Leituras: Livro do Profeta Isaias, 43, 18-19.21-22.24b.25;
Salmo 40; Segunda
Carta de São Paulo aos Coríntios 1, 18-22;
Marcos 2, 1-12.
COR LITÚRGICA: VERDE
1. Situando- nos brevemente
A partir dos domingos precedentes temos acompanhado Jesus atuar como ministro do Reino de Deus. Uma vez que não se pode mais separar Cristo da sua Igreja, aquilo que a ele se aplica, por decorrência, aplica-se também aos que a ele estão ligados pelo batismo.
Isto porque vivem num único Espírito, são nutridos num único pão, professam uma única fé. Se Cristo é garantia do cumprimento das promessas de Deus, como veremos, à Igreja também não resta alternativa senão abrir-se como espaço oportuno para que o Pai de Jesus cuide do seu povo e restabeleça sua saúde.
Esta celebração do 7º Domingo do Tempo Comum ajuda-nos na percepção da necessária unidade entre palavra e sinal, de modo que seja integral o anúncio da iminência do Reinado de Deus. A Igreja ser portadora do perdão divino que absolve o mundo das culpas equivale a ser sinal deste mesmo mundo redimido, reconciliado e íntegro.
2. Recordando a Palavra
Seguindo com a leitura semicontínua do Evangelho de Marcos, a Liturgia da Palavra nos apresenta o trecho introdutório do segundo capítulo. A narração tem como ambiente Cafarnaum,
sua casa. Tanto a conclusão da perícope do Domingo anterior quanto o primeiro versículo do texto deste domingo indicam que a fama de Jesus já se havia espalhado, de modo que à sua porta se ajuntavam muitas pessoas.
Percebe-se que a atividade ministerial de Jesus vai ganhando forma e também importância aos olhos das autoridades religiosas: pela segunda vez cita-se a presença dos escribas, e agora com papel ativo, incomodados com o perfil ministerial de Jesus. Esse incômodo servirá de ocasião para a decisão dramática de Jesus em ordenar que o paralítico ande e, consequentemente, da revelação de si mesmo como Filho do Homem.
Escribas ou Mestres da Lei é a versão portuguesa para o grego grammteus. Em Marcos, figuram como verdadeiros adversários de Jesus e são citados mais que os fariseus. Sua presença na narrativa é relevante porque, sendo homens versados nas Escrituras são respeitáveis perante a comunidade e, sobretudo, porque são vozes autorizadas para a interpretação e aplicação da Torah às necessidades do povo e no século I retém o título de Rabi. Estes homens têm diante de si alguém que realiza o seu trabalho: Marcos diz que “Jesus anunciava-lhes a Palavra” (Mc 2,2b).
Certamente, como menino judeu muito presente à vida sinagogal, Jesus tenha estudado com os Mestres de Torah, que recebiam ao redor de si alunos, para que aprendessem de seu ofício e ao fim dos estudos tomassem parte do grupo (Era costume entre os escribas a “ordenação” para seu
oficio, realizada por meio de imposição das mãos). Mas Jesus destoa do grupo com suas atitudes e isto incomoda. Dito de outra forma, a maneira de Jesus abordar a Palavra de Deus destoa em relação ao oficio dos escribas.
A palavra e ação de Jesus se alinham ao narrado pelo oráculo profético de Isaías, na primeira leitura. E, em certa medida, os escribas têm razão em se perguntar sobre a autoridade de Jesus para perdoar os pecados, uma vez que esta é uma ação própria de Deus: “Sou eu, eu mesmo, que cancelo tuas culpas por minha causa e já não me lembrarei dos teus pecados” (Is 43,25).
Com sua fala – “Filho, os teus pecados estão perdoados” – Jesus só poderia entrar em conflitos com os entendidos da Torah. Mas o que o trecho do Evangelho insinua é exatamente a identidade
de Jesus, de onde ele provém e onde radica sua autoridade. Na verdade, a aclamação ao Evangelho já nos dá esta evidência quando seu versículo entoa: “Foi o Senhor que me mandou boas notícias anunciar”.
Para compreender melhor não só a palavra de absolvição de Jesus, mas sua ação de cura, é preciso ler ao narrado pelo Evangelho também à luz do Salmo 40, que estabelece uma relação entre pecado e enfermidade, são escassos, a interpretação da doença como castigo divino por alguma culpa é bem freqüente.
Entende-se sob este substrato cultural a primeira atitude descrita pelo Evangelho: diante da enfermidade, Jesus “declara” como arauto de Deus o perdão dos pecados do enfermo. Não obstante, à palavra declaratória, falta o sinal sensível, para que se torne evidente a autoridade daquele que anuncia a Palavra de Deus. Por isso, a Jesus não resta alternativa – ainda mais perante seus adversários: o gesto de cura do paralítico.
