Contemplação e ação.
Inclusive, para que o fruto da contemplação seja mais perdurável em nossas vidas, é muito conveniente, ao final de nossa oração, tomar resoluções concretas uma quinta etapa, de actio inspiradas pelo Espírito de Deus, para que a Palavra se faça “carne” também em nossa ação, tendo em vista que toda oração contemplativa cristã remete constantemente ao amor do próximo, à ação e à paixão, e, precisamente dessa maneira, aproxima mais a Deus.
Devemos ter em consideração, no entanto, que a contemplação não é formalmente um meio para agirmos melhor, e não é a essas resoluções que objetivamos nela, mas ao encontro pessoal com Deus; encontro esse que transforma nossa vida e nos faz agir em consonância com a graça.
A contemplação nos ajuda a ver o rosto do Senhor naqueles que sofrem, aprendendo a servir-Lhe nestes: se verdadeiramente partimos da contemplação de Cristo, devemos saber vê-Lo sobretudo no rosto daqueles com quem Ele mesmo Se quis identificar: “Porque tive fome e destes-Me de comer, tive sede e destes-Me de beber; era peregrino e recolhestes-Me; estava nu e destes-Me de vestir; adoeci e visitastes-Me; estive na prisão e fostes ter Comigo” (Mt 25,35-36)” (Novo Millennio Ineunte, 49).
Importante também é ressaltar a necessidade, já aludida ao início, de romper com o pecado através da conversão, pois Quem subirá ao monte do Senhor, quem estará no seu lugar santo? Senão aquele que tiver as mãos limpas de culpa e o coração puro (Sl 24,3-4); são os puros de coração que vêem a Deus (cf. Mt 5,8). A via purgativa da mortificação, do combate espiritual (que é nossa preparação remota para a vida de oração), antecede a via iluminativa da meditação e a via unitiva da contemplação esse clássico esquema pode ser visualizado na Santa Missa, onde tomamos consciência e pedimos perdão dos nossos pecados no Ato Penitencial, somos iluminados pela Liturgia da Palavra, e nos unimos a Cristo pela Eucaristia, que, no momento da transubstanciação, nos convida a uma atitude eminentemente contemplativa (cf. Jo 12,32;19,37); devemos, entretanto, cuidar-nos de entender essas três vias como blocos separados e sucessivos na vida do cristão, o que corresponderia a uma artificial separação entre ascese e mística, análoga à equivocada disjunção entre vida ativa e vida contemplativa. Precisamos ter sempre em conta a perspectiva da cooperação com a graça (cf. Cl 1,29), realizando nossa parte, sem, entretanto, nos esquecer de que nossa amorosa entrega é impulsionada pelo próprio Deus, que está ao início e ao término de nossa oração: à plena contemplação do rosto do Senhor, não chegamos pelas nossas simples forças, mas deixando a graça conduzir-nos pela sua mão (Novo Millennio Ineunte, 20).
A modo de conclusão.
Reiteramos a unidade entre vida contemplativa e vida ativa, e como ambas se sustentam e apóiam mutuamente: nosso trabalho, nosso apostolado, nossa caridade, nosso combate… Tudo isso deve ser vivido permeado pelo espírito da oração e da contemplação, que é o mesmo Espírito do Senhor; e ao mesmo tempo, a vida vivida sob o impulso desse Espírito torna o fiel cada vez mais apto para a íntima comunhão com o Senhor. Para atingir a contemplação é necessário primeiro o recolhimento sobre cujo caráter unificador e libertador, que dispõe nossa alma para o encontro pessoal com o Senhor, falamos anteriormente; ambos conformam à vida contemplativa: a verdadeira contemplação é recolhimento, e o verdadeiro recolhimento necessita de se submergir na contemplação (Hildebrand, A nossa transformação em Cristo, p.94). Mas o recolhimento não se limita aos momentos de contemplação, pode perdurar na ação, e através de sua vivência, se pode viver o espírito de contemplação sempre que também é ajudado por pequenos exercícios da presença de Deus, como as jaculatórias, e orações simples, como as bênçãos das refeições e o Ângelus.
De outra parte, só pode ser recolhida à pessoa que dá à contemplação seu devido lugar no dia-a-dia. Como cristão, devo dedicar todos os dias, algum tempo à oração interior, ter momentos fortes de oração; necessito a solidão, para perceber a companhia dAquele que está no segredo (cf. Mt 6,6). E assim, gozando, desde agora, da intimidade do Senhor da Vida, nos preparamos para a eternidade, onde só haverá contemplação, como nos recorda S. Agostinho (Cidade de Deus, XXII, 30): ali festejaremos e contemplaremos, contemplaremos e amaremos, amaremos e louvaremos. Eis o que será no fim sem fim.
A†Ω
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