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A linguagem corporal no Cântico dos cânticos.
Queremos ver nesta ocasião a riqueza da linguagem corporal dos dois amantes do Cântico os quais, como eu expliquei no primeiro artigo, significam o homem e a mulher na criação de Deus, antes do pecado, e por isso eles são esposos e o poema canta a sua relação esponsal.
Hoje em dia, a tentação é separar amor e linguagem corporal. Duas pessoas podem se unir intimamente sem sentir um amor recíproco. É a experiência própria da prostituição ou daqueles que fazem sexo por prazer. Mas nestes casos, há uma grande mentira, porque o corpo não expressa toda a pessoa, e o gesto da união não é espiritual (e às vezes nem psicológico), mas simplesmente carnal. O corpo não é mais sacramento, mas objeto sem valor, mercê.
O Cântico proclama a verdade do amor, e o amor entre o homem e da mulher não se expressa melhor do que através da linguagem corporal. A linguagem corporal não é unívoca – não se limita ao amplexo – mas é variada, segundo o grau de compromisso que eles assumiram. Alguns gestos expressam o atrativo sexual que produz a presença física do outro ou buscam suscitar a atração, outros manifestam o sentimento de satisfação emocional pela presença do amigo, outros, finalmente, dizem o compromisso definitivo que a relação assumiu. São estes gestos que queremos apresentar hoje.
VESTUÁRIO, COSMÉTICOS E PERFUMES
Em primeiro lugar, chama muitíssimo a atenção como os amantes cuidam do seu aspecto externo para atrair a atenção do outro. E conseguem. O vestuário, os cosméticos e os perfumes têm a finalidade de suscitar o agrado do outro. A menina é a mais bela das mulheres, diz o coro (Ct 1,8). As palavras bela, formosa, bonita são utilizadas umas vinte vezes no poema. Para o cântico, a beleza é uma característica principalmente feminina, manifestando quanto é importante para o homem o aspecto exterior da sua esposa. Ele admira as suas faces, os seus olhos, o seu nariz, os seus cabelos, o pescoço, o umbigo, os seios, os pés nas sandálias, etc.: cada uma das partes do seu corpo e todo ele. Ela por sua parte também gosta dele: a cabeça toda, os olhos, as suas faces, os seus lábios, os braços, o ventre, as pernas, a boca: “ele todo é uma delícia” (Ct 5,16).
Os cosméticos e o vestuário ajudam a ressaltar esta beleza. Ele gosta do seu véu que lhe cobre os olhos, admira seus brincos e seus colares, ela deixou seus cabelos ondular. Os perfumes fazem parte da linguagem corporal. A amada gosta do vento, porque ele espalha seu perfume. Ela é inebriada pela sua fragrância: “O odor dos teus perfumes é suave, teu nome é como um óleo escorrendo, e as donzelas, se enamoram de ti... Arrasta-me contigo, corramos! Leva-me, ó rei, aos teus aposentos.” (Ct 1,3-4)
O OLHAR
O olhar tem um grande significado de amor. A moça perturba o amante com seus olhos: “Roubaste meu coração, minha irmã, ó noiva minha, roubaste meu coração com um só dos teus olhares” (Ct 4,19). São poderosos: se por um lado são pombos (três vezes), deixam confundidos, seduzem: “Afasta de mim teus olhos, que teus olhos me perturbam!” (Ct 6,5) Algumas traduções dizem que são assassinos. São os olhares tenros das que amam e querem seduzir. O olhar também manifesta o que suscita o atrativo. Mas deve existir também a liberdade de furtar-se aos olhares dos demais. Durante a noite, na casa do jardim (Ct 5,2-6), ela está despreparada e não quer abrir a porta sem estar vestida. Ela sabe de ser bela, mas no seu pudor ela quer colocar a túnica e as sandálias. Ela demora, então o amado desaparece.
É importante hoje em dia as mulheres entenderem o significado do seu vestuário. Às vezes sentem-se assaltadas pelos olhares dos homens, mas elas os causam por seu modo de vestir. Por outro lado, os homens devem cuidar os seus olhos, porque quando não olham para a própria mulher, estes olhares podem significar infidelidade e indiscrição, desrespeito da pessoa que estão olhando e/ou com quem estão falando. Os olhos falam, e expressam o que sente o coração.
AS CONVERSAS E O TEMPO PASSADO JUNTOS
Outra maneira de expressar-se o amor mútuo são as palavras doces que os namorados se dirigem: “ó pomba minha, ó minha amada, ó tu a mais bonita das mulheres!” Os esposos se falam com carinho, com delicadeza. No Cântico não há palavras desrespeitosas. Ao contrário, estas revelam o respeito que eles se têm: "Abre, minha irmã, minha amada, pomba minha sem defeito! Tenho a cabeça orvalhada, meus cabelos gotejam sereno!" (Ct 5,2). Ela o perde por se delongar, e então pede às suas amigas, quando o encontrarem: “se encontrardes o meu amado, que lhe direis?... Dizei que estou doente de amor!” (Ct5,8).