3. Atualizando a Palavra
Após “recordar” as Escrituras e harmonizá-las segundo a perspectiva do Lecionário, é possível dizer que em Jesus e por Jesus se cumpre aquilo que é estabelecido por Deus, segundo a ótica profética e sapiencial. Mas também em relação à Torah, pois quem fala no texto de Isaías é o Deus do êxodo, conforme um dos versículos parcialmente omitidos pelo Lecionário: “Assim diz o Senhor, aquele que abre um caminho pelo mar” (Is 43,16. Dizemos “parcialmente omitido” porque
a introdução do texto de Isaías no Lecionário lança mão do começo do versículo 16: “Assim diz o Senhor”. O restante do versículo é omitido, pois a identidade deste “Senhor” já deve ser de conhecimento dos ouvintes). Logo, a totalidade das Escrituras (Torah, Profetas e Escrito) confere
autoridade a Jesus. É a “fidelidade de Deus”, da qual fala Paulo em sua segunda carta aos Coríntios (Cf. II Leitura).
Tudo o que se dá na sala apinhada de gente é desdobramento da Palavra de Deus que atua em Cristo, pois “é nele que todas as promessas de Deus tem o seu ‘sim’ garantido” (2Cor 1,20).
Parafraseando Agostinho, que explica o sentido do ”Amém“ nas celebrações dos cristãos, Jesus é própria assinatura de Deus.
Mas, ainda seguindo Paulo em seu raciocínio, a Igreja também diz este “sim”. Faz de si mesma oportunidade de cumprimento da Palavra de Deus, pois está unida a Cristo e como ele, por Deus foi ungida (Cf. 2 Cor 1,21. Retoma-se aqui o versículo de aclamação ao Evangelho que em seu contexto de origem (Lc 4,18) fala da unção ordenada ao anúncio da Boa Nova). Aquela sala de que fala o Evangelho é agora a própria Igreja. É a “casa de Jesus”, a “Casa da Palavra” mencionando a expressão dos padres sinodais na Encíclica Verbum Domini n.52.
Sendo lugar de manifestação da Palavra de Deus, ao seu anúncio segue o sinal, como no caso de Jesus. É Palavra que opera salvação. Assim, nossos olhares de testemunhas dos feitos maravilhosos de Deus em seu Cristo se voltam ao redor e procuram os indícios de seu ministério.
Nossa fé procura identificar como as pessoas, sobretudo aquelas que vivem sob o peso do sofrimento, da doença, das injustiças, escutam o anúncio da Boa Nova e são “curadas” dos males que lhes afligem e experimentam a reconciliação consigo e com Deus.
As várias mãos solidárias da Igreja, mediante sua diversificada presença no mundo, querem ser expressão do ministério de Cristo. São eventos evangelizadores, portanto, aqueles trabalhos desenvolvidos pelos agentes da Pastoral da Saúde e da Criança, dos que cuidam das mulheres marginalizadas e do Povo da Rua, pois mediante sinais evocam a força da Palavra da Salvação e estendem a eles a saúde que vem de Deus.
4. Ligando a Palavra e a Eucaristia
A Oração do Dia neste domingo abre a assembléia à vontade Deus, para que alcance o mundo e a história por meio da Palavra e das ações dos fiéis. Articulam-se, mais uma vez, palavra e sinal sensível. Assim como em Cristo se cumprem as promessas de Deus, em nós também elas devem realizar-se, e a celebração litúrgica é o testemunho mais eloquente disto. É por meio dela que a assembléia contempla explicitamente a união entre palavra e sinal.
Desde os ritos iniciais até a despedida, os fiéis vão sendo conduzidos pelo Espírito para que se configurem às promessas de Deus através de um “Amém”. A retumbante conclusão doxológica da Oração Eucarística – “Por Cristo, com Cristo e em Cristo” coroada pelo amém da assembléia, poderá ser reconhecida no sinal sensível que são os próprios fiéis que nutrem sua ligação com ele ao tomar parte da mesa do Pão e Vinho consagrados.
Muito acertada, então, a expressão de Cláudio Pastro ao definir a liturgia: “Liturgia é a encarnação do Mistério Pascal em nosso corpo” (PASTRO, Claudio. O Deus da beleza. A educação através da beleza. São Paulo: Paulinas, 2008, p.32). E se este Mistério é também acontecimento reconciliador não sé entre Deus e os seres humanos, mas destes entre si, a comunidade dos fiéis, pela sagrada liturgia, vai tornando-se o espaço privilegiado para que a reconciliação aconteça e se estenda ao mundo inteiro os seus frutos de paz (Cf. Oração Eucarística III: “Que este sacrifício da nossa reconciliação estenda a paz e a salvação ao mundo inteiro”).
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