O Magnificat: o hino triunfal da grandeza de Deus
A festa da Visitação de Nossa Senhora está muito ligada ao Magnificat, que Nossa Senhora cantou nessa ocasião.
O Magnificat é uma obra-prima de raciocínio. Ele mostra bem qual é a estruturação lógica do espírito de Nossa Senhora. E mostra-nos também como no maior transporte de alegria e entusiasmo, Ela se mantém naquilo uma estrutura racional que verdadeiramente impressiona.
É interessante notar como, em Deus, Ela decidiu cantar sobretudo o poder e a grandeza. E os outros atributos de Deus em função de Seu poder e de sua grandeza.
Isto é muito pouco próprio daquilo que convencionalmente se costuma chamar de “piedade doce e aguada”, que, em vez de dar o devido realce ao que diz respeito à grandeza de Deus, apenas dá realce ao que diz respeito à misericórdia de Deus.
É claro que se deve cantar a misericórdia de Deus e se deve cantá-la eternamente; é claro que sem essa misericórdia, nós não seríamos nada. Mas também não se deve ser unilateral e encarar apenas a misericórdia, como também não se deve ter em vista somente sua grandeza. É preciso ter em vista uns e outros atributos de Deus.
É isso que se nota no Magnificat. Ela fala da grandeza, mas às horas tantas descreve a misericórdia como uma das manifestações da grandeza de Deus.
Então, convém-nos focalizar, no Magnificat, dois desses pontos:
“A minha alma engrandece o Senhor; e o meu espírito se alegrou em extremo em Deus, Meu Salvador.”
O resto são os motivos.
Primeiro motivo:
“Por Ele ter posto os olhos na baixeza de sua escrava, porque eis que de hoje em diante me chamarão bem-aventurada todas as gerações.”
Ou seja, engrandece a Deus porque Ele fez tão grande obra, de uma escrava; de uma simples serva humilde, fez uma rainha que todas as gerações chamarão bem-aventurada. Aqui está uma manifestação do poder de Deus.
Outra razão: “Porque me fez grandes coisas O que é poderoso, e Santo é Seu Nome”.
Ele fez, nEla, grandes coisas, e essas grandes coisas manifestam a grandeza dEle. Ela então engrandece o Senhor.
Outra razão: “Sua misericórdia se estende de geração em geração sobre os que O temem”.
Então, porque Ele fez isto, e porque Sua misericórdia se estende de geração em geração. É outra manifestação de Sua grandeza, de Sua enorme misericórdia, que se estende de geração em geração sobre os que O temem.
Notem que é só sobre aqueles que têm temor de Deus, que têm, portanto, o senso da grandeza de Deus e que diante dessa grandeza, sentem temor. Esse temor é o temor reverencial, o temor do reconhecimento da grandeza, da santidade e bondade de Deus.
O verso seguinte ainda é um argumento para cantar a grandeza de Deus: “Manifestou o poder de seu braço; dissipou os que no seu coração, formavam altivos pensamentos”.
Deus é grande, não em relação aos que O temem, mas em relação aos que não O temem. Em relação a esses, manifestou o poder de seu braço e dispersou os homens maus, no fundo do coração dos quais se formavam pensamentos de orgulho.
Deus é grande na sua capacidade de ferir aqueles que não O temem. Manifesta-se aqui a grandeza da cólera de Deus, depois de ser ter cantado a grandeza da misericórdia de Deus.
Vê-se facilmente como isso é equilibrado, como mostra Deus em todos os seus aspectos e sempre grande em tudo. Como isso é diverso das unilateralidades meladas de uma falsa piedade, que só vê a Deus num aspecto de misericórdia, condescendência, sem a manifestação de Sua grandeza.
Como tudo isto é raciocinado! É uma tese. E segue depois, ponto por ponto, os argumentos da tese.
Outra razão: “Ele depôs do trono os poderosos e elevou os humildes”.
Depor do trono os poderosos não é, evidentemente, tomar um homem que está no trono e tem poder, para tirá-lo do trono e depois colocar os humildes no trono. Seria uma ingenuidade, porque esses humildes se teriam tornado poderosos e seria preciso derrubá-los também. Se o sentido fosse esse, “Ele depôs do trono os poderosos e fez com que todos fossem iguais”, teria um mau sentido, mas teria um sentido. Mas essa forma de “roda gigante”, exaltando os humildes e depondo os poderosos, para depois ter que depor os humildes que ficaram poderosos, é absurda. É evidente que não é assim que isso deve ser entendido.