O amor cresce na medida em que se passa tempo juntos. O amor esfria com o distanciamento. Os amantes desejam estar juntos o quanto tempo possível, querem passear juntos, querem esconder-se juntos para manifestar o seu amor íntimo, porque é um amor cálido.
Esta proximidade não é sempre possível. Isto acontece também hoje em dia. Pelo trabalho, pelos compromissos, a ausência de casa pode durar vários dias. Mas a presença permanece sempre no coração e no desejo. A amada tem intenção de ir onde o amado pastoreia o gado. Por isso manda-lhe perguntar: “Avisa-me, amado de minha alma, onde apascentas, onde descansas o rebanho ao meio-dia, para que eu não vague perdida entre os rebanhos dos teus companheiros.” (Ct 1,7) Ela não quer cair nas mãos dos amigos dele. Ela é só do seu amado.
OS BEIJOS E AS CARÍCIAS
Os beijos e as carícias, se bem não são bens exclusivos dos esposos, manifestam o significado unitivo e exclusivo do amor, e adquirem todo o seu sentido na relação matrimonial.
É interessante a explicação deste verso: “Ah! Se fosses meu irmão, amamentado aos seios da minha mãe! Encontrando-te fora, eu te beijaria, sem ninguém me desprezar.” (Ct 8,1) Na cultura semítica, era permitido beijar e abraçar em público somente às pessoas da família. A moça não quer ser vista como prostituta; por isso teme o desprezo das pessoas. Ela sabe, que se seu amado fosse seu irmão, ninguém a mal interpretaria. Quando vê o seu noivo na rua, seu coração palpita, e tem vontade de expressar o que seu interior sente.
É própria do amor a manifestação física. São os abraços, as carícias no rosto, nos braços, nos ombros, são as mãos dadas, são os corpos juntos, tocando-se. Eis algumas expressões que o poema indica; todas elas manifestam um contato físico entre os dois: “arrasta-me contigo, leva-me; contra mim desfralda sua bandeira de amor; sua mão esquerda está sob minha cabeça, e com a direita me abraça; agarrei-o e não vou soltá-lo; sua boca é muito doce (indica a experiência de um beijo).”
A UNIÃO CONJUGAL
Finalmente, com sutileza, o poeta descreve a união própria e exclusiva dos esposos no ato que expressa a doação total, exclusiva e definitiva no amor. É sempre à conclusão de uma experiência de atração, alimentada por um contato físico. É o clímax do amor; um ato íntimo, no segredo: acontece nos aposentos do rei, no leito nupcial, na casa do jardim, na adega, entre as árvores, na casa da mãe (Ct 1,4.12-17; 2,3.6; 5,1; 7,9; 8,3).
Macieira entre as árvores do bosque, é meu amado entre os jovens; à sua sombra eu quis assentar-me, com seu doce fruto na boca. Levou-me ele à adega e contra mim desfralda sua bandeira de amor. Sustentai-me com bolos de passas, dai-me forças com maçãs, oh! que estou doente de amor ... Sua mão esquerda está sob minha cabeça, e com a direita me abraça. 7 - Filhas de Jerusalém, pelas cervas e gazetas do campo, eu vos conjuro: não desperteis, não acordeis o amor. (Ct 2, 3-6) Como dissemos no começo, é um ato verídico porque exprime uma união psicológica e espiritual, e manifesta na carne uma unidade que as almas alcançaram. É verídico na medida em que existe esta união, uma união que hoje se faz mediante um contrato para não comprometer a sua indissolubilidade. O ato conjugal é um ato nupcial; sela a promessa do sacramento do matrimônio. Ofendem, pois, à verdade da linguagem do amor, aqueles que utilizam este ato para obter um simples prazer pessoal, ou aqueles que dão a este ato somente um significado de agrado emocional a causa da atração física do parceiro. Ofendem à verdade da linguagem do amor aqueles que rompem a união depois de ter-se unido intimamente com o consorte.
CONCLUSÃO
Vemos assim quanto é belo o amor dos esposos, dos noivos e dos namorados quando se respeita a verdade inserida na linguagem corporal. A linguagem do amor é muito rica, possui expressões próprias segundo o compromisso dos parceiros. A maturidade deles consiste em encontrar a expressão adequada, em entender o significado e o alcance dos seus gestos e das suas palavras. Assim evitarão o perigo de cair no relativismo, onde tudo tem o mesmo significado e o mesmo valor, onde com uma carícia ou uma palavra digo tudo, mas também não digo nada, porque não comprometo a minha pessoa no relacionamento, somente o meu corpo.
Para Deus, para o Cântico, o corpo é parte essencial da vida conjugal. A união dos corpos é sinal de amor. O corpo manifesta o que o coração sente. Após a comunicação, após o convite feito por toda esta riqueza da linguagem corporal, vem a resposta. É a resposta da aceitação, da correspondência, da doação pessoal, da comunhão das pessoas. O eu se transforma em nós. É uma resposta livre e total, que compromete toda a pessoa com a sua riqueza interior e exterior. No próximo artigo, aprofundaremos no tema da entrega mútua dos esposos.
Pe. Daniel Guindon L.C
A†Ω
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