Deus vem para alegria dos pobres
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O Deus que vem quer ser "pobre"; contesta as imagens que espontaneamente dele fazemos, e vem ao nosso encontro numa dimensão incomum para uma religião. Mas esse Deus "diferente" despertará muito mais a fé daqueles que procuram uma religião autêntica. Toda uma linha profética havia apresentado aos israelitas o Messias segundo as categorias do poder, da vitória, do domínio universal; isso, aliás, correspondia à experiência do Êxodo, que permanece o ponto de referência necessário para o Deus da aliança. Mas sobretudo com o exílio, que favorece a reflexão sobre a aliança e sua interiorização, o Deus de Israel e Aquele que ele consagra para a missão de salvador do povo são encarados sob uma luz nova, mais espiritual (mais simbólica também); e do mesmo modo é encarada a missão e seus destinatários .
Os privilegiados do Reino
"Os pobres" são mais disponíveis para o alegre anúncio da salvação: os que não se apoiam em sua suficiência pessoal ou na segurança material, que estão atentos, à escuta da palavra de Deus e capazes de uma fidelidade simples e firme à sua lei.
Certamente há o perigo de poetizar a sorte dos infelizes (enquanto nós estamos bem) e nada fazer para mudar a situação das populações urbanas ou rurais indigentes; seria cômodo limitar-se a falar da alegria messiânica a propósito das massas que penam para ganhar o pão de cada dia, enquanto Cristo teve entranhas de compaixão, curando suas enfermidades e multiplicando para eles o pão. Na realidade, para esses irmãos mais pobres a esperança messiânica se concretizará na presença fraterna de quem estende a mão para socorrer a extrema necessidade e, mais do que isso, partilhar sua sorte, tornando digno de crédito e perceptível o anúncio de um mundo melhor. Mas só com isso não se satisfaz a expectativa.
O precursor do anúncio de alegria aos pobres define-se a si mesmo "voz que clama"; ele não é "a luz". Quer "dar testemunho da luz" (evangelho). O verdadeiro portador da "Boa-nova" - o Cristo - já está no meio dos seus, mas "esses não o conhecem"; ele é a "Palavra", é a "Luz" e não é ouvido nem visto. Está no meio de nós e nós corremos o risco de não o reconhecer se nos limitamos a ver nele o herói de um messianismo humano, o teórico de uma fraternidade ou de uma felicidade terrena, o taumaturgo extraordinário. O segredo da personalidade do Homem-Deus revela uma atenção especial aos pobres e humildes que tem fé e se abandonam a Deus, e ressalta que a chegada do "dia do Senhor" trará consigo a viravolta das estruturas humanas.
Testemunhas da alegria de Cristo
A intervenção de Jesus na história gera em torno de si uma atmosfera de entusiasmo e alegria; Jesus é o iniciador definitivo dessa alegria que vem do alto e é dom do Pai: "Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas ele quem nos amou" (1Jo 4,10). O "Magnificat" da Virgem Maria exprime maravilhosamente a tonalidade fundamental da alegria cristã (salmo de meditação). Mas importa não se enganar: a ação de graças não é a atitude passiva de alguém que apenas reconhece que tudo lhe vem do alto; é a alegria do colaborador que descobre ser chamado a contribuir para a edificação do mundo. O cristão sabe que vive na terra uma existência igual à de qualquer outro homem, mas que tem uma certeza da salvação e um sentido da história que lhe permitem reconhecer em todos os acontecimentos o Reino que vem. Isso lhe proporciona uma alegria profunda, que ele testemunha não fugindo da própria condição, mas considerando-a como uma etapa da vinda do Senhor. Torna-se assim o sinal real dessa vinda.
Enviou-me para trazer o Alegre Anúncio
Que significa para nós, para nossa comunidade, esta frase? O cristão, unido ao Pai pelo sacrifício eucarístico da cruz, está convencido de que sua mansidão e bondade manifestam a presença do Senhor no mundo; renuncia, por isso, a dar testemunho de Deus no poder e no triunfalismo das instituições. Convém cuidar também que a celebração eucarística não desperte à alegria simplesmente humana de um encontro entre homens que já são irmãos por afinidade de raça, de ambiente social ou de interesses comuns. Não podemos limitar-nos a isso; importa abrir as nossas comunidades eucarísticas à riqueza da diversidade humana. A alegria será então talvez menos espontânea, mas muito mais verdadeira.
A†Ω
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