Humildes, por exemplo, eram os poderosos de quem Ela descendia e de quem também descendia Nosso Senhor. Por exemplo, o rei Davi, foi um poderoso, morreu no seu poder, e era humilde porque reconhecia a preeminência e os direitos de Deus.
O poderoso, de que fala a Santíssima Virgem, é quem não reconhece a prevalência dos direitos de Deus (os Mandamentos) e pensa que tem poder independente do concurso divino.
Então, no “Deus depôs os poderosos e elevou os humildes” está a manifestação do poder de Deus “rindo” de todo poder humano. Dá poder a um humilde e este fica poderoso; tira todo o poder a um homem orgulhoso, que só confia em si e este fica sem nada. É a grandeza de Deus, perto da qual todas as grandezas humanas não são absolutamente nada.
E continua: “Encheu de bens os que tinham fome e despediu vazios os que eram ricos.”
Aos que são pobres de espírito, aqueles que têm fome e sede de justiça, encheu de bens. Os que não têm fome e sede de justiça, que são apegados aos bens da terra, esses, despediu empobrecidos. Quer dizer, os ricos, nesse sentido, nada são para Ele. Deus faz dos ricos-pobres, e dos pobres-ricos, conforme entende.
Mais uma manifestação da grandeza de Deus, a proteção que dá ao povo eleito: “Tomou debaixo de sua proteção Israel, assim como havia prometido a nosso pai Abraão, e à sua posteridade para sempre.”
No momento em que Santa Izabel falou a Nossa Senhora, glorificando-A, Ela mostrou que se considerava nada diante dessa grandeza infinita de Deus, que Ela cantou de modo excelente com um ardor e um sentimento extraordinários. Mas, sobretudo, com equilíbrio, numa construção absolutamente racional, que poderia ser comparada a uma construção da Suma Teológica de Santo Tomás. O Magnificat é de tal maneira pensado a fundo e articulado. E Ela o compôs sob inspiração do Espírito Santo, na hora, quando foi saudada por Santa Izabel.
Nas poucas coisas que Nossa Senhora disse, que se registram no Evangelho, transparece esta nota racional. Por exemplo, quando Ela recebeu o anuncio de que deveria ser a Mãe do Salvador. Ela respondeu com uma objeção de caráter eminentemente racional: “Como pode ser isto, pois tenho um voto de virgindade?”
O anjo deu-lhe uma explicação, quase como um silogismo. Ela, tendo a resposta: “Eis aqui a escrava do Senhor, portanto, faça-se em mim segundo a sua palavra”. É uma atitude consequente. Ela dá um princípio e tira uma conclusão.
Outra manifestação é quando encontrou o menino Jesus no Templo. A pergunta é uma pergunta cheia de aflição, cheia de angústia, mas que pede uma explicação: “Meu Filho, por que fizeste isto conosco? Teu Pai e eu te procurávamos aflitos”. É, mais uma vez, um pedido de explicação.
Compreendemos assim como a verdadeira alma católica, sem ser absolutamente uma alma racionalista, é uma alma cheia de razão, cheia de pensamento, cheia de densidade em tudo que diz e faz.
Nossa Senhora, Sede da Sabedoria, representa então a nós, como o exemplo da razoabilidade, o exemplo da ponderação, e exemplo da medida em tudo que se pensa e se diz.
No Magnificat não há uma palavra que sobre, não há um pensamento que não esteja colocado no lugar. É uma joia perfeita, em que cada pedra está colocada em seu lugar próprio para dar uma ideia do conjunto.
Aí temos o espírito de Nossa Senhora, tão diferente da bobeira dos sentimentalismos fátuos, dos entusiasmos vazios próprios da piedade superficial e boba. É um produto da razão. Não nasce de uma exacerbação do sentimento, nem de uma irrefletida postura de alma.
Então, temos no Magnificat uma escola de vida espiritual na imitação de Nossa Senhora.
A propósito da Visitação é bom lembrar um outro ponto: quando Nossa Senhora falou, São João Batista, no seio de Santa Isabel, ouviu a Sua voz e estremeceu de gáudio. Igualmente, quanta alegria santa sentimos quando estremecemos diante das inspirações de Nossa Senhora em nossos corações!
Vamos pedir a Nossa Senhora que, ao par das provações que Ela nos dá, dê-nos também por ocasião de suas festas, uma dessas “palavras interiores” em que a gente exulta de gáudio e tem ânimo para carregar, por Ela, todas as cruzes até chegar o fim da vida.
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