«Não vim revogá-los, mas levá-los à perfeição»
S. Mateus 5,13-19.
Naquele
tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Vós sois o sal da terra. Ora, se o
sal se corromper, com que se há de salgar? Não serve para mais nada, senão
para ser lançado fora e ser pisado pelos homens.
Vós sois a luz do
mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre um monte; nem se
acende a candeia para a colocar debaixo do alqueire, mas sim em cima do
candelabro, e assim alumia a todos os que estão em casa.
Assim brilhe a
vossa luz diante dos homens, de modo que, vendo as vossas boas obras,
glorifiquem o vosso Pai, que está no Céu.»
«Não penseis que vim revogar
a Lei ou os Profetas. Não vim revogá-los, mas levá-los à perfeição.
Porque em verdade vos digo: Até que passem o céu e a terra, não passará um
só jota ou um só ápice da Lei, sem que tudo se cumpra.
Portanto, se
alguém violar um destes preceitos mais pequenos, e ensinar assim aos homens,
será o menor no Reino do Céu. Mas aquele que os praticar e ensinar, esse será
grande no Reino do Céu.
Comentário
«Não vim revogá-los, mas levá-los à perfeição»
A minha visita hoje [a esta sinagoga] pretende constituir um contributo
decisivo à consolidação dos laços que unem as nossas comunidades. [...] Dentre
as múltiplas riquezas da Declaração Nostra ætate, do II Concílio do Vaticano,
[...] a primeira é a de que a Igreja de Cristo descobre os seus laços com o
judaísmo sondando o seu próprio mistério (Nostra ætate, 4). A religião judaica
não nos é extrínseca, mas, de certo modo, intrínseca. Temos com ela um
relacionamento que não temos com mais nenhuma outra religião. Sois os nossos
irmãos preferidos e até, podemos dizê-lo, os nossos irmãos mais velhos.
[...]
O caminho que começámos a trilhar está ainda no início; será preciso ainda
muito tempo [...] para que todas as formas de preconceito, mesmo que
inconsciente, sejam suprimidas e, assim, [...] possamos mostrar o verdadeiro
rosto do judaísmo, bem como o do cristianismo. [...] Desde o princípio que não
é segredo para ninguém que a nossa divergência fundamental é a nossa adesão,
como cristãos, à pessoa e ao ensino de Jesus de Nazaré, filho do vosso povo,
do qual saiu igualmente a Virgem Maria, os Apóstolos, alicerces e colunas da
Igreja (cf. Gl 2,9), e a maioria dos membros das primeiras comunidades
cristãs. [...] Outro tanto se diga das vias abertas à nossa colaboração que, à
luz da herança comum saída da Lei e dos Profetas, são diversas e importantes
[...]: acima de tudo a colaboração em favor do homem [...], da sua dignidade,
da sua liberdade, dos seus direitos, numa sociedade [...] onde reine a justiça
e [...] prevaleça a paz, essa shalom desejada pelos legisladores, pelos
profetas e pelos sábios de Israel. [...]
Que desta visita, da concórdia e da serenidade que já conseguimos, nasça uma
fonte fresca e benfazeja que nos ajude a sarar as feridas desta nossa cidade
de Roma, como o rio que Ezequiel viu sair da porta leste do Templo de
Jerusalém (Ez 47,1ss) Assim, conservar-nos-emos, de parte a parte, fiéis aos
nossos compromissos mais sagrados, mas também a tudo o que nos une e aproxima
mais profundamente: a fé em um só Deus que ama o estrangeiro e faz justiça ao
órfão e à viúva, ensinando-nos a amá-los e a socorrê-los (Dt 10,18; Lv
19,18.34). Foi precisamente do Senhor da Torah, aqui venerado, que os cristãos
aprenderam essa vontade, a de Jesus, que levou às últimas consequências o amor
por ela exigido.
Bem-aventurado João Paulo II
Discurso na sinagoga de Roma, 13/4/1986
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