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Do desespero ao louvor
Retiro Pessoal-Novembro
Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste, rejeitando o meu lamento, o meu grito de socorro?Meu Deus, clamo por ti durante o dia e não me respondes; durante a noite, e não tenho sossego.Tu, porém, és o Santo e habitas na glória de Israel.Em ti confiaram os nossos pais; confiaram e Tu os libertaste.A ti clamaram e foram salvos; confiaram em ti e não foram confundidos.Eu, porém, sou um verme e não um homem, o opróbrio dos homens e o desprezo da plebe.Todos os que me vêem escarnecem de mim; estendem os lábios e abanam a cabeça.«Confiou no Senhor, Ele que o livre; Ele que o salve, já que é seu amigo.»Na verdade, Tu me tiraste do seio materno; puseste-me em segurança ao peito de minha mãe.Pertenço-te desde o ventre materno; desde o seio de minha mãe, Tu és o meu Deus.Não te afastes de mim, porque estou atribulado e não há quem me ajude.Rodeiam-me touros em manada; cercam-me touros ferozes de Basan.Abrem contra mim as suas fauces, como leão que despedaça e ruge.Fui derramado como água; e todos os meus ossos se desconjuntaram; o meu coração tornou-se como cera e derreteu-se dentro do meu peito.A minha garganta secou-se como barro cozido e a minha língua pegou-se-me ao céu da boca; reduziste-me ao pó da sepultura.Estou rodeado por matilhas de cães, envolvido por um bando de malfeitores; trespassaram as minhas mãos e os meus pés:posso contar todos os meus ossos. Eles olham para mim cheios de espanto!Repartem entre si as minhas vestes e sorteiam a minha túnica.Mas Tu, Senhor, não te afastes de mim! És o meu auxílio: vem socorrer-me depressa!Livra a minha alma da espada, e, das garras dos cães, a minha vida.Salva-me da boca dos leões; livra-me dos chifres dos búfalos.Então anunciarei o teu nome aos meus irmãos e te louvarei no meio da assembleia.Vós, que temeis o Senhor, louvai-o! Glorificai-o, descendentes de Jacob!Reverenciai-o, descendentes de Israel!Pois Ele não desprezou nem desdenhou a aflição do pobre, nem desviou dele a sua face;mas ouviu-o, quando lhe pediu socorro.De ti vem o meu louvor na grande assembleia; cumprirei os meus votos na presença dos teus fiéis.Os pobres comerão e serão saciados; louvarão o Senhor, os que o procuram.«Vivam para sempre os vossos corações.»Hão-de lembrar-se do Senhor e voltar-se para Ele todos os confins da terra; hão-de prostrar-se diante dele todos os povos e nações, porque ao Senhor pertence a realeza. Ele domina sobre todas as nações.Diante dele hão-de prostrar-se todos os grandes da terra; diante dele hão-de inclinar-se todos os que descem ao pó e assim deixam de viver.Uma nova geração o servirá e narrará aos vindouros as maravilhas do Senhor;ao povo que vai nascer dará a conhecer a sua justiça, contará o que Ele fez.(Salmo 22 (21))
«Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste»?
É difícil imaginar uma oração mais devastadora que estas primeiras palavras do salmo 22. O salmista não reza a dizer apenas «Deus», mas «meu Deus, meu Deus». O contraste é quase insuportável. Deus, tão próximo no passado, está agora completamente ausente. O silêncio não podia ser maior: dia e noite, os gritos do salmista ficam sem resposta. Toda a primeira metade do salmo é um vai-e-vem entre o passado e o presente, entre as descrições de confiança de outrora e a angústia das circunstâncias atuais.
Será que o salmista vai acabar por renunciar a Deus?
Ele está o mais abatido que se possa imaginar. «Sou um verme, não um homem», diz ele no versículo 7, tendo perdido todo o sentimento da sua própria humanidade. Os outros não o tratam com indiferença, mas, pior ainda, com desprezo. Escarnecem dele: «Que Deus o livre»! Quase a morrer, o salmista vê o seu próprio corpo que definha à sua vista: «Fui derramado como água; e todos os meus ossos se desconjuntaram; o meu coração tornou-se como cera… posso contar todos os meus ossos».
Toda a tensão e o mistério deste salmo se situa entre uma afirmação simples – «estás longe» – e um pedido humilde – «Não te afastes de mim». O salmista fala do seu desespero e, ao mesmo tempo, não cessa de se recordar de Deus e de o invocar.
Depois, de forma inesperada, produz-se uma reviravolta. O que se passa exatamente e o que Deus então fez são coisas tão pouco claras como a causa do anterior sofrimento do salmista. Agora, este convida outros a juntarem-se a si na grande assembleia para louvar Deus, louvá-lo precisamente por causa daquilo que lhe aconteceu. Não se vê qualquer traço de ressentimento. A resposta de Deus parece ter apagado qualquer possibilidade de atacar os seus perseguidores: também eles estão doentes, é o que parece estar implícito no salmo. O dom de Deus é tão grande que todos são chamados a cantar com o salmista.
À medida que o salmo avança, aumenta o círculo das pessoas convidadas, deixando adivinhar os festejos futuros: primeiro, os pobres e os que procuram a Deus, com quem o salmista seguramente se identifica de forma mais próxima; depois, por seu turno, são convocados os confins da terra e todos os povos e nações; por fim, o salmista fala dos que ainda não nasceram e que também hão-de louvar Deus.
Todas as gerações se envolvem numa celebração em plena expansão. O que aconteceu a esta única pessoa na sua agonia teve importância para todos os seres humanos de todos os tempos. Ninguém pode ser excluído. Depois de ter passado pelo sofrimento e de ter recebido a resposta de Deus, o salmista irradia uma alegria e uma compaixão sem limites; o seu olhar abraça todos os seres vivos.
O que me diz este salmo sobre o sofrimento dos outros seres humanos, os que conheço e os que estão longe de mim?
O que me diz este salmo sobre as minhas próprias dificuldades e sobre os momentos críticos que devo atravessar?
O que nos diz esta oração sobre Deus, sobre Jesus?
A†Ω
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