Contemplação e oração.
A contemplação especificamente
religiosa é aquela que se dá em nossa vida de oração.
Toda ela deve ser
considerada vida contemplativa e não apenas a oração de contemplação em
sentido estrito (que o Catecismo da Igreja Católica trata nos nn.
2709-2719), mesmo a oração vocal.
Ao pronunciarmos as fórmulas das
orações, devemos fazê-lo unindo nosso coração à voz, e assim a oração
vocal se converte em uma primeira forma de oração contemplativa, como
nos recorda o Catecismo (n. 2704).
Com maior razão, ainda, pode-se
chamar contemplativa à oração mental ou meditação, que se debruça sobre
os mistérios de Cristo, principalmente através da leitura orante da
Sagrada Escritura (lectio divina), ou por intermédio do santo rosário
(cf. Catecismo, n. 2708). Sobre este último, o Santo Padre João Paulo
II, em sua belíssima carta apostólica Rosarium Virginis Mariae (n.14),
afirma claramente que se trata de uma oração marcadamente contemplativa
(grifo do original), em que juntos com a Virgem, e guiados por suas mãos
maternais, vamos aprendendo a Cristo: A contemplação de Cristo tem em
Maria o seu modelo insuperável.
O rosto do Filho pertence-lhe sob um
título especial. Foi no seu ventre que Se plasmou, recebendo d’Ela
também uma semelhança humana que evoca uma intimidade espiritual
certamente ainda maior.
À contemplação do rosto de Cristo,
ninguém se dedicou com a mesma assiduidade de Maria (n. 10).
A oração
contemplativa propriamente dita é um simples olhar sobre Deus no
silêncio e no amor.
É um dom de Deus, um momento de fé pura durante o
qual o orante procura Cristo, se entrega à vontade amorosa do Pai e
concentra o seu ser sob a ação do Espírito (Compêndio do Catecismo da
Igreja Católica, 571). Trata-se do cumprimento das expressões anteriores
da vida de oração, a meta para qual se dirigem. Isso pode ser visto com
clareza no mais antigo método conhecido da lectio divina, do monge
cartuxo Guigo II, aqui, utilizo-o como referência, mas dou minha
interpretação pessoal, ou, antes, relato o modo pessoal como o realizo,
em suas quatro etapas: a lectio (leitura), onde verbalizamos a Palavra
de Deus, fonte de nossa vida de oração, buscando uma primeira
compreensão com a imaginação; a meditatio (meditação), onde, como Nossa
Senhora, penetramos com o coração e a mente no sentido da Escritura (cf.
Lc 2,19.51), aplicando-nos totalmente ao texto (ao que diz em si, com a
ajuda de passagens do Magistério, comentários dos santos, dos mestres
espirituais), e aplicando-o totalmente a nós (traduzindo-o para nossa
vida: em si-em mim); a oratio (oração), onde dirigimos nossas súplicas
ao Senhor, movidos pelos afetos que a Sua Palavra fez brotar em nosso
coração, não é tão importante que haja uma ressonância sensível desses
afetos, nem devemos buscar intencionalmente sentimentos agradáveis,
apenas dialogar com o Senhor a partir das disposições que sua Palavra de
Verdade gera em nós, elevando-Lhe devotamente, conforme o caso, nossa
bênção, nossa petição, nossa intercessão, nossa ação de graças, nosso
louvor (cf. Catecismo, nn. 2626-2643); e a contemplatio (contemplação),
onde entregamos todo o nosso ser nas mãos do Senhor (cf. Sl 31,6)”
Adorando-O, isto é, amando-O de todo o coração, de toda a
alma, com toda a força e de todo o entendimento (cf. Lc 10,27),
repousando em Deus.
O Esposo pode ainda, em sua liberalidade,
proporcionar que saboreemos as alegrias da eterna doçura (Guigo II), num
místico desposório entre nossa alma e o Amado, naquela experiência
própria da contemplação (a contemplação no seu sentido estritíssimo) de
que falam os grandes místicos obviamente, não devemos presumi-la, nem
nos entristecermos se não chegarmos nunca a ter essa experiência, que é
dom de Deus e não é caminho ordinário de nossa santificação.
Não se
trata de contemplar o Deus impessoal do panteísmo, ou fundir nossa
realidade humana na realidade divina: unidos a Deus conservamos nossa
identidade pessoal, uma vez que a alteridade é um bem e existe em Deus
mesmo, Uno e Trino (cf. Carta aos Bispos da Igreja católica sobre alguns
aspectos da meditação cristã, 14).
E a contemplação cristã se
fundamenta na Revelação (como bem o demonstra a lectio divina); nela,
dirigimos o olhar para o rosto de Deus manifestado em Cristo Jesus e,
através Dele, no Espírito, nos voltamos para o Pai.
Ao anseio do
salmista, “É o teu rosto, Senhor, que eu procuro” (Sl 27,8), Deus
respondeu com a Encarnação de Seu Filho, através de quem seu rosto
resplandeceu sobre nós (cf. Sl 67,2), e que também revela a nós nosso
próprio rosto (cf. Gaudium et spes, 22).
A contemplação do rosto do
Senhor Jesus não pode inspirar-se senão àquilo que se diz d’Ele na
Sagrada Escritura, que está, do princípio ao fim, permeada pelo seu
mistério (João Paulo II, Novo Millennio Ineunte, 17); ignorar as
Escrituras é ignorar o próprio Cristo (S. Jerônimo).
Devemos ler a
Bíblia e meditá-la à luz da Tradição e do Magistério da Igreja, pois a
experiência de encontro pessoal dos Apóstolos com Cristo é que nos
possibilita participar da mesma comunhão e alegria (cf. 1Jo 1,1-4).
Paz e Bem !
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