DEUS EM NÓS — RECAPITULAR TUDO EM CRISTO
“E o Verbo de Deus, o Alfa e o Ômega, O Messias”
Quem é Jesus Cristo? É o Alfa e o Ômega, o princípio e o fim (Ap 1,9). Ele é anterior a todos, o primogênito e o príncipe de toda criatura (Col 1,15). Ele é o herdeiro, o centro do mundo visível e invisível (Hb 1,2), o compêndio dos séculos (Hb 13,8). Sem a luz que Ele irradia, tudo é escuridão. Sem seu trabalho, ordem da natureza e da graça, o homem e o mundo, o passado e o futuro são um livro fechado com sete “chaves” (Ap 5,1).
Jesus é o centro comum da criação, é o anel precioso que une a obra do Onipotente ao Criador divino, é a meta de todas as obras e dos desígnios todos da Providência, é a razão suprema, última, de todas as miras de Deus, na humanidade redimida, de quem é a cabeça, é a norma de todos os nossos progressos, a única verdade que ilumina cada homem e, consequentemente, toda humanidade.
“O Verbo de Deus encarnou-se e fez morada entre nós.”
Grande mistério, mistério inefável, mistério dulcíssimo! O Verbo de Deus se fez carne e colocou sua morada entre nós (Jo 1,14), a divindade se uniu à humanidade e o invisível apareceu visivelmente, o Onipotente se tomou fraco, o Eterno começou a existir, o Imenso tornou-se limitado, fez-se o que não era, sem deixar de ser o que era (Fl 2,6). Quer dizer que, se há tempo, as nações temiam ao ouvir o nome da divindade, nós temos um Deus que não quer ser temido, mas amado (Rm 8,15). Por isso despoja-se da glória, oculta a majestade, liberta-se de toda aparência de grandeza, para aparecer como homem (Fl 2,7).
Este é o que habita no alto dos céus, que passeia por sobre as asas do vento e que mede, com um olhar a terra, Ele é Deus (lo 1,1); mas quase teme aparecer como tal e parece estudar a maneira de não deixar transparecer, senão sua humanidade, para tornar popular a sua demência (Tt 3,4).
“N’Ele somos envolvidos pelo Pai num única ato de amar.”
Deus ama o seu Filho. Ama-o essencialmente. E impossível para Ele encontrar complacência, fora d’Ele, porque o amor de Deus é infinito e não pode ter outro objeto a não ser um objeto infinito: Este é meu filho amado, em quem pus toda minha afeição (Mt 17,5).
Mas este Filho dileto se fez homem. Então, n’Ele, ama o homem. Com um só amor e complacência, em Jesus, abraça tudo, também o corpo e a alma. Ora, nós somos esta carne, estes ossos, nós somos esta natureza, somos um corpo, com Cristo e n’Ele e por Ele, nos tornamos filhos de Deus, pois o mesmo Filho de Deus se prolonga, em nós. Portanto, nós, n’Ele, somos, igualmente, envolvidos e inseridos no Pai, num único ato de amor e como em nós e por nós, se prolonga e se estende a filiação, pela qual Cristo é Filho de Deus, assim, também em nós, se prolonga e se estende o amor do Pai e, portanto, em seu Filho, que lhe é agradável e querido, também nós nos tornamos, para Ele, seres agradáveis e queridos. Amou-nos, em seu Filho muito amado.
“Temos tudo, em Jesus Cristo.”
Jesus Cristo é a luz do mundo (Jo 8,12), o Caminho, a Verdade e a Vida (Jo 14,6). E o vínculo de união, o beijo da paz, entre o céu e a terra, entre o homem e Deus. (Ef 11,14). É Jesus, nosso Redentor, nosso Mestre, nosso Advogado, nosso Modelo, nosso Médico, nosso Chefe, nosso Companheiro, nosso Irmão, nosso Amigo, nosso Conforto, nosso Abrigo, nossa Glória, nossa Alegria, nossa Grandeza.
Ele é o Pontífice da nova Aliança, o Sacerdote Eterno, o Mediador, entre Deus e os homens, a vítima pelos nossos pecados, a nossa real e única felicidade. Ele é a porta, pela qual entramos em seu reino, a Pedra angular e o fundamento sobre o qual o edifício espiritual deve ser assentado. É o pão de nossas almas, o Autor e o consumador da nossa Fé, nosso Prêmio, nossa Coroa, nossa Vida, nosso Tudo. É a Ele, a Jesus, que devemos a graça e a amizade do Pai, a confiança e a liberdade de filhos de Deus. É a Ele, é a Jesus que devemos todos os bens que recebemos de Deus: natureza, graça e glória. É n’Ele, é em Jesus, que somos guardados, se Deus nos conserva, nos sustenta, nos defende, se não nos castiga, como merecemos, se continua a nos suportar e nos esperar. É de Jesus que recebemos as luzes, os conselhos, as inspirações, os bons pensamentos, os desejos piedosos. De Jesus, a coragem nos perigos, a força nas tentações, os sofrimentos nas dores, a paciência nas adversidades, a perseverança no bem, “enriquecei-vos de tudo, em Cristo” (lCor 1). Sim, em Jesus temos tudo, com Jesus podemos tudo, com Jesus tudo esperamos, tudo obtemos de Jesus, porque foi Jesus que quis humilhar-se, por nós, sacrificar-se, por nós, fazer-se tudo, para nós. (lCor 1).
“É nosso, verdadeiramente nosso, inteiramente nosso.”
Fazendo-se homem, eis que Ele, o Eterno, o Imenso, o Criador e Senhor do Universo, o Rei imortal dos séculos, fez-se nosso amigo, nosso irmão, o companheiro de nosso exijo. Desde este dia até o fim dos tempos, Ele não nos abandonará jamais, vivendo por um espaço de trinta anos nossa vida mortal, e permanecendo conosco sob o véu eucarístico, “nascendo, torna-se associado.”
Com ternura única de amor, far-se-á nosso alimento. Nada nos é mais íntimo que o alimento. Assimilando-se à nossa substância, conserva e renova nossas forças. E exatamente sob esta forma que Jesus quer pertencer-nos, “transforma-se em comida”.
Não basta. Na Cruz Ele é nossa vítima. Para remir-nos do pecado e da morte, Ele derrama até a última gota de seu sangue e sacrifica a sua vida, constituindo-se preço do nosso resgate, “morrendo, nos resgata”.
Finalmente, depois de dar-se a nós, de todos estes modos, Ele coroa seus benefícios, doando-se aos eleitos, nos esplendores da glória, para ser-lhes recompensa eterna, “reinando, dá-se em recompensa.” Sim, Jesus, desde este dia, é nosso, verdadeiramente nosso, inteiramente nosso. Seja Ele tudo para nós. Feliz de quem chega a compreendê-lo, e compreendendo-o não busca, não anseia, não quer, senão Jesus!
“É necessário que Jesus Cristo viva em nós.”
É necessário que Jesus Cristo viva em nós. E necessário que Ele opere continuamente, em nós, pois só Ele pode reconciliar a terra com o céu, só Ele pode amar a Deus, quanto é amável e prestar-lhe a honra que lhe é devida.
Mas, como pode Ele, Jesus Cristo, viver, em nós? Através do seu espírito, nisto conhecemos que permanecemos n’Ele e Ele em nós, porque deu-nos o seu Espírito (1 Jo 5,13) e o espírito de Jesus Cristo é o espírito de humildade, de caridade, espírito de abnegação, de sacrifício, de penitência.
“Vem à terra, para fazer-nos viver a sua vida”
Jesus vem à terra, para fazer-nos viver a sua vida, para tornar-nos uma única coisa com Ele. Eu vim, Ele mesmo disse, para que tenham vida e a tenham, abundantemente. Ora, esta vida que Jesus vem nos comunicar, unindo-se à nossa, é sua mesma vida.
A união de Jesus, com a alma cristã é o fundamento de toda ordem sobrenatural. Por ela, o homem se eleva até a participação da natureza divina e nela eleva todo o mundo criado. Cada coisa é vossa, grita o Apóstolo, seja o mundo, seja a vida, seja a morte, seja o presente, seja o futuro. Mas vós sois de Cristo, e Cristo é de Deus, “tudo é vosso. Vós sois de Cristo, Cristo é de Deus.”
Palavras admiráveis que nos revelam a sublime economia do Evangelho. Unida ao Verbo, pela Encarnação, a humanidade sacrossanta de Jesus Cristo tornou-se, n’Ele, uma só pessoa. Unindo-nos a Jesus Cristo por uma união menos perfeita sim, mas todavia íntima, nós somos uma extensão d’Ele mesmo, nós lhe pertencemos como os membros pertencem ao corpo. Somos um corpo, em Cristo.
“Ele mesmo deve ser a nossa vida.”
Não somente devemos viver em Jesus Cristo, mas, ainda Ele mesmo deve ser nossa vida e viver em nós. Viver em nós, com seu espírito, com sua graça, com a marca de seus mistérios, com a aplicação de seus méritos, com a eficácia de seus sacramentos e, sobretudo, com seu Corpo e seu Sangue, de maneira que podemos dizer com o Apóstolo, “não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim”. (Gl 2,20).
Isto quer dizer, escreve o melífluo doutor de Genebra, São Francisco de Sales, Jesus habita em nosso coração e n’Ele reina, como Senhor e Rei; seu espírito se estende, derrama-se em nós e como um calor vital nos conquista, endireita tudo, aquece tudo, santifica tudo, diviniza tudo, e ama no coração, pensa na mente, fala na língua, opera através das mãos e as forças se consomem n’Ele, os estudos fazem-se para a sua glória. Por sua graça cumprem-se os deveres, suportam-se os sofrimentos por amor. Os divertimentos e mesmo os alimentos se tomam, para dar gosto a Ele. Seu trono ergue-se, em meio aos cristãos, “O reino de Deus está no meio de vós” (Lc 17,21).
Uma moeda deve ter a imagem do seu soberano, caso contrário, não tem valor, não pode circular, no comércio. As obras do cristão não servem para comprar o céu, porque não agradam ao eterno Pai, se não se transformam na imagem do seu Filho e não trazem, de certa maneira, o seu caráter. Nós mesmos, ó veneráveis irmãos e filhos caríssimos, não seremos introduzidos na glória, se não formos conformes a este modelo (Rm 8,29).
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