É verdade que quem descobriu em profundidade a Deus, quem fez a experiência amorosa e apaixonante do seu mistério não vê com nenhuma estranheza o fato de que pessoas de ambos os sexos, em sua maioria jovens, desejem dedicar-se a Ele a tempo completo. Foram seduzidos por Alguém que os amou com amor infinito e desejam passar o resto de suas vidas em comunhão com esse Amado. É um fato que o eros divino se apresenta sempre como mais forte que o ser humano, vencendo suas resistências e se impondo por sua majestade. Sob o toque ao mesmo tempo suave e violento de seu amor, o profeta inclina a nuca e se rende, exclamando: “Tu me seduziste, Senhor e eu me deixei seduzir. Foste mais forte que eu e me venceste!” (Jr 20,7). E, sob sua liderança, a esposa infiel retorna sobre seus passos, abandona seus amantes e se deixa docilmente conduzir ao deserto, à nudez e ao despojamento do primeiro amor da juventude. (cf. Os 2,16ss)
Deus é, porém, para aquele ou aquela que atrai a Si mesmo, objeto de desejo e não de necessidade; da ordem do gratuito e não do necessário, do inteligível, do controlável. Incomparável e sem similitude com o que se convencionou chamar “as necessidades básicas”do ser humano: comer, beber e tudo aquilo sem o qual a vida biológica desfalece e morre. E apesar de sua “inutilidade”, ontem como hoje, o eros divino continua a ter sobre a totalidade do humano - corporeidade animada pelo espírito - um poder de atração e sedução que desperta o desejo até o paradoxismo, podendo levar aos despojamentos mais radicais e às renúncias mais heróicas, em nome da possibilidade entrevista e pressentida de participar de sua vida divina e experimentar a união proposta por Ele, mesmo que apenas durante um minuto. Deus é “inútil”, nada acrescentando à vida biológica.
Não promete sucesso, longevidade nem prazer sensível. Ao contrário, exige para entregar-se, o despojamento dos bens mais sensíveis e palpáveis e mesmo das ligações mais legítimas do coração humano (familiares, de amizade, etc.) E não admite nem mesmo ser ultrapassado por nenhuma outra realidade, sob pena de não se deixar atingir enquanto Absoluto. E apesar de suas terríveis exigências, hoje como sempre, nos encontramos ainda com pessoas capazes de passar horas e horas de seu tempo em cultos, celebrações e cerimônias de louvor; pessoas capazes de , em nome de sua fé nesse Deus “inútil”, entregar suas vidas num sacrifício que faz tremer nossos corpos e mentes modernizados e ávidos de conforto e consumo; pessoas capazes de ir ao encontro da morte em estado de feliz exaltação e considerar como uma graça imensa ser despojadas de tudo que faz a doçura, o conforto, o bem-estar da vida humana por amor a este “invisível”e “inútil”objeto de desejo. São pessoas, na verdade, dispostas a canalizar todo o seu potencial afetivo e a quase totalidade de seu tempo, energias, criatividade e recursos numa verdadeira liturgia , tornando suas próprias vidas um culto de louvor agradável, cantando hinos de louvor, participando de assembléias onde a oração coletiva toma longas horas e não tem outro objetivo senão o louvor puro e simples a Deus; ou prostrando-se durante horas intermináveis, em contemplação diante do tabernáculo; ou ruminando longamente algum versículo da Bíblia, uma pequena oração ou os cinco mistérios do rosário. O que é certo é que homens e mulheres de hoje, como os de todo tempo, continuam a experimentar o drama de sentir-se limitados e frágeis e, no entanto, feitos para a união com o Sem-limites. E, no fundo mais profundo de si próprios, se percebem habitados pelo desejo ardente e incontrolável de entrar em comunhão com esta incompreensível realidade que se chama Deus e que se revelou a Si mesmo como amor. O amor passa, então , a governar suas vidas e a transformá-las segundo a inexorabilidade e a radicalidade de Sua vontade. Foi a esse chamado que respondeu Bento de Núrcia. E, seguindo seu exemplo, ontem como hoje, homens e mulheres de todas as latitudes continuam respondendo a esse mesmo chamado: radicalmente, plenamente, acreditando que na vida contemplativa, ou seja, no permanente diálogo amoroso com o Deus que os criou e que os recria a cada momento encontrarão a felicidade que o mundo promete por vias tão diferentes.
A verdade é uma só se renunciamos tudo e não for para vivermos tudo no Tudo, não valeu termos renunciado.
Tornarmo-nos monges peregrinos do Amor.
