistério e se completa na páscoa do Senhor, para a qual rumamos.
Nós, que também já desfrutamos da vida divina em Cristo pela participação em sua páscoa
(oração da comunhão), não deveríamos fazer o seu caminho de encontro com as realidades
carentes de vida nova? Prolongar o anúncio do Anjo ao mundo, descobrindo a semente do Verbo nas realidades mais sofridas, não seria nossa resposta, discipular e atenta à vontade do Pai? O Natal do Senhor se orienta e se aprofunda também na páscoa do mundo que anseia por vida nova e por salvação.
O mistério da encarnação, iniciado hoje com a anunciação do Anjo à Virgem, é aprofundado pelo mistério da cruz que nos leva à ressurreição. Segundo uma mensagem de Natal, “Para quem consciência ainda tem, o Natal é dura cruz na casa de alguém” (Cartão de Natal do CEBI, Centro de Estudos Bíblicos), poderemos nos encaminhar mais ligeiramente para o acontecimento natalino, se estivermos mais atentos e solícitos aos sofrimentos e cruzes que carregam os outros.
4. Ligando a Palavra com ação litúrgica
O período de preparação para o Natal se finda com a imagem de Maria, a Virgem grávida pela ação do Espírito e fiel ouvinte da Palavra de Deus. No tempo do Advento, a comunidade deixou se fecundar pelo mesmo Espírito, na escuta dócil da Palavra que foi anunciada nas leituras, no canto, na homilia, nas preces e nos ritos da Igreja.
Também ela está grávida, à espera do Salvador e na noite de Natal, desentranhará da celebração e da vida, a Luz que tanto esperava. Maria, protótipo da Igreja, é seu modelo e inspiração. Por isso, o olhar atento à Virgem, fará compreender aquilo que a Comunidade é chamada a ser como vigilante à espera do seu Senhor.
A†Ω
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