Uma pessoa, entregando-se a Deus como sua propriedade absoluta, torna-se uma dádiva de Deus para todos, de tal modo que a sua vida é verdadeiramente um dom que se situa no centro do mistério da comunhão eclesial, acompanhando a missão apostólica de quantos se prodigalizam no anúncio do Evangelho.
Como reflexo e irradiação da sua vida contemplativa, somos chamados a oferecermos à comunidade cristã e ao mundo de hoje, necessitado mais do que nunca de autênticos valores espirituais, um anúncio silencioso e um testemunho humilde do mistério de Deus, deste modo mantendo viva a profecia no coração esponsal da Igreja.
Sermos monges peregrinos do Amor , que não é amado .
A nossa existência, devotada inteira e desinteressadamente ao serviço do louvor divino (cf. Jo 12,18), proclama e difunde por si mesma o primado de Deus e a transcendência da pessoa humana, criada à sua imagem e semelhança. É, portanto, um apelo feito a todos para aquela cela do coração, onde cada um é chamado a viver a união com o Senhor.
Vivendo na e da presença do Senhor, os nossos constituem uma particular antecipação da Igreja escatológica, empenhada na posse e na contemplação de Deus, representando visivelmente a meta para a qual caminha toda a comunidade eclesial que, empenhada na ação e dada à contemplação, adianta-se no tempo com o olhar fixo na futura recapitulação de tudo em Cristo .
Nossa meta é Deus, somente Deus, é traduzir assim na vida: Deus=Amar, somente amar.
Em tudo colocar o amor, lembrando das santas palavras de nosso pai São João da Cruz: “Onde não há amor , coloque amor e tudo terás!”
Sendo assim vejo-me a gora como um verdadeiro “Teoforo”= portador de Deus, que missão importante é esta.fazer Deus chegar através de mim onde não esta.
O meu viver e as nossas casas é o lugar que Deus custodia (cf. Zac 2,9); é a morada da sua presença singular, à imagem da tenda da Aliança, na qual se verifica o encontro diário com Ele, onde o Deus três vezes Santo ocupa completamente o espaço e é reconhecido e honrado como o único Senhor.
Um homem e uma mulher contemplativo constitui também um dom para a Igreja local a que pertence. Representando o seu rosto orante, torna mais plena e significativa a sua presença de Igreja. Uma comunidade contemplativa pode ser comparada com Moisés, que, na oração, decidiu a sorte das batalhas de Israel (cf. Ex 17,11) e com a sentinela que vigia de noite à espera da aurora (cf. Is 21,6).
O ser em viver como monges peregrinos representa a própria intimidade de uma Igreja, o coração onde o Espírito geme e intercede continuamente pelas necessidades da comunidade inteira, e donde se eleva sem cessar a ação de graças pela Vida que Ele concede em cada dia (cf. Col 3,17). Tornarmo-nos vítimas de amor pelo Amor e pelos amados do Amor.
É importante que os fiéis aprendam a reconhecer o carisma e a função específica dos contemplativos, pelo sua presença discreta mas vital, pelo seu testemunho silencioso que constitui um apelo à oração e à verdade da existência de Deus.
De ânimo livre e hospitaleiro, « com a ternura de Cristo », nos monges peregrinos e ambulantes traremos no coração os sofrimentos e as ansiedades daqueles que recorrem à nossa ajuda e de todos os homens e mulheres. Profundamente solidárias com as vicissitudes da Igreja e do homem de hoje, colaboremos espiritualmente para a edificação do Reino de Cristo a fim de que « Deus seja tudo em todos » (1 Cor 15,28).
A comunidade de tipo contemplativo (que apresenta Cristo sobre o monte) está concentrada na dupla comunhão: com Deus e entre os seus membros e toda a Igreja. Tem uma projeção apostólica eficacíssima, a qual, porém, fica em boa parte escondida no mistério do Amor.
Gostaria aqui de repetir o que nesta hora trago ao coração com estes enunciados de nossas constituições sobre a vida de oração : “ A nossa obra é apenas a expressão do amor que temos a Deus”.
Este amor precisa de alguém que o receba, e é assim que as pessoas que encontramos nos dão o meio de o exprimirmos.
Não é nossa missão dar Deus aos pobres dos casebres? Não um Deus morto, mas um Deus vivo e que ama. Quanto mais recebermos na oração silenciosa, mais podemos dar na nossa vida ativa. Precisamos de silêncio para sermos capazes de tocar as almas.
O essencial não é o que dizemos, mas o que Deus nos diz e o que diz através de nós. Todas as palavras que dissermos serão vãs se não vierem do mais íntimo; as palavras que não transmitem a luz de Cristo aumentam as trevas.
Pe.Emílio Carlos Mancini+
o irmão menor grãozinho de areia.